terça-feira, 27 de março de 2018

Jornal Paulista - 1966


O Jornal Paulista foi uma publicação direcionada à colônia japonesa. Tinha como diretor-responsável Luiz Yassumi Tanigaki. Sua redação ficava na rua Conde de Sarzedas, na baixada do Glicério, bairro vizinho ao da Liberdade, principal concentração da comunidade oriental em São Paulo. Por acaso era no primeiro andar do mesmo prédio onde Minami Keizi, junto com Gedeone Malagola, montou seu primeiro apartamento/estúdio/editora/distribuidora, a Acaraí, daí a relativa facilidade que Minami encontrou para veicular suas tiras nesse jornal.

Gonçalo Júnior em seu livro Maria Erótica e o clamor do sexo (editora Peixe Grande - 2010) faz uma boa descrição desse período: 

"(Minami Keizi) conseguiu espaço nas publicações da Pan-Juvenil (Garotas & Piadas) e da Taíka (ex-Outubro), e na revista Nikey, que circulava na comunidade japonesa. Depois, expandiu para os títulos de piadas da Jotaesse. 

Minami trabalhava até 16 horas por dia. Varava as madrugadas, inclusive nos sábados, domingos e feriados. Não encontrava tempo nem mesmo para ver o ir­mão e família. Tanto que, num domingo, Akio apareceu para saber se estava tudo bem com ele. Achou-o pálido, com olheiras e um pouco magro. Não por acaso, alimentava-se mal, à base de sanduíches e pão com manteiga. Mas saiu satisfeito ao perceber que Minami estava feliz e entusiasmado com o pequeno negócio. Suas tarefas incluíam embalar livros e despachá-Ios pelo correio todos os dias. Mesmo na correria, com os desenhos para publicidade, seu traço melhorou bastante. O suficiente para convencer o editor de arte Luis Sanches, do jornal Diário Popular, a publicar pela primeira vez suas tiras, quase dois anos depois de desembarcar em São Paulo. 


Era o super-herói Tupãzinho que finalmente estreava, agora sem a influência do mangá e ainda muito semelhante a Brasinha. As histórias se passavam num uni­verso todo idealizado pelo artista, a Floresta Mágica, onde se misturavam figuras do folclore nacional a lendas universais, sem qualquer referência ao Japão. Seus superpodores vieram de um soro atômico - até então ele era um menino pobre, órfão de pai e mãe, que vivia entre bichos. Aconteceu, então, que o Dr. Kubo fugiu de Dado, um dos planetas do sistema geométrico, e veio para a Terra. Com ele, trouxe o soro. Seus coadjuvantes eram o indiozinho Curutei, lara (sereia), Robotim e Robozão, Angélico, Márcio, Daniela, Aninha, Lobo Mau, Sacizão e Sacizinho e a Bruxa. No final, claro, o bem sempre vencia o mal. 

A aceitação do personagem pelos leitores infantis do jornal - medida pelas cartas que o jornal recebia todos os meses e eram repassadas para ele - fez Minami acreditar que podia montar uma distribuidora de tiras brasileiras, inspirado em Maurício de Sousa. Este revelou ao desenhista que mandava a tira para determi­nados jornais e pegava como parte do pagamento o clichê - matriz feita em me­tal e usada na impressão - para distribuir a publicações do interior de São Paulo. Também comprou de Sanches todos os clichês de quadrinhos de diversos autores com quem fez um acordo verbal, pois pretendia alugar as chapas para jornais de bairro da capital. 

Nesse momento, os irmãos Savério e Bartolo Fittipaldi começavam a editar revistas em São Paulo - durante muitos anos, tinham sido apenas livreiros. 
Por encomenda deles, Minami criou suas duas primeiras revistas: Piadas Populares e Capitão Cometa, ambas a partir dos clichês de Sanches. Capitão Cometa era uma tira diária de um curioso super-herói desenhada por Fernando de Almeida. Saiu apenas um número da revista, em formato reduzido, quase de bolso, que trazia na capa e dentro a marca Minami Keizi Produções (no expediente da página 3). 

Minami produziu, em seguida, um suplemento infantil de passatempos e quadrinhos com os mesmos artistas que passou a representar e o ofereceu a vários jornais paulistanos e do interior. Chegou a atender a quase uma dúzia de diários de pequenas localidade. A experiência durou algum tempo, no decorrer de todo o ano de 1966. "Aquilo virou uma bagunça, ninguém cumpria prazo para me entregar o material e, no final, era eu quem fazia tudo". Até que ele se cansou e suspendeu a empreitada. Ao mesmo tempo, fazia muitas outras atividades - além do seu reem­bolso postal. No ramo de revistas, começou a produzir piadas diretamente no papel vegetal para Editora Jotaesse - assim, convenceu o editor José Siderkerskis de que economizaria no fotolito. Também publicou tiras dos artistas que representava no Jornal Paulista

Ainda no primeiro semestre de 1966, para dar conta da Piadas Populares e ter tempo para distribuir as tiras e atender os compradores de seu reembolso postal, Minami montou uma pequena equipe de colaboradores. O primeiro a chegar foi Fabiano Dias, cinco anos mais velho que ele e que trabalhava no departamento de arte dos chocolates Dizioli, no Brás. Até que um dia resolveu sair para fazer o que mais gostava: desenhar cartuns e quadrinhos. Não pensou muito ao trocar o certo pelo duvidoso - e ainda ganhar bem menos. Estava infeliz, desmotivado. De origem humilde, Fabiano morava com os pais na Vila Maria. Ainda estudava na Escola Pan-americana de Arte quando soube dos encontros de artistas no barzinho da Liberdade e passou a frequentá-lo. Lá, ficou amigo de Minami. 

O Tupãzinho de Crispim na revista Verde Amarelo Meu Brasil, Edrel - 1972.

Outro que se tornou seu colaborador foi Fernando de Almeida, criador do Capitão Cometa. Ele aparecia no apartamento-estúdio-depósito de Minami após o expediente na agência multinacional de propaganda J. W. Thompson. Pegava as histórias a lápis de Tupãzinho que o autor ainda encontrava tempo para fazer e le­vava para casa. Fazia a arte final por pura paixão. Os dois tinham sido apresentados a Minami por Gedeone. 

Outro ajudante de primeira hora foi José Carlos Crispim, que assinava apenas Crispim, que estreou sem qualquer experiência profissional. A indicação veio de Salvador Cascino, dono de uma escola de desenho e amigo de Salvador Bentivegna. Crispim era quase menino, com apenas 16 anos, e só estudava. Um dos primeiros trabalhos de Fabiano e Crispim foi colorir os slides das duas tiras de Tupãzinho para um anúncio* da Colorlab, conhecido laboratório fotográfico".

*Na verdade não era um anúncio, a Colorlab vendia jogos de slides que, quando apresentados em sequencia, formavam uma história completa. Um desses jogos trouxe aventuras de Tupãzinho.

Tupãzinho nos slides da Colorlab.



Ilustrações de Crispim.

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