sexta-feira, 29 de maio de 2020

Miriato, o gostosão - A Cigarra - 1952


Em 1952 o cartunista Péricles (Péricles de Andrade Maranhão) passa a produzir para a revista A Cigarra (da Empresa Gráfica O Cruzeiro S.A.) a série Miriato, o gostosão. Diferentemente de suas outras criações, como O Amigo da Onça, cujo principal objetivo era prejudicar o alheio e Oliveira, que por ser naturalmente atrapalhado sempre acaba se prejudicando, Miriato tenta invariavelmente se dar bem, mas por imperícia ou falta de sorte acaba se dando mal.

Outra característica de Miriato é que ao invés de painel único como comumente era usado por Péricles em O Amigo da Onça, Miriato é apresentado em quadrinhos.

Miriato seguiu firme em A Cigarra até 1954, quando foi substituído por outros trabalhos de Péricles.

 

terça-feira, 26 de maio de 2020

Histórias da Vida Real - O Globo - 1950


Recém chegado ao Brasil, em seu primeiro trabalho para o jornal O Globo do Rio de Janeiro, o desenhista francês Guy Lebrum passou a produzir, em maio de 1950, a série Histórias da Vida Real.


Primeiramente enfocando fatos policiais do cotidiano carioca, em certos momentos a tira trazia relatos antibélicos permeando a história mundial, denúncias contra a indústria de fogos de artifício e até o relato da morte do famigerado bandido siciliano Salvatore Giuliano, o Bandido Giuliano, que por todo o ano de 1950 ocupou boa parte das manchetes dos jornais. 

Por serem relatos verídicos percebe-se que Guy, ao desenhar, baseava-se constantemente em referências fotográficas, como na ilustração abaixo.

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Acima, Guy, em 1950, já treina seu traço humorístico.

Em 1956, Guy e Angélica Lebrum fundaram os Studios Guy, produzindo mais de 600 desenhos animados entre comerciais publicitários e curtas-metragens educativos.

Abaixo, cena do storyboard de uma animação da Turma da Bola.


Para saber mais sobre Lebrum e a Turma da Bola, clique aqui.

 

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Joselito - revista Coletânea - 1955

A matéria a seguir foi publicada na revista Coletânea, da Editora Vida Doméstica, nº 49 de outubro de 1955. Aborda o desenhista Joselito já no auge de sua carreira, quando prestava serviço a várias revistas brasileiras. Leiam!

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ERA UMA VEZ UM MENINO QUE DESENHAVA...

Luís Celso Machado

A professora desenhou no quadro negro uma dália e disse para os meninos:

— Vamos ver qual de vocês desenha melhor esta flor...

— Eu também sei.

Esta afirmativa partira de um guri de sete anos que não era ainda aluno da escola e que ali e que ali estava em companhia da mãe, precisamente para se matricular.

— Sabes, mesmo? perguntou a professora, admirada.

— Sei, sim senhora.

— Pois então vai desenhar a flor! e a professora, satisfeita com desembaraço do garoto, arranjou-lhe mesa, papel, lápis e borracha.

Se a professora estava admirada, ficou simplesmente estupefata quando viu o desenho acabado. A flor desenhada pelo menino era, de longe, muito mais perfeita que aquela feita a giz no quadro negro.

Não era primeiro desenho, mas foi o primeiro elogio que Joselito recebeu na sua vida de artista do lápis e do pincel.

Joselito de Oliveira Matos é hoje um desenhista consagrado. É apenas e somente o Joselito, aquele que, num simples traço, põe um boneco a rir ou a chorar, que dá às suas figuras a impressionante ilusão de se mexerem, de voarem, de saltarem do papel, tal a magia desses riscos negros ou coloridos, saídos mais da alma do que da pena ou pincel do artista.

Nesse tempo de garotinho, na longínqua Alagoinhas, do estado da Bahia, Joselito desenhou a dália e aprendeu depois a ler, escrever e contar. Terminou mesmo o seu curso primário, mas, filho de mãe pobre, pobrezinho como só ele, qual seria o futuro de Joselito? A rua, a bola, um empregozinho local e nada mais.

Na sua ingenuidade de criança, aos doze anos de idade e no quarto ano primário, certa vez correu a dizer à mãe:

— Mamãe, já tenho um bom emprego! E mostrava, contente, um talão do jogo do bicho.

A mãe explicou-lhe o que tinha de mau o vício do jogo, que aquilo não era emprego mas coisa muito feia, e o menino ficou novamente “desempregado”.

Mas existem "estrelas brancas" que brilham sobre a cabeça dos meninos, pequeninos ou grandes, e Joselito sentiu os seus influxos benfazejos na pessoa do Prof. Camargo, a quem não tinha passado despercebida a viveza do rapazinho.

