sexta-feira, 24 de junho de 2022

Álvaro de Moya - Entrevista - 2006

Entrevista concedida por Álvaro de Moya ao jornalista Worney Almeida de Souza (WAZ) em 10 de outubro de 2006 falando sobre o Suplemento em Quadrinhos, que circulou em dezembro de 1967 e que tinha a intenção de repetir o sucesso dos antigos suplementos de quadrinhos que circularam nas décadas de 1930 e 1940.

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Worney Almeida de Souza (WAZ): Álvaro de Moya, como foi a ideia de produzir o Suplemento em Quadrinhos?

Álvaro de Moya: O Paulo Marti (Paulo C. Marti), que tinha a Linografica Editora me chamou para publicar um suplemento, uma ideia de uma revista como era antigamente, como era no tempo dele e no meu tempo. Então eu chamei o Reinaldo Oliveira pra trabalhar comigo e tivemos a ideia de fazer o Suplemento em Quadrinhos, imitando inclusive o tipo de letras do Suplemento (Juvenil). E chegamos e falamos com King Features, com a United Press e tal e pegamos o material e fizemos uma ideia de um suplemento como era o Suplemento do Adolfo Aizen só que hoje ele já seria todinho em cores, impresso em offset, com um papel melhor e tudo. Novela tava muito em voga naquele tempo, e o Paulo Martins falou: Olha, o público jovem ele tem a telenovela, quem sabe o quadrinho, voltando a ser aquele quadrinho semanal e não o quadrinho de história completa, gibi, talvez funcione. Então nós chamamos o Fernando Chinaglia pra distribuir e preparamos o número zero pra fazer uma distribuição prévia para alguns lugares que a gente achava importante, imprensa, divulgação, distribuidor, algumas bancas de jornal, livrarias e tal. Então fizemos o número zero.

WAZ: Isso foi em 1967, né?

Álvaro de Moya: 1967. 

WAZ: Do número zero você se lembra da tiragem?

Álvaro de Moya: Esqueci... mas aconteceu o seguinte, chamamos o Fernando Chinaglia e mostramos o número zero pra ele.

WAZ: Já estava impresso?

Álvaro de Moya: Estava sim, e o Fernando Chinaglia ficou entusiasmado: Nossa! Isso aqui vai ser um sucesso! E sugeriu uma tiragem enorme. Nossa! Isso aqui vai vender que nem água e tal e tal! Semanal! E pediu uma tiragem enorme. Pegou um avião e foi para o Rio de Janeiro! Chegou no Rio de Janeiro, no aeroporto, ele pensou duas vezes, tomou outro avião, voltou pra São Paulo, sentou conosco e falou: Pensando bem, a tiragem pode ser bem maior do que isso que eu falei! E ainda pediu uma tiragem mais absurda ainda!

Nós não acreditávamos! Só que como ele entendia mais do que nós, ele era o distribuidor, nós pensávamos que ele estava certo e nós estávamos errados. Aí então nós fizemos o número um, que ficou um pouco diferente do número zero. O zero ficava com essas frases aqui em baixo, do Federico Fellini, do pessoal falando de quadrinhos e tal, e fizemos o editorial que eu e o Reinaldo assinamos, dizendo que essa edição era uma homenagem a uma pessoa que nós considerávamos quase como um pai, porque ele era o Adolfo Aizen, que tinha feito o Suplemento Juvenil, e que nós aprendemos a ler lendo o Suplemento Juvenil, e tínhamos uma admiração enorme por ele. Então, Suplemento em Quadrinhos era uma homenagem ao Adolfo Aizen. O Adolfo Aizen me contou que quando ele viu o Suplemento em Quadrinhos ele ficou fulo da vida! Aí ele leu o editorial e falou: Ah, entendi o sentido e a coisa do Moya e do Reinaldo! Então ele desconsiderou aquela primeira opção. Acontece que nós lançamos numa época de chuva, então quer dizer, tinha inundações incríveis.

WAZ: Já era pra ser semanal?

Álvaro de Moya: Já era pra ser semanal, então ele foi pras bancas...

WAZ: E qual foi a tiragem?

Álvaro de Moya: Era uma tiragem enorme praquele tempo! Uma coisa íncrivel!

WAZ: Quarenta mil, cinquenta mil?

Álvaro de Moya: Não me lembro quanto, mas era uma coisa que já quando ele falou pela primeira vez nós ficamos surpresos! E dissemos: puxa, se ele tomou um avião e foi pro Rio, pensou duas vezes, pegou o avião e tornou a voltar e aumentou, ele deve saber disso!

Bom! Então, teve inundação, os jornaleiros achavam que isso era grande, ocupava muito espaço, e colocavam em baixo. No Rio de Janeiro nós ficamos sabendo, que lá é tudo capataz, o cara que tem a banca de jornal não é o dono da banca de jornal, o dono da banca de jornal tem um monte de bancas de jornais no Rio de Janeiro e ele coloca um empregado. O empregado não tem o menor empenho em vender nada! E fica lá. E o Rio de Janeiro inundando com chuva também! Então quer dizer, o número um foi um desastre! Aí então veio a notícia de que isso aqui se chamando suplemento ele só poderia ser suplemento de um jornal!

Então vamos falar com a Jovem Pan e a gente lança o jornal Jovem Pan e põe o Suplemento dentro, ou vice-versa, o Jornal Jovem dentro do Suplemento, que era pra justificar. E eu chamei o Ronnie, que era um amigo meu, um grande jornalista, pra fazer o Jornal Jovem.

WAZ: O segundo saiu em dezembro de 1967. O primeiro saiu quando, em novembro?

Álvaro de Moya: Não, foi em dezembro também.

WAZ: O número zero saiu em novembro?

Álvaro de Moya: Não! Nós preparamos em novembro mas acho que ele já saiu em dezembro também. Porque era pra ser uma revista semanal. Aqui, tá vendo? Nem consta mais a data porque nós estávamos preocupados. Era o Paulo Marti, o Reinaldo e eu. Aí foi feito esse Jornal Jovem que era pra colocar o Suplemento dentro, mas tal como o Suplemento do Adolfo Aizen, o pessoal jogava fora (o jornal) A Noite e pegava o suplemento em quadrinhos, o Suplemento Juvenil/Infantil do Adolfo Aizen. Então quer dizer que esse Jornal Jovem era uma desculpa pra ele ir pra banca não como uma revista mas como um suplemento.

WAZ: É que o pessoal da Jovem Pan devia anunciar também... Aqui tem Jornal Jovem, que é um jornal da Jovem Pan... e devia anunciar, comentar também... E ele falava da TV. Falava de jovens cantores.

Álvaro de Moya: É! Nós pegamos as coisas que eram sucesso naquela época. 

WAZ: Eram todas pranchas dominicais?

Álvaro de Moya: Todas pranchas dominicais. Menos o Minduim (Peanuts), que nós não conseguimos as pranchas dominicais, então nós pegamos as tiras diárias e colorimos. Agora você vê, o Fantasma era uma revista da Rio Gráfica que vendia muito, Mandrake era uma revista da Rio Gráfica que vendia muito, o Disney, a editora Abril vendia muito o Pato Donald. O Batman era um sucesso na televisão com aquela série kitsch.

WAZ: Tinha até o Coração de Julieta!

Álvaro de Moya: O Príncipe Valente e o Flash Gordon eram dois clássicos. O Zorro era também uma revista da editora Ebal, vendia bem, eram cem mil exemplares. O Peanuts nunca teve revista, mas você vê era um clássico, lindo colorido, e aqui você vê de novo o Pato Donald da editora Abril.

WAZ: As cores eram originais?

Álvaro de Moya: As cores eram originais. Vinha o material todo já preparado.

WAZ: E onde rodava?

Álvaro de Moya: Na Linografica, que era do Paulo Marti.

WAZ: A impressão também era de muito boa qualidade!

Álvaro de Moya: Era, o papel era bom, a impressão era boa. Aí, então veio o terceiro número. Além do Jornal Jovem, veio o terceiro número que também estava pronto. O Batman na capa, que era uma revista que vendia muito, e o Jornal Jovem ficou só na última página, na contra capa, e fizemos uma cobertura de uma história completa. Então eu chamei o Eugênio Colonnese, o roteiro deve ser do Reinaldo Oliveira, não tem assinatura, chamamos o Colonnese e o Colonnese fez essa edição.

WAZ: Esse personagem (X-Man) ele fez especialmente pra essa edição, depois nunca mais saiu?

Álvaro de Moya: Nunca mais saiu! E o outro seria o Rodolfo Zalla, nós já íamos fazer a outra capa do Zalla, mas aí o Paulo Marti estava com um encalhe incrível! Encalhe do número um, dois e três, um encalhe enorme.

WAZ: Nesse período entre o número um e o três a tiragem foi reduzida?

Álvaro de Moya: Foi, foi, mas mesmo assim, como tinha fracassado o primeiro número, o dois já estava pronto praticamente, e o três também já estava praticamente pronto, a gente já tinha comprado os direitos e tudo.

WAZ: E as histórias da King (Features) você que selecionava? 

Álvaro de Moya: Eu e o Reinaldo que escolhemos.

WAZ: Mas assim, vocês compraram histórias completas?

Álvaro de Moya: Não! Nós compramos a página, como se fosse um jornal. Mas aí o Paulo Marti parou com isso. Aí eu falei: olha, a gente pode lançar uma história que está fazendo muito sucesso que é Barbarella.

WAZ: Aquele álbum da Barbarella?

Álvaro de Moya: Aquele álbum da Barbarella! Eu falei: tem uma história erótica que está fazendo muito sucesso na Europa e que a gente pode pegar aqui. Ele falou assim: então tenta esse! Eu liguei pro Jean Claude Forest pelo telefone, eram férias, ele não estava lá, então eu tive que esperar ele voltar de férias pra pedir a autorização dele.

Nós ficamos de mandar mil dólares de sinal pra ele e depois a tiragem. Eu fui na Livraria Francesa, comprei o exemplar do Eric Losfeld, daquele grande da Barbarella, aquela edição grande e falei: vamos fazer uma edição em formatinho, em formato de revista brasileira, um pouco maior, como se fosse um álbum. 

Aí então eu pedi ao Sérgio Lima, não o Sérgio Lima desenhista, o Sérgio Lima da Cinemateca, pra fazer a tradução do francês pro português, e o Paulo Marti não gostou da tradução, aí eu falei, eu posso pedir pro Jô Soares que é meu amigo  e o Jô Soares corrigi a tradução. 

_Ah! isso é bom porque a gente põe o nome do Jô Soares e isso ajuda a vender!

Daí eu falei com o Jô Soares e o Jô Soares pegou e corrigiu a tradução e falou: Curioso, tem uma cena aqui que quando o cara dá um banho na Barbarella, eles desinfetam a Barbarella... 

WAZ: Essa não é a primeira história da Barbarella?

Álvaro de Moya: É a primeira história, é a original, essas são as cores originais, é igualzinha à primeira edição. Nós só fizemos o letreiramento em português... então, tem uma cena aqui... ah! essa aqui! Quando eles estão assim, o Jô Soares disse: A tradução está errada! Ela está dizendo: Você está me allumervocê está me acendendo, allumer é excitar, então, allumer, você está me acendendo, você está me excitando, como o Jô Soares estudou na Suiça ele sabe essas gírias, ele corrigiu a tradução. 

O filme Barbarella estava pra ser lançado pela Columbia Pictures, nós então fizemos um acordo com a Columbia e eles deram o pôster do filme da Barbarella pra gente usar na capa, com o desenho da Jane Fonda, o pôster original do filme e tiramos a capa francesa, que tinha sido censurada na França, quer dizer, quando eles foram lançar Barbarella eles censuraram a capa e tiveram que fazer um close da Barbarella na capa da edição francesa, e a nossa, como tinha o filme, nós fizemos então o pôster do filme, inclusive pra ligar Jane Fonda, Jô Soares, Barbarella, quer dizer, tudo pra fazer a ligação. E realmente foi um sucesso! Essa aqui realmente foi muito bem!

WAZ: Quer dizer, saiu aqui um pouco antes do filme no Brasil?

Álvaro de Moya: Um pouco antes do filme.

WAZ: Em 1968?

Álvaro de Moya: É, o filme é de 1968. 

WAZ: Teve muito sucesso então? Foi pra banca?

A edição francesa e a edição nacional de Barbarella.


Álvaro de Moya: Foi pra banca e vendeu. Foi assim, capa cartonada pra banca, e tem uma outra encadernada que acho que a gente ia mandar pra livraria. Igualzinha só que com capa encadernada.

WAZ: A tiragem você não se lembra, né?

Álvaro de Moya: Não lembro. Vendeu bem, isso esgotou!

WAZ: O Paulo Marti, ele que imprimiu? Foi pela editora dele?

Álvaro de Moya: Ele que imprimiu, foi uma consequencia do Suplemento não ter dado certo. Eu falei: Agora, o que está fazendo sucesso na Europa são edições eróticas de quadrinhos, que não existem aqui no Brasil. Ele falou, então vamos tentar! Quer dizer, isso aqui abriu um caminho que a gente poderia fazer outras histórias eróticas europeias aqui, mas eu acho que o Paulo não pagou! Então, quando eu encontrei com o Jean Claude Forest lá em Lucca, eu conversei com ele e falei: Olha, eu que fiz o contato com você e pedi a Barbarella pra você, e eu tenho a impressão que o nosso editor não mandou os mil dólares pra você. Aí ele falou: Ah, eu nem me lembro! Como Barbarella tinha sido um sucesso no cinema e tal, uma edição brasileira que teria adiantado mil dólares pra ele não fazia muita diferença. E ele falou assim: Eu não me lembro se eu recebi isso ou não. 

Aí ele só perguntou assim: Era boa a edição brasileira? Eu falei: Era ótima! Igualzinha a francesa, não a primeira, grande, mas a segunda edição mais popular. 

_Isso é que é importante, se saiu bem publicado então tá tudo bem! 

Aí eu perguntei pra ele: Qual foi a sua sensação de ver Barbarella que você tinha feito em história em quadrinhos ter virado uma super produção da Columbia, com Jane Fonda, dirigida por Roger Vadim? Ele me falou: Olha, a coisa que mais me impressionou foram os cenários. O Dino de Laurentiis entrou com muito dinheiro no filme e as coisas que eu desenhei como cenário, eles faziam em estúdios enormes do Dino de Laurentiis e reproduziam o desenho meu, e eu desenhei especialmente os cenários dos filmes mas eu não imaginava que ficasse tão bom e fosse tão impressionante assim. 

Aí ele contou que quem encheu a cabeça da Jane Fonda de ter ficado à esquerda, contra a Guerra do Vietnã e tudo, foi Roger Vadim, porque Roger Vadim era de esquerda, ele era francês e ele foi quem fez a cabeça da Jane Fonda.

WAZ: Ele foi pros Estados Unidos pra fazer o filme?

Álvaro de Moya: Não, ele fez o filme na Europa. Porque a Jane Fonda foi chamada pra fazer uma história em quadrinhos e ela falou: Mas fazer uma história em quadrinhos no cinema e tal? Porque ela era americana e pensava que comics era coisa menor. Quando ela foi lá e viu a produção com Dino de Laurentiis e tal, que era uma coisa grande e aí o Roger Vadim que era um sedutor, que já tinha tido um caso com a Brigitte Bardot, já tinha tido um caso também com a Catherine Deneuve, seduziu a Jane Fonda, depois ele seduziu aquela outra atriz francesa e depois uma terceira. 

WAZ: Que animado!

Álvaro de Moya: Ele era um sedutor! E ela então quando fez o filme ficou entusiasmada e ela ficou na França e o Roger Vadim fez uma versão de La Ronde, que tinha sido um filme francês de muito sucesso dirigido por Max Ophüls e ele fez uma versão colorida bem inferior à primeira versão, mas a Jane Fonda então passou a ter um prestígio na Europa que ela não tinha nos Estados Unidos, lá ela era filha do Henry Fonda. Quando ela voltou pros Estados Unidos o Roger Vadim tinha feito a cabeça dela, ela se separou dele mas se engajou na luta contra a Guerra do Vietnã e aí ela ficou famosa tanto nos Estados Unidos quanto na Europa graças a esse período aí.

WAZ: Quantas histórias tiveram da Barbarella?

Álvaro de Moya: Ele fez mais umas duas ou três e não fizeram sucesso. Aí ele tentou Marie Mathématique (para assistir clique aqui), fez outras coisas e tal, mas ele era meio despreendido, ele não era assim um cara comerciante, quer dizer, vamos explorar, fazer boneca da Barbarella e tal, fizeram alguns desenhos animados pra televisão e tudo, coisa assim, mas ele também não era o estilo americano, que quer sugar, aproveitar ao máximo. Ele achou que não ficou boa a segunda Barbarella, parou, depois fez de novo colorida, ele era uma pessoa muito suave, uma pessoa muito doce e não tinha o interesse nisso. Mas aí abriu o caminho pro Paulo Marti pra gente fazer outras histórias, então comprei Saga de Xam e outras coisas europeias pra ver se a gente lançava uma linha de álbuns eróticos, mas nessa hora o Paulo Marti desistiu de quadrinhos, ele ficou: O quadrinho não adianta, não dá, não sei o que mais e desistiu de quadrinhos, mas gostou muito do Reinaldo Oliveira e do Rodolfo Zalla, então eu saí e o Reinaldo e o Rodolfo Zalla ficaram lá. O Reinaldo ficou trabalhando na parte editorial dele e o Zalla ficou até recentemente, até agora que o Paulo Marti vendeu a parte dele, o Zalla continuava trabalhando lá na editora, que eles faziam muito livro didático, então o Zalla fazia ilustração pra livro didático.

WAZ: Que é a atual IBEP?

Álvaro de Moya: É, sempre foi IBEP, o que se chamava Linografica era a parte de impressão, a IBEP era a parte editorial. E o Jorge... (Jorge Yunes) como é que é o nome dele? Aquele que era amigo do Maluf, que tem aquela casa que é a casa da Manchete? Ele acabou comprando a IBEP e a Linografica do Paulo Marti.

WAZ: Ele se juntou com outra editora, não é? É a Editora do Brasil?

Álvaro de Moya: Não. Eles compraram à vista! O Jorge tinha dinheiro, ele comprou a Companhia Editora Nacional.

WAZ: É ali perto da Barão de Limeira.

Álvaro de Moya: Ele comprou à vista a Companhia Editora Nacional. E o Reinaldo dizia: Puxa! Aqui tem a Dona benta, que é um best seller. Então o Paulo Marti falou: Então reescreve, falando já em forno de micro-ondas e coisas modernas! Porque lá era tudo lenha e tal, então o Reinaldo reescreveu Dona Benta e eles lançaram Dona Benta e foi um sucesso. E o Reinaldo vivia insistindo, vamos lançar de novo a coleção Terramarear, que era Tarzan, Robert Louis Stevenson, H. Rider Haggard, era o Emílio Salgari, era o Edgar Allan Poe... Era uma coleção fantástica a coleção Terramarear! E o Paulo nunca se entusiasmou com essa ideia mas e eu acho que se tivessem lançado seria também um sucesso.

WAZ: Mas antes de sair o Suplemento o que ele produzia?

Álvaro de Moya: Ele tinha uma editora de livros didáticos, que era a IBEP e a Linografica que era a gráfica dele. Ele, o Paulo Marti, era um craque na parte gráfica e como ele tinha contratado aqueles professores pra escrever aqueles livros didáticos, e o Reinaldo falava que esses professores ganhavam fortunas, porque o governo comprava edições de milhões de exemplares e dizia que eles todos tinham avião particular, fazendas com piscina, gado. Mas aqueles professores que escreviam aqueles livros de matemática, eram milionários por causa desses livros que eram comprados pelo governo. Você imagina então o quanto que o Paulo Marti e o Jorge ganhavam como editores. Se os professores ganhavam uma fortuna imagina eles então! Foi uma pena que o Suplemento em Quadrinhos, por causa do Fernando Chinaglia, decepcionou muito o Paulo Marti. O Paulo Marti acreditava muito em história em quadrinho.

WAZ: Talvez se tivesse uma tiragem menor teria se estabilizado...

Álvaro de Moya: É, se tivesse uma tiragem menor, que não fosse em época de chuva e a gente conhecesse melhor o mercado do Rio de Janeiro, quer dizer, o tipo de distribuição, já naquele tempo ele tava em crise. Eu lembro que quando começaram a cair as vendas de revistas aqui em São Paulo o Adolfo Aizen culpou o Modesto di Donatto, e não é, era o começo de uma crise em relação à revista em banca de jornal.

WAZ: E também acabaram construindo dois monopólios, A DINAP e a Chinaglia. Que acabaram com todos os regionais.

Álvaro de Moya: No tempo em que eu ia na Ebal, o Adolfo Aizen todo dia, a cada dia de manhã até às cinco horas da tarde, ele terminava dois gibis de cem mil exemplares cada um. Quer dizer, começava de manhã, às cinco horas da tarde os caminhões levavam duzentos mil exemplares para a distribuição. Todo dia! Então era um negócio fantástico! De repente, quando começou cair as vendas, o Adolfo Aizen culpou o Modesto di Donatto e o Gonçalo Jr. encontrou um projeto que eu fiz pro Adolfo Aizen pra promover a história em quadrinho em São Paulo, com professores, com intelectuais, com jornalistas. Eu fiz um projeto pro Adolfo e o Adolfo nunca colocou em prática isso! E eu era muito amigo do Modesto, eu admirava o Modesto. O Modesto era daquele tempo em que nas bancas de jornais, os caras passavam que nem em Chicago, dando tiro nos jornaleiros! E ele era presidente do Sindicato nesse tempo, porque eles lutavam pela consignação e os jornais e as revistas não queriam, o jornaleiro compra, vendeu ou não vendeu o prejuízo é da banca. Então o Sindicato dos Jornaleiros queria que fosse em consignação, o que não vendeu eles devolviam, então os editores contratavam gangsteres pra ir lá dar tiro neles e o Modesto era desse tempo! Dos tempos antigos, do começo do jornal e revista aqui no Brasil.

WAZ: E o jornal vendia bem!

Álvaro de Moya: O jornal vendia bem, era um público com o nível mais alto, a tiragem do jornal e da revista era proporcional ao número de habitantes. Hoje em dia a revista Veja tem um milhão, dois milhões de exemplares, num país de 150 e tantos milhões de habitantes, isso não é nada comparado com a revista Playboy, com um jornal japonês, o Nippon..., como é que é o nome do jornal japonês lá... o Nippon qualquer coisa que tem tiragens enormes, e aqui no Brasil as tiragens são ridículas, e elas então minguaram ainda mais. Naquele tempo livro vendia mais, revista vendia mais, jornal vendia mais, então quer dizer, hoje...

WAZ: E quando saiu o Suplemento eles eram o único desse tipo... porque não tinha jornal desse tamanho.

Álvaro de Moya: Depois que ele fracassou teve um grupo que tentou lançar também e lançaram uma imitação do Suplemento em Quadrinhos.

WAZ: Era o Super Plá?

Álvaro de Moya: É o Super Plá! Do Fittipaldi!

WAZ: Esse durou sete números. Eu me lembro.

Álvaro de Moya: Eles devem ter feito uma tiragem menor, era papel jornal, era mal impresso.

WAZ: Foi na época (1971) que eles começaram a revista em forma de livro, em que eles estouraram porque eles pegaram os clássicos e remontaram. Inclusive era o (Osvaldo) Talo que fazia isso. E vendia muito. Saíram sete jornais desses e foi logo depois...

Álvaro de Moya: Foi uma tentativa de fazer sucesso na mesma linha, entendeu? 

WAZ: Porque na banca não tinha jornal desse tamanho, eram todos grandes, tamanho standard ou revista.

Álvaro de Moya: Porque a Abril tinha lançado o formato italiano, que é o formatinho. Isso aqui (mostrando) é um jornal, isso aqui é um tabloide, isso aqui é uma revista, a metade disso é o formatinho. Quer dizer, essa dobra de gráfica é que determina o que deve ser feito, e nós por exemplo, sempre fomos contra o formatinho. A gente dizia, como é que Príncipe Valente e esses clássicos podem ser publicados num tamanho pequenininho? Não dá, não dá pra encaixar, quer dizer, você fica retocando como a Rio Gráfica fazia e era terrível, eles pegavam uma tira de Rip Kirby e sobrava um pedacinho, ao invés de eles deixarem em branco eles aumentavam o quadro e um cara pegava e fazia uns achurados. Uma coisa terrível, uma coisa que me irritava profundamente é ver esse tipo de trabalho. A gente pegava por exemplo, uma tira diária do Steve Canyon, que seria isto aqui, e eles já faziam uma enquadração pro corte. Esse publisher ele punha aqui no meio, então, quer dizer, alguns jornais que publicavam a tira inteira, o outro jornal que tinha excesso de quadrinhos fazia um corte aqui e fazia ela mais estreitinha, mas ele já fazia ela com dois tipos de enquadração, um pro tamanho vertical maior e outra pro vertical menor, de maneira que pudesse sair uma tirinha pro jornal.