Arranjou-lhe matrícula gratuita na Escola Normal de Alagoinhas, e Joselito de lá saiu professor, aos dezoito anos feitos. Não foi ensinar porque não tinha a quem. Empregou-se com o ordenado de cem mil réis mensais, mas o patrão começou a reparar que Joselito, estivesse onde estivesse, rabiscava papéis. Espiou, espiou, e um belo dia fez o flagrante. Os rabiscos eram desenhos!

Como o homem queria um empregado de balcão e não um desenhista, pos o rapaz na rua.

E agora? Bem dizia o padrinho de Joselito: “Este maluco vive a desenhar, como se alguém pudesse ganhar a vida com lápis e papel!”

Em Alagoinhas, talvez o padrinho tivesse razão, e Joselito, meteu na mala velha a pouca roupa que possuía, rumou para a capital do estado. Chegou a Salvador com 19 anos. Muita esperança, muita persistência, mas nenhum emprego.

Mas a Joselito, aquela estrela a que nos referimos nunca falhou. Ele próprio não esconde que em toda a sua vida a sente sempre, iluminando-lhe os íngremes caminhos da existência. Não conhece recuos em sua carreira. As coisas mais inacreditáveis, os acasos mais incríveis, ajudam-no sempre a galgar o degrau seguinte da escada do triunfo.

Em Salvador, Joselitto conheceu o Sr. Lauro Farâni de Freitas, diretor geral da Viação Leste Brasileiro. Fez-lhe o retrato de cor e surpreendeu-o quando lho ofereceu. Estava uma obra impressionante.

Como resultado prático Joselito conseguiu na Estrada um lugar como desenhista técnico. Emprego modesto que simplesmente chegava para manter-lhe os sonhos e esperanças em coisa melhor.

Vivia em pensão na cidade alta; o emprego era na cidade baixa. A pensão era tão modesta, que a chuva gotejava no quarto e Joselito passava a noite puxando a cama de cá para lá, de lá para cá... Mesmo assim — com cama e comida a preço baixo — pagando a hospedaria e retirando os cinquuenta cruzeiros que mandava à mãe, sobrava apenas dinheiro para subir no elevador Lacerda; a descida, manhã cedinho, tinha de ser mesmo a pé.

Essa vida apertada não duraria muito tempo. Juntamente com os desenhos técnicos, Joselito ia ilustrando os artigos do conhecido escritor Zoroastro Figueiredo, colaborador da revista Vida Doméstica, na Capital Federal. O escritor e amigo, impressionado com a habilidade incomum do jovem desenhista, trouxe, numa visita ao Rio de Janeiro, vários desenhos de Joselito que muito agradaram a Antônio Haddad, diretor daquela revista, que prometeu não esquecer do artista baiano, pedindo, ao mesmo tempo informações sôbre os seus conhecimentos em trabalhos a guache.

Joselito recebeu o recado e ficou embaraçado. Que era o tal de guache? Informando-se, teve de responder que ia tentar fazer...

Mesmo com esta resposta vaga, Antônio Haddad resolveu experimentar o jovem desenhista, prontificando-se a ajudá-lo nas despesas de viagem de vinda e de volta, caso os ares cariocas não lhe fossem
propícios.

Não foi preciso, contudo, o espontâneo oferecimento. Joselito é dos raros artistas que, simultâneamente, é homem poupado. Tendo visto, de perto, a carantonha da pobreza, não a quer ver outra vez. Em Salvador, mesmo com as descidas forçadas pela Ladeira da Montanha — ou por isso mesmo — economizou o suficiente para viajar à sua custa.

Chegou ao Rio em abril de 46. No cais do porto esperava-o o diretor de Vida Doméstica, que, subindo a bordo, pôs-se a perguntar a todo o mundo por Joselito. Encontrou-o, finalmente. Meio acanhado, com um rosto redondo e corado de criança crescida, Joselito viu-se acarinhado, alojado e com um emprego permanente em Vida Doméstica. Encontrara ums sincero e duradouro amigo. A estrela brilhara mais uma vez.

Ficou ilustrando uma seção infantil no grande magazine, e foi nela que esteve quase aparecendo, pela primeira vez, o famoso Pituca, o macaquinho endiabrado, hoje enlevo de dezenas de milhares de crianças.

Quando a Sociedade Gráfica Vida Doméstica, em 1949, resolveu lançar a revista Vida Infantil, Joselito rejubilou-se. Era aquilo mesmo com que sempre sonhara; e nessa belíssima revista é, ainda hoje, o principal elemento.