WAZ: Eu estava vendo, as histórias, você comprou as páginas mas elas não começaram na primeira (tira) da história...

Álvaro de Moya: Não, nós pegamos na história que estava atual, na atual, nós não pegamos coisas antigas. E o Steve Canyon e o Dick Tracy eram as duas únicas histórias em quadrinhos que faziam continuidade. Por exemplo, o Mandrake e o Fantasma, eles tinham uma história diária que era uma história que começava na segunda-feira e terminava sábado, naquele tempo os jornais brasileiros não tinham a edição de segunda, e então quer dizer, elas começavam nos Estados Unidos de segunda até sábado em tira diária e continuavam na segunda-feira seguinte em tira diária, o capítulo domingueiro do Fantasma, do Mandrake, de todos, era uma outra história que continuava semanalmente. No caso do Dick Tracy e Steve Canyon que era também o esquema do Terry e os Piratas do Milton Caniff, a história dele era de segunda até sábado, continuava no domingo e continuava na segunda. 

WAZ: Fazia relação com a página dominical.

Álvaro de Moya: Fazia relação. Então a técnica era a seguinte, o último quadro do sábado era o primeiro quadro do domingo e o último quadro do domingo era o primeiro quadro da tira de segunda-feira, que dava uma espécie de continuidade, você lia de segunda a sábado, depois lia aqui e continuava lá. Só que tinha um problema, alguns jornais não publicavam o suplemento dominical, então ele tinha que fazer a história de segunda a sábado, prever um leitor que lia de segunda a sábado e no domingo ele seguia e o outro leitor que só lia de segunda até sábado. 

Então era uma forma de contar uma história de maneira que funcionasse. Por outro lado tinham alguns jornais que só publicavam o capítulo domingueiro e não publicavam de segunda a sábado, então ele fazia de uma maneira que o sujeito lendo a história no domingo, este miolo aqui funcionava. Então é uma técnica de roteiro dele e do Chester Gould inacreditável de bem feita!

WAZ: E uma história se fechava em quanto tempo?

Álvaro de Moya: Eles tinham um número de semanas, em geral a tira diária ou o capítulo domingueiro tinham um certo tempo, porque eles achavam que cansava o leitor, então é como se fosse uma novela que você conta com ela com 180 capítulos, excepcionalmente eles viam que uma história estava muito interessante e durava um número maior de semanas. Se a gente pegar uma história aqui, ela durava de seis a oito semanas.

WAZ: E qual era o trabalho do Reinaldo? Ele era o editor?

Álvaro de Moya: O Reinaldo era um craque na parte de gráfica, eu nunca vi alguém entender tanto de gráfica, ele era o craque nisso. Ah! Você vê aqui, eles estão publicando o Steve Canyon só o capítulo domingueiro, tem algumas histórias completas aqui...

WAZ: E as traduções do Suplemento quem fazia?

Álvaro de Moya: Puxa! Não me lembro.

WAZ: Pode ser até o Reinaldo, não?

Álvaro de Moya: Não, não era o Reinaldo não. 

WAZ: E as letras quem fazia, você se lembra?

Álvaro de Moya: Também não lembro.

WAZ: E essa capa? Essa capa é nacional, não é? Ou é uma ampliação?

Álvaro de Moya: É uma ampliação. Aqui tem uma história do Captain Easy completa, quer ver? 1, 2, 3... 17! 17 semanas tem uma história completa, tira diária, né? Olha o Dick Tracy! Acho que a Aninha, a pequena orfã, também era o mesmo estilo de continuidade. Tira diária e domingueira, também acho que era a mesma técnica. Como eu não gosto do Harold Gray, também esqueci dele. Aqui tem uma do Brucutu completa.

WAZ: Tem alguma tradução o nome original do Brucutu (Alley Oop)?

Álvaro de Moya: Não, é uma onomatopeia. Seria um buraco, um beco sem fim e o Oop seria como se fosse uma onomatopeia. Aqui tem um Red Barry completo. Quer ver quantas semanas? Aí é em tira diária. Aqui tem uma semana, duas... Dezesseis semanas, quatro meses. De uma certa forma as tiras diárias e as histórias completas (páginas dominicais) elas tinham mais ou menos o mesmo desenvolvimento.

WAZ: Eu sei que o Colonnese fez uma ou duas histórias a mais desse X-Man que são inéditas. Ele fez para o que seria o próximo número, né?

Álvaro de Moya: Provavelmente, o Colonnese tinha feito uma também. A ideia do Paulo Marti era colocar pelo menos uma história completa pra ver se o leitor se interessava. Então tinha o Jornal Jovem, uma história completa e depois as outras, mas era tarde demais pra tentar consertar.

WAZ: Mas e o número quatro, você já estaria andando com ele, produzindo, mas aí ele falou não dá mais?

Álvaro de Moya: É, provavelmente a gente já tinha comprado as tiras, o material, já tinha tudo pronto pra lançar o quarto número mas o primeiro e o segundo praticamente derrubou a gente, porque quando se rodou o primeiro estava-se rodando também o segundo pra semana seguinte. No terceiro nós tentamos consertar mas não deu mais. E o Paulinho Martim era também meio inquieto, ele sempre foi muito agitado, não tinha a calma da visão, espera aí, vamos ver, a Barbarella deu certo, vamos fazer outro, uma outra história na mesma linha da Barbarella, quer dizer, não deu pra continuar. Ele ficou meio decepcionado, ele esperava mais, entendeu? Aí então eu, que tinha bolado a coisa, eu me afastei. E o Reinaldo, que ele tinha gostado muito como editor, ficou e o Zalla, que desenha que é um fenômeno, ficou até agora lá.

WAZ: Eu estudei com livro com o desenho do Zalla! Tenho em casa até hoje os livros de geografia.

Álvaro de Moya: As coisas mudam muito. Quando eu dava aula e quando eu estudei essa parte de comunicação, eu dizia o seguinte, quando eu era criança, a cartilha era em preto e branco, o papel de má qualidade, mal impresso. E eu me lembro até hoje que a última página tinha a letra Z e tinha assim: Zabumba e zebra. Duas coisas que estavam na letra Z na cartilha, e a zebra eles pegavam uma revista infantil francesa, recortavam e punham ali aquela zebra, desenhada com aquele achurado de desenho antigo, tipo Gustave Doré, então você via que isso é uma zebra. Hoje em dia a criança liga a televisão e tem o Animal Planet e tem zebra, tem bicho, tem tudo, então quer dizer, esse tipo de coisa ficou completamente defasado. Quando meu filho era pequeno tinha um professor de ciências que o filho dele era amigo do Sergio e ele veio conversar comigo dizendo: Ah! Você que é de comunicação, o que tá acontecendo é o seguinte... Eu falei, o meu filho chegou pra mim e falou assim: Pai, o que são linhas imaginárias?

E meu filho brincou, se eu pegar um foguete e for pro espaço e olhar pra Terra, não tem esses riscos em torno da Terra. E eu falei: Não, não tem. E ele: Ah! 

Então isso é que são linhas imaginárias? Isso mesmo! Então você vê, ele teve que tomar um foguete e ir pro espaço olhar pra Terra e ver que não tinha, pra entender o que são linhas imaginárias que o professor tinha de ciências falado pra ele. Então, outra coisa, é que nos livros antigos, se você quer uma prova que a Terra é redonda e você olhar pro mar e ver que o navio desaparece no horizonte, e isso, se uma criança parar, vai ter insolação debaixo do sol. Então, quer dizer, eram exemplos antigos e que não se coadunavam mais com os tempos modernos. Essa evolução da comunicação, das coisas, mudaram muito, então você tem que ter um outro tipo de noção de como as coisas são hoje em dia.

WAZ: O problema é  que está muito rápido! Rápido demais! É muito rápido pra pessoa parar e pensar. É o negócio do vídeo-clip: Flash, flash, flash!