Joselito, a seguir ao Pituca, lançou na Vida Infantil a famosa dupla Lourolino e Remendado. E sua fértil imaginação criou ainda para outras revistas os engraçados Budika, Zulu, Salomão, Xixico, Kanduca, Junga e Birunga.

Desenha e escreve o texto dessas histórias em quadrinhos, das mais perfeitas e sadias do gênero. Desenha de forma vertiginosa, quase não utilizando a borracha. A mão firme, em traços rápidos, dá a todos os animais ou aves que desenha uma expressão de vida e um halo de poesia.

Pascoal Carlos Magno escreveu certa vez, que Joselito, se não fosse desenhista, seria poeta. Parece-nos que Joselito é desenhista e poeta ao mesmo tempo, porque é da sua alma sensível de poeta que vem o encanto e a ternura de seus desenhos, verdadeiras lições de arte, como afirmou Brício de Abreu.

Não ficou, todavia, confinado à Vida Doméstica o artista baiano, irmão, pelo espírito, de seu conterrâneo Dorival Caími — artistas que são artistas porque nasceram artistas, com a ajuda de Deus e sem lições dos homens.

A estrela, brilhando sempre no alto dos céus, já tinha resolvido levar Joselito a outras atividades artísticas.

Vejamos como essa espécie de fada preparou as coisas.

Joselito vai à atriz Alma Flora um artigo de Zoroastro Figueiredo, por ele ilustrado.  Encontra no camarim da artista o fotógrafa Halfed, que procurava, precisamente, um desenhista para o Teatro Recreio. No Teatro Recreio, Joselito encontra Mara Rúbia que o leva a César Ladeira, empenhado nesse tempo em “Café Concerto”, com Renata Fronzi, e que precisava de um decorador original. E assim, com matemática precisão, Joselito começa a desenhar cenários, a criar figurinos, a fazer decorações, lançando-se num meio de múltiplas possibilidades para  seu talento.


Houve, contudo, uma dificuldade: Joselito, nos primeiros tempos, não se avistava tom Valter Pinto. Entregava os seus trabalhos e retirava-se. Sentia um medo horrível do empresário. Não queria vê-lo. Para ele, Valter Pinto, o animador daqueles formidáveis espetáculos cênicos, tinha de ser um homem fantasmagórico, com qualquer coisa de mágico mefistofélico.

Quando se encontraram, por fim, o grande animador de figuras vivas e o grande animador de figuras desenhadas, fizeram-se logo amigos indispensáveis. Toda aquela sinfonia de cores e figurinos revolucionários que passam como risonho turbilhão em Eu quero é me Badalar” são de autoria de Joselito. Até os exóticos trajos confeccionados em Paris nasceram da sua inspiração. Joselito é hoje o figurinista exclusivo de Valter Pinto. O super empresário não quer outro.

E do antigo garotinho que desenhou a dália perante os olhos espantados da professora primária na longínqua Alagoinhas foram também, nalgumas temporadas, as decorações de Casablanca, do Teatro Jardel, do Teatro Follies, de Monte Carlo, dos cenários das produções de Carlos Machado, de dezenas de residências particulares, estúdios e consultórios infantis, além das dezenas de desenhos, duas vêzes por mês, da sempre amada Vida Infantil, de tantos outros na revista Sesinho, das capas dos longplaying Musidisc, de livros de grandes autores infantis como Vicente Guimarães e Jocélia Buricá, ou ainda inúmeros outros para a John Jaffet Propaganda.

Sempre modesto, sem qualquer espécie de vaidade, ingênuo e simples como os seus bonecos, bom amigo e bom camarada, Joselito vive feliz a sua vida de artista. É um criador de fantasias, o mais belo dos reinos. É um desses homens que embelezam a vida, com seus quadros bucólicos, suas figurinhas gentis, seus bichos, borboletas e flores.


Se a vida lhe tem sorrido, ele tem sorrido para a vida. Nunca vimos Joselito triste. E por que havia de ser triste Joselito? Sente o inesgotável da sua imaginação, a firmeza de suas mãos, o frescor de seu espírito; sente o carinho de sua mãe, que vem, seis meses por ano, de Alagoinhas, passar com ele no Rio; sente o aconchego da sua casa, bem merecidamente sua; sente amizades e admirações sem conta à sua volta.

Alma jubilosa de criança grande, Joselito faz da sua alegria um hino de louvor a Deus e aos homens.

Que seja sempre assim, Joselito, o grande artista baiano, o grande artista brasileiro.

Para ler uma entrevista com Joselito clique aqui.


Agradecimentos ao amigo Ranieri Andrade.

terça-feira, 19 de maio de 2020

O Guarani - O Jornal - 1933


Em novembro de 1933, em seu Suplemento Infantil, o periódico carioca O Jornal passou a publicar o