Álvaro de Moya: Por isso eu digo o seguinte: Quando eu dou aula de história em quadrinhos eu só falo de literatura, eu falo de Jack London, de Robert Louis Stevenson, de Dashiell Hammett, Hernest Hemingway, eu falo de literatura porque o sujeito pra escrever uma história em quadrinho tem que saber escrever, por outro lado no nosso tempo quando eu escrevia um artigo pro jornal passava pela mão de um revisor que se tinha um erro de concordância, que você colocava, que o QUE atraí o pronome, esse tipo de coisa, o revisor corrigia o seu português, agora, quando você fazia um balãozinho de história em quadrinhos ninguém revisava, você tinha que fazer um português perfeito quando você fazia balãozinho de história em quadrinho, porque não tem revisor no jornal que revisa a língua portuguesa pra publicar, então eu falava, vocês têm que saber falar português pra poder escrever direito o balãozinho.

Por outro lado, quando eu dava aula de televisão eu só falava de cinema, falar do travelling do Luchino Visconti é uma coisa, aparece assim no Rocco e seus Irmãos, e a câmera faz o movimento e vai destacar o Alain Delon. Não é porque o Luchino é bicha e tá apaixonado pelo Alain Delon, aquele é o Rocco! Esses são os irmãos, aquele é o Rocco! Então as câmeras se movimentam e vão até o Rocco. Agora, hoje em dia, com a zoom, você chupa o Rocco pra cá. Então, o Rocco não é mais importante, mais importante é a lente que trás o Rocco aqui pro primeiro plano. Então existe a linguagem de cinema e ela tem que ser feita em função com as coisas que acontecem. 

Aquele famoso plano sequencia da abertura de A Marca da Maldade do Orson Welles, quem contou pra mim aquela abertura foi o Stanley Kubrick, ele falou: Você não viu, uma  tomada assim e assim? Eu falei: Eu vi, mas não tem essa tomada! Essa tomada que você tá falando é em baixo dos letreiros? Sim! Ah! No Brasil eles cortaram e puseram letreiros em português! E tiraram essa tomada. Aí, quando eu ganhei uma cópia em 16mm, eu avisei no MASP: Agora tem uma cópia completa! Aí o Stanley Kubrick falou: O filme tá passando em Los Angeles, vai ver! Eu fui ver e tem, é o close de uma chave, a porta abre, a câmera sai pela janela, é um hotel vagabundo, sai um casal do hotel, a câmera vem pelo lado de fora, eles pegam o elevador, a câmera desce do lado de fora da casa, eles param lá no fundo pra fazer o check-out, a câmera enquadra em primeiro plano um carro conversível, um bandido vem, levanta a capa do capô, põe uma bomba, fecha e vai embora. A câmera faz assim, o casal vem e senta no carro. Quando ele liga o carro e você pensa que vai ter uma explosão o rádio estava ligado e começa um mambo: Pam-pampam-pam! Pam-pampam-pam! O carro sai e a câmera vai em travelling seguindo o carro, de repente a câmera começa a subir, vai por cima das casas, é uma cidadezinha na fronteira do México com os Estados Unidos onde há tráfico de drogas e uma corrupção incrível e o chefe de polícia é corrupto e a câmera vem por cima, o guarda para o trânsito e a câmera desce pelo lado de cá, o automóvel vem, a câmera vem pelo lado de cá, enquanto o carro vai em direção à cancela da fronteira, vem vindo o Charlton Heston e a Janet Leigh, então a câmera larga ele lá fundo e vem seguindo com Janet Leigh e o Charlton Heston. Quando o cara lá abre a cancela, bum! O carro explode, então vem o primeiro corte do filme e o Charlton Heston que é policial corre lá. Então, quer dizer, tudo isso que seria uma cena gratuita ela termina com uma explosão! Não ia fazer esse puta movimento que nem o Moulin Rouge, que hoje em dia com o computador ele anda pelos tetos de Paris e chega lá e não acontece nada! Então, quer dizer, o travelling ele prepara uma coisa muito importante que vai acontecer, senão não vale nada! Quando eu falo que o quadrinho também tem travelling, o quadrinho também tem enquadração, o quadrinho também tem luz, o quadrinho tem som. Você pega O Spirit do Will Eisner, tem tudo! Um cara tá andando, de repente ele pisa numa poça d'água e depois então vem aquele barulhinho: toc-toc-toc! Que espirrou água e depois vai. Quer dizer, o uso do som no quadrinho que o Will Eisner faz é uma coisa absolutamente genial. O Spirit tá andando aqui em primeiro plano e tem um bandido perseguindo ele, então o que ele faz? O Will Eisner sabe perspectiva, só que ele coloca o bandido errado na perspectiva, então quando você olha no desenho, tem alguma coisa de errado no desenho, o bandido tá fora da perspectiva, e o olho do Spirit tá assim, quer dizer, o mocinho já notou que ele está sendo perseguido por um sujeito. Quer dizer, é o cara que entende de quadrinho, de cinema e coisa e tal. E quando eu falei com o Will Eisner ele disse assim: É curioso, todo mundo fala que a minha linguagem é cinematográfica mas a minha formação é teatral, eu fiz um curso de cenografia de teatro.

Eu comecei a prestar atenção e cada quadro dele é um palco italiano, então tem aquelas luzes típicas de um palco italiano e os planos existentes num palco de teatro, e tem um personagem de teatro que fica aqui, outro que fica lá, a luz que bate nesse bate naquele lá também, então quer dizer, embora a linguagem dele seja cinematográfica cada quadro dele é um palco italiano cenográfico. Esse tipo de coisa, quando você vai falar com a pessoa de quadrinho você tem que abrir a cabeça dela, não pode dar só em quadrinho, quadrinho, quadrinho. Tem que saber literatura, tem que fazer cinema, tem que ver televisão. Tem que ter uma noção do mundo de hoje!

WAZ: O duro é que a garotada não lê nem quadrinho, quando lê é um gênero só e olhe lá! Quando lê super-herói é só super-herói, e nem os super-heróis antigos o cara lê, e se é mangá ele só lê o mangá, e o mangá atual.

Álvaro de Moya: Eles estão muito bitolados, inclusive os autores de quadrinho eles só querem elogios. No meu tempo o Cortez corrigia um desenho meu, eu dizia: Pô, o Cortez quer que eu desenhe cada vez melhor, ele tá criticando o meu trabalho porque ele gosta de mim e acha que eu tenho futuro, então tudo que ele critica no meu trabalho é em benefício meu e eu preciso ouvir o que ele tem a dizer. No Brasil se você não elogia o cara e diz que ele é um gênio, ele não aceita!

WAZ: E nunca cumpre prazo!

Álvaro de Moya: Não cumpre prazo, não é profissional, não aceita crítica, não melhora. Quer dizer, de repente você não tem mais diálogo, então vou dizer: Bom, eu não falo mais de quadrinho brasileiro! O que eu vou falar? Eles não são geniais, nenhum deles é genial, genial é o Will Eisner, o Alex Raymond. 

WAZ: O pessoal não é nem profissional, se o cara não cumpre prazo, não faz o que o editor pede. Foi o que o pessoal passou quando foi desenhar pros Estados Unidos, a cara desenhava uma página, só que ele dizia: Ah! Vou fazer um negocinho diferente, e o editor dizia: Eu não falei isso! Quero que desenhe exatamente como eu mandei. Ah, mas o roteiro... Não, o roteiro é meu, você não tem que falar nada, tem que produzir! Porque senão o cara perdia o contrato.

Álvaro de Moya: Isso acontece com tudo. Quando Franca tava no auge produzindo sapatos, exportando pro mundo inteiro, eu vi gente que comprou sapato brasileiro na Itália pensando que era sapato italiano e era brasileiro. Quando eles exportaram pra união Soviética eles mandaram um tipo de bota que era forrada por dentro que era ótima pro inverno de Moscou. Eles mandaram, Moscou encomendou não sei quantos milhões de pares e eles mandaram milhões de volta. Não foi isso que encomendamos, isso não tá em conformidade com a amostra que fizeram. E eles ficaram com aqueles milhões de encalhe. E vai vender pro nordeste aquilo? Esse tipo de comportamento brasileiro, de não ser profissional, é em todas as áreas.

WAZ: O problema nosso é que as tiragens estão cada vez mais baixas, as revistas cada vez mais caras e o público cada vez ficando mais velho, e quem forma leitor de quadrinho hoje é o mangá, só que é segmentado, então tem mangá erótico, mangá pra garota...

Álvaro de Moya: Você lembra do tempo da Metal Pesado que nós fizemos? Olha, vamos fazer uma revista só de quadrinho brasileiro, só com autor brasileiro e vinham uns caras dizendo: Olha eu quero mandar uma história em quadrinhos pra ser publicada, como é que eu faço? Olha, no último número tem uma página que explica como você faz! Ah! Eu não li! Você não leu a revista? Não! Quer dizer, você nunca leu a revista e tá querendo mandar um desenho pra nossa revista? Você não sabe nem que tipo de história a gente tá publicando! Ah, não! É muito cara a revista! Quer dizer, o cara não compra a revista, ia mandar uma história que não tem nada a ver com o conteúdo da revista que a gente tava fazendo e ainda acha que ele é que está certo. 

Eu digo, olha, você vai numa banca, compra um exemplar da revista, vê o que você tem que fazer e olha o tipo de revista pra ver se o seu desenho, o trabalho que você vai apresentar tem algo a ver com a revista, senão você vai perder tempo. Quer dizer, já naquele tempo o pessoal tava numa decadência impressionante.

WAZ: E o Mauricio deu com os burros n'água com o Ronaldinho!

Álvaro de Moya: Mas tava na cara! Se ele não deu certo com o Pelé que era um fenômeno, ainda é um fenômeno, e fez uma histórinha babaca.

WAZ: Mas o Pelezinho durou bastante tempo!

Álvaro de Moya: Mas era babaca.

WAZ: Esse aí foram três revistas, um fracasso.

Álvaro de Moya: Primeiro ele tentou com o Diego Maradona, de repente o Maradona se envolveu com drogas. Agora ele tentou o Ronaldinho, não adianta! Fazer coisa assim babaca não adianta, eu sempre falei, os personagens de quadrinho tem que ser o que eles chamam de meme!

FIM

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sexta-feira, 17 de junho de 2022

Chiquinha - 1991

Em 9 de novembro de 1991 estreava na Folhinha, suplemento infantil da Folha de S. Paulo, a personagem Chiquinha, criação de Miguel Paiva.

Com um estilo de desenho já conhecido em trabalhos como Radical Chic e Gatão de Meia Idade, Chiquinha era voltada ao público infantil, leitor da Folhinha.

No sábado de estreia foi publicada a seguinte entrevista apresentando a personagem:

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Folhinha ganha a tira da Chiquinha

MÔNICA BONVICINO - Editora da Folhinha

A Folhinha ganha hoje a tira “Chiquinha”. É criação de Miguel Paiva, 41, que faz também “'Radical Chic”, história publicada na "Revista d”, aos domingos, na Folha. Miguel é carioca e vive de fazer histórias em quadrinhos. Entre crianças, é conhecido na Itália. Publicou de 1974 a 1980 a história “Capitão Eco contra o Doutor Polu”, na revista “Corriere dei Piccoli”. Veja como é Chiquinha.

Folhinha - Chiquinha é briguenta?

Miguel - Vai brigar com o irmão porque ele vai querer mandar. Menino acha que já nasceu com poder.

Folhinha - Gosta de estudar?

Miguel - Não tem problemas porque é esperta, mas não é super estudiosa. Sabe que deve aprender algumas coisas, do contrário não “vai conseguir impor sua vontade".

Folhinha - O que ela mais gosta?

Miguel - Quadrinhos, rock, e curtir as coisas que a fazem pensar.

Folhinha - Ela tem namorado?

Miguel - Se fosse escolher um menino para aprontar no shopping, ia querer sair com Geraldinho, não sairia com um menino tão maluquinho quanto o Menino Maluquinho. Ela acha Geraldinho neurótico mas gosta dele. Talvez até se case com o Menino Maluquinho, mas curte com Geraldinho.

Folhinha - Do que ela brinca?

Miguel - De caubói, astronauta, porque meninos e meninas têm “direito de brincar do que quiserem, podem ser xerifes e os donos do mundo". Chiquinha se acha bonita, brinca de boneca, mãezinha, mas tenta realizar sonhos de criança, como ser corredora de Fórmula 1.

Folhinha - Chiquinha apronta?

Miguel - Ela é só uma menina que faz o que sente que é gostoso. Por sorte, tem dois pais legais, que não estragam a festa dela.

Folhinha - Por que você gosta de criar personagens mulheres?

Miguel - O mundo das mulheres é misterioso. Gosto de descobrir o jeito feminino das coisas. Os homens criam barreiras para a gente descobrir como eles são.

As tiras de Chiquinha foram reunidas em 4 livros da editora Rovelle a partir de 2014.

sexta-feira, 10 de junho de 2022

O Bobalhão na Ilha do Besouro - 1975


Em setembro de 1975 foi publicada no Suplemento Quadrinhos da Folha de São Paulo a história O Bobalhão na Ilha do Besouro. Com roteiro de Franco de Rosa e desenhos de Sebastião Seabra a aventura fazia referência ao filme O Trapalhão na Ilha do Tesouro dirigido pelo cineasta J. B. Tanko (1906-1993) nesse mesmo ano, com a participação da trupe televisiva Os Trapalhões e é considerada a primeira versão em quadrinhos do grupo.

Uma sátira na linha da revista MAD, lançada no Brasil em 1974 pela editora Vecchi, a aventura tinha piadas bem boladas e desenhos de qualidade da dupla de autores que viria a se consagrar com o passar do tempo, principalmente por seus trabalhos na editora Grafipar de Curitiba - PR.

A mesma história foi publicada com o nome de O Bobalhão na Ilha do Tesouro em janeiro de 1977 no formato de tiras diárias (figura abaixo) pelo jornal Notícias Populares (SP), com o qual Franco e Seabra já colaboravam há alguns anos com séries como Chucrutz e Capitão Caatinga.

sexta-feira, 3 de junho de 2022

Entrevista - Luís Sátiro (Victor Forde) - 1978

Luís Sátiro – testemunha de uma época

Sátiro, como os quadrinhistas o chamavam, teve seu primeiro desenho  publicado no jornal São Paulo Zona Sul, em 1963, quando conheceu o redator do jornal que adorou a sua arte. Em seguida, passou a fazer uma série de tiras, embora achasse que “era coisa muito primária, pois não conhecia o segredo técnico da história em quadrinhos: enquadramento, letreiramento”. 

Enfim, vamos conhecer um pouco da complicada jornada de Luís Sátiro pelo mundo dos quadrinhos. Em 2002, Luís Sátiro recebeu o troféu Angelo Agostini, como um dos Mestres de Quadrinhos do Ano de 2001, junto de Luiz Saidenberg, Luscar, Nani, Osvaldo Talo, Rubens Cordeiro e Zaé Júnior.  

Acreditamos que Luís Sátiro nasceu no início da década de 1950, pois em 1964, aos14 anos ele atuava como office boy na Editora Continental. Não temos registros sobre local e data precisos, nem de quando faleceu, o que ocorreu depois do ano de 2003, quando participou de um evento de HQ na Livraria Comix Book Shop, em São Paulo. 

Esta entrevista foi feita por volta de 1978, por Ataíde Brás, Franco de Rosa e Giovanni Voltolini. E teve copydesk de Fernando Moretti.

Estúdio Brancaleone - da esquerda para a direita: Fausto Kataoka, Gilberto Firmino, Antonio (Tony) Duarte, Wanderley Felipe. Fileira de baixo: Luís Sátiro, Paulo Hamasaki e Wilson Fernandes.

Franco — Você já começo levando tiras a jornais feitas a nanquim?

Sátiro — É. Tudo feito com nanquim. Depois surgiu Jornal Juvenil, que aceitava colaboração de leitores. Desta forma travei conhecimento com o diretor que me convidou para trabalhar como office-boy. Era um jornal semanal vendido em bancas. Lá conheci grandes desenhistas: Mauricio de Sousa, Júlio Shimamoto, Lyrio Aragão, Paulo Hamasaki.

Franco — Esse jornal tinha quadrinhos?

Sátiro — Sim, tinha.

Franco — Eles trabalhavam no jornal ou faziam free-lance?

Sátiro — Sim, eram free-lancers. O Mauricio trabalhava no local porque o jornal lhe havia emprestado uma sala. Naquela época o Mauricio publicava suas tirinhas no Diário da Noite e também na Folha de São Paulo. Foi quando ele começou a fazer a Folhinha de São Paulo, da qual é fundador. Logo no início da Folhinha, ele montou o estúdio ao lado da Folha e eu continuei trabalhando no Jornal Juvenil. Uma vez, fui visitar a Editora Outubro, a ex-Editora Continental, e o editor, Heli Lacerda (Heli Otávio de Moura Lacerda), foi um cara muito legal. Era radialista da Rádio Gazeta, gostou do meu jeito de trabalhar e me convidou para ser office-boy. Logo publicaram um desenho meu na revista: O Vingador. No entanto, a editora começou a pifar e passou a republicar velhas histórias. Ficou sem dinheiro e começou a paralisar. Os desenhistas foram saindo. Os que lá ficaram como o Mario Rafael de Cândia, o Gedeone e o Minami, tiveram a ideia de montar uma agência de HQ, como se diz nos EUA: um syndicate, na Rua Tamandaré. E fomos: eu, Antônio Duarte, Rafael, Minami, Gedeone, Paulo Fukue, Fernando Almeida, Fabiano Dias. A editora continuou com as suas revistas antigas de terror: Seleções de Terror, Histórias Macabras, Targo, O Vingador, Capitão Sete. Os editores tinham aquela mentalidade que, se um personagem americano funcionasse era sinal que os leitores também gostariam, então inventavam um personagem parecido. A ideia de imitação sempre partiu do editor.

Franco – Vocês tentaram formar um syndicate, uma agência de HQ. Como foi isso?

Sátiro – Cada desenhista procurou criar um personagem e produzir uma série de tiras para vender aos jornais. Mas não funcionou, pois nenhum jornal aceitou.  Porque todo mundo achava que as tiras americanas eram baratíssimas, os personagens eram super conhecidos e os nossos eram novos. Inclusive, foram tentativas muito adoidadas, uns criaram histórias de cangaceiros, outros, histórias de sertão, enfim, temas tipicamente brasileiros, mas os jornais não achavam que iria funcionar de maneira alguma, e nós demos, naturalmente, com os burros n’água.

Acima, Victor Forde participa do syndicate montado por Minami Keizi. Diário Popular, 1965.

Ataíde — Você acha que a técnica de exploração do desenhista nacional evoluiu ou continua como antes?

Sátiro — No meu caso, como ultimamente tenho publicado pouca coisa, eu acho que mudou pouco. Agora ela é legalizada porque tem aquela folha que a gente assina e vende os direitos autorais ou não.

Ataíde — Na qual o único direito do desenhista é não ter direito. (risada geral)

Sátiro — Porque na época não existia esse papel. Naquela época se vendia os originais para a editora e ela dava só um recibo. Tinha vez que nem isso. A editora dava um recibo verbal e só. Quando a gente tinha amizade com o editor ele nem dava recibo.   

Franco – Nesse caso, as novas reedições de seus desenhos são suas de direito. Você não assinou papel para ninguém cedendo direitos autorais?

Sátiro — Não, de maneira alguma. Nem eu nem a maioria dos desenhistas que trabalhavam naquela época.

Franco — E o Edmundo Rodrigues? Você assinou contrato com ele? 

Sátiro — É. O Edmundo Rodrigues foi o primeiro desenhista para quem eu produzi material e que eu assinei aquela folha cedendo direitos autorais.

Franco — Vamos voltar ao sindicato que deu com “os burros n’água”.

Sátiro — O Gedeone teve a ideia.

Franco — Era o Meio Fio?

Sátiro — Como assim?

Franco — O personagem dele era o Meio Fio!

Sátiro — A série dele era Uk e Uka, que tinha na época um gibi publicado pela Bentivegna, que não saiu o segundo número. Daí ele conheceu o Minami e os dois montaram uma editora, mas só por reembolso. Chamava-se Editora Acaraí. O Minami havia alugado um apartamento na Rua Conde de Sarzedas, na Sé, e me convidou com o Paulo Fukue, Fabiano, Toninho Duarte, Fernando Almeida e outros para colaborar. Ele convenceu o Bentivegna a nos entregar umas revistas para produzir. Tinham as revistas: Garotas e Piadas e a Carcará, com quase 90% de material estrangeiro. Daí o Minami começou a produzir essas revistas com a nossa equipe e mais a Humor Negro e a Mil Piadas. A Carcará parou, só saiu um número que, inclusive, tem material meu.

Franco — Como Victor Forde?

Sátiro — Exato! Foi naquela época que comecei a assinar Victor Forde. 

Franco — Por que Victor Forde?

Sátiro — O problema era que a equipe tinha muitas revistas para produzir e o Minami teve a ideia. Achou que tinha pouca gente fazendo as muitas revistas e se assinássemos com mais nomes pareceria que era uma equipe grande; era um expediente muito comum usado na época e até hoje.


Revista Gozação nº 02, editora Jotaesse, 1967.

Franco — É. Até o Will Eisner fez isso.

Ataíde — Você não acha que isso prejudica o desenhista? Porque aí o cara faz um monte de trabalhos e não se destaca?

Sátiro — Eu mesmo fui prejudicado terrivelmente porque desde a época que comecei jamais parei de desenhar. Mas, como depois deixei de assinar Victor Forde, tem gente que não me conhece e pensa que o Sátiro começou agora. 

Giovanni — Você mudava de estilo quando mudava de nome?

Sátiro — Não. Sempre fazia do meu jeito mesmo.

Franco — Você não assinava Luís Sátiro?

Sátiro — Sim. Apenas uma vez ou outra.

Franco — Em desenhos de humor, em cartuns?

Sátiro — Em desenhos de humor. 

Franco — Sua primeira tentativa de publicar humor foi na Ossão, do Clive Pop?

Sátiro — Não. Nunca colaborei com a Ossão. Foi na revista O Loco. Fiz uma página gozando a Escola Panamericana de Arte, mas antes eu já havia feito sátiras para a Humor Negro, a Barra Limpa e a Gozação. Na O Loco eu assinava Victor Forde. O Loco é antes da Ossão. As duas foram produzidas pelo Clive Pop.

Forde em O Loco nº 04, 1968, editora Taika. Sátira ao famoso anúncio da Escola Panamericana de Artes que originalmente foi desenhado por Hugo Pratt.

Franco — E na Edrel?

Sátiro — Na Edrel eu comecei com o Paulo Fukue. Ele fazia o Super Heros e o Pabeyma*. Mas ele foi trabalhar dentro da editora Edrel, então fui obrigado a parar de trabalhar com ele, pois trabalhava na casa dele. O Toninho Duarte trabalhava na recém-formada Editora Saber que era dos Fittipaldi e me convidou para ir junto. Começamos fazendo Piadas Populares e outras revistas. Mas fiquei pouco tempo porque o editor, além de pagar pouco, não o fazia pontualmente. Logo que saí de lá o Toninho me chamou para produzir material para a Editora Taika, que tinha criado a revista Piadas Inocentes. O Edmundo havia começado a fazer a revista, mas como ele se desentendeu com os editores, a revista ficou ao meu encargo e foi até o número 5 ou 6. 

* Criado pelo roteirista Nelson Ciabattari Y Cunha, Pabeyma é o resultado de uma experiência feita por alienígenas que chegaram  à Terra durante a pré-história. Pabeyma foi criado por tupis-guaranis e se tornou uma espécie de herói e diplomata. 

Franco — Como era a revista?

Sátiro — Era do tamanho da O Pato Donald. Em cada página tinha cartuns ou fotografias de garotas. Eles me pagavam Cr$ 2,50 por página e o preço da revista era de Cr$ 3,00. Era dessas revistinhas comuns de piadinhas sem classe, mal impressas e com 32 páginas em preto e branco. Os editores, pelo que notei, tinham a opinião geral de que o leitor era um idiota que comprava qualquer abacaxi lançado. Era só fazer uma capa bonita que o leitor engolia, por isso não ligavam para melhorar as revistas.

Ataíde — Você acha que esse foi um dos fatores que acabaram com a época áurea de Terror? Havia muita revista de terror nacional e eu acho que não pagavam nada para os desenhistas e roteiristas. 

Sátiro — Naturalmente. A fase boa do terror acabou porque as editoras não pagavam bem e os desenhistas deixaram de produzir. Então passaram a republicar histórias que já tinham saído três ou quatro vezes. Fatalmente as revistas pararam de vender.

Franco — O pessoal do ‘terror’ tinha uma equipe?

Sátiro — É, porque, naturalmente, para um desenhista trabalhar sozinho, naquela época, era muito arriscado. Além de trabalhoso e mal pago, não dava para viver disso. Então, por exemplo, juntar dois desenhistas que dependiam daquele serviço nos facilitava mais. Um fazia o lápis, o outro a tinta. Se um conseguisse trabalho numa editora, ambos estariam empregados. Foi naquela época (meados dos anos 1960), que Nico Rosso montou sua equipe, com seus alunos da Escola Panamericana.  

Franco — Bom, vamos voltar àquela parte da Edrel. Onde você estava quando parou de desenhar O Tarun junto com o Paulo Fukue? 

Sátiro — Quando o Minami convidou o Paulo para ser diretor na editora. Eu fui para a Fittipaldi e de lá fui para a Taika, onde encontrei o Edmundo, através do Toninho Duarte que me levou para a Taika. O Edmundo gostou muito do material que eu tinha feito pro Fukue que o publicou no primeiro número da revista Estórias Adultas (Gibi Moderno). Eu tinha brigado com o Minami. A gente estava com a amizade abalada. Eu não queria mais contato com ele. Ele tinha gostado muito de uma história minha e queria publicar. Era uma história longa e precisavam para o Gibi Moderno. Na época ninguém tinha material longo de terror. O meu tinha 28 páginas e 217 quadrinhos, esboçadas. Era de um filme que tinha feito um estrondoso sucesso: A Epidemia dos Zombies. O Paulo Fukue conseguiu vender a história para a editora, mas meu nome não apareceu devido à briga. 

Sátiro —Mas daí, o Edmundo gostou muito da história e me convidou para fazer a revista com ele a Terror Magazine que era de cinema e histórias em quadrinhos.

Franco — Qual editora foi?

Sátiro — Edições do Livreiro, porque o Edmundo também tinha se desentendido com a Taika e foi fazer a revista com essa editora. Ele fez uma grande série de revistas de terror e piadas lá.

Ataíde — Onde o Edmundo descobriu aquele estilo que usa até hoje?

Sátiro — Não sei. Deve ser caso de insistência, porque ele é desenhista há bastante tempo. Ele é cria da Rio Gráfica. É aquela coisa: o cara fica muito tempo numa editora, passa por muitos estilos e depois acaba escolhendo o que mais lhe convém: o mais cômodo, mais fácil e rendoso.

Franco — Eu me lembro dos trabalhos do Edmundo na Gráfica e Editora do Penteado, a GEP. Você trabalhou com ele naquela época?

Sátiro —  Não. Não produzi nada com ele quando ele fazia aquelas histórias de caipira, e de assombração. Foi só na época do Terror Magazine. Eu fazia as telenovelas do filme Vampiro da noite, Frankenstein, criou a mulher, e escrevia as reportagens de terror das revistas e também produzia algum material de piadas para revistas que eu nem lembro o nome. 

Franco — Você assinava Sátiro?

Sátiro — Não. Sempre Victor Forde.

Franco — E as reportagens de terror?

Sátiro —  Aí sim. Nas reportagens eu assinava Sátiro.

Franco — O desenhista de humor é o Victor Forde?

Sátiro — Exato! O Mister Hyde é o Victor Forde! 

Ataíde — O seu lado mau! (risada geral)

Arte pintada de Luís Sátiro.

Sátiro — Mas o Edmundo é um super-produtor. Quando começa a trabalhar com uma editora ele vai com mil ideias mirabolantes. Sempre tem muito material armazenado. Então passou a produzir umas 20 revistas diferentes para a editora. Mas naquela época saiu uma lei sobre as revistas de terror, a lei de 73, parte do AI-5, e acabaram as revistas. Revistas de sexo e terror tinham que ser vendidas em saco plástico lacrado e só o título deveria aparecer, pois o resto do saco plástico era pintado de preto. Daí, por exemplo, a Edições do Livreiro achou que não funcionaria esse sistema porque as revistas mesmo sem o saco plástico já estavam numa situação crítica. Daí muita gente parou com esse tipo de revista e a Edições do Livreiro também parou com suas revistas. O Zelão (José Sidekerskis), da Editora Regiart, que tinha a Mirza a Mulher Vampiro, e O Vampiro, continuou com o saco de plástico porque dependia quase que só delas, mas as outras editoras pararam. 

Ataíde — Era o tempo do Médici. A coisa estava brava. A censura corria solta.

Sátiro — Exato! E muitos jornalistas foram caçados. Então, quando as revistas começaram a parar, o Wilson Fernandes, que morara em Araraquara e tínhamos amizade há bastante tempo, estava produzindo para a Bentivegna e a Taika e também fazia a Drácula. Ele me convidou para trabalhar na equipe dele em Araraquara e ajudar a fazer o Ur e umas histórias de terror, inclusive uma do Drácula que eu fiz toda: O Escravo de Drácula, e Canyon, um faroeste da Bentivegna (Roval).

Revista Barra Limpa nº 01, editora Jotaesse. Uma sátira à Jovem Guarda.

Franco — Nestas histórias você fazia o quê?

Sátiro — Eu fazia o lápis e o geral. Revezávamos, eu, o Wilson Fernandes, o Roberto Barbist e o Del.

Ataíde — Você assinava com que nome?

Sátiro — Assinava Victor Forde. Lá, no caso, o Wilson foi honesto; no cast dos desenhistas apareciam todos, o nome do escritor, letrista, o cara que passou tinta, tudo.

Franco — Por que “nesse caso” o Wilson foi honesto? Porque “nesse caso” a maioria não era honesta?

Sátiro — Não, porque, naquela época, quando se tratava de uma equipe muito grande, só aparecia quem fez o lápis e a tinta. Não apareciam os outros auxiliares.

Ataíde — Era só do cara que conhecia o editor, aquele que vendia a história?

Sátiro — É isso aí. Vamos continuar sobre o Wilson. Nós começamos a mudar o gênero. A revistinha de piadas pôde continuar porque o governo exigiu uma coisa: ia acabar o saquinho de plástico, mas todas as revistas tinham que ser registradas em Brasília no Departamento de Censura; e quando as revistas foram registradas tudo voltou a ser como antes. Todas as editoras puderam continuar. Com o Wilson comecei a produzir material de humor para a revista Xuxu da Bentivegna (da editora Roval de Salvador Bentivegna).

Revista Xuxu, edição especial nº 06, 1970.

Franco —  Como Victor Forde?

Sátiro — Sim, Victor Forde. Depois o Bentivegna parou de fazer revistas em quadrinhos e de humor. Mudou o estilo da editora. O Wilson foi para uma agência de publicidade e eu fui trabalhar com o Edmundo aqui em São Paulo. Começamos a produzir livros para a Editora Ática, livros didáticos.

Franco — Eram quadrinhos nos livros didáticos?

Sátiro — Eram quadrinhos e ilustração.

Franco — Chegou a assinar alguns desses trabalhos?

Sátiro — Não. Não assinei nenhum.

Franco — Em que ano foi?

Sátiro — Em 1972.

Franco — Foi antes da lei de Brasília em 1973, né?  

Sátiro —Foi antes.

Franco — Fala aí pra gente sobre o material que saiu na Bloch.

Sátiro — Esse material que saiu na Bloch foi republicação. Foi produzido aqui em São Paulo e publicado aqui. Eu vendi para o Edmundo e ele colocou na Bloch. Foi trabalho anônimo. Feito em equipe.

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Ao blog, Franco de Rosa complementou; "Eu conversei com o Fukue sobre a HQ Epidemia de Zombies, que não tem o nome do Sátiro. O Fukue disse que o Sátiro estava brigado com o Minami e não saiu o nome dele. Mas que ele também não desenhou. Disse que o Sátiro havia conseguido centenas de fotos do filme, por ter muito acesso às distribuidoras de filmes. E o Sátiro decalcou as fotos. Mas que ele, Paulo, irmãos e também o Sátiro ajudaram na finalização. 

Na época dessa entrevista, lembro agora, o Sátiro carregava sempre os originais de uma HQ de terror, desenhada a lápis. Muito bem desenhada. E ele perdeu os originais e a HQ nunca foi publicada.

Ele morava em Santo Amaro e dizia que tinha um estúdio minúsculo ao lado do galinheiro, onde morava.

Eu publiquei duas HQs eróticas do Sátiro, na Sampa, na série da Big Bun. Os desenhos a lápis dele eram bons e bem precisos. Com anatomias bem feitas. Tinha influência dos desenhos de Wilson Fernandes. Na verdade, de John Prentice. As artes finais foram feitas por desenhistas que faziam frilas pra gente no Big Bun.

Mas a questão da epidemia de Zombies é polêmica".


Agradecimentos ao amigo Franco de Rosa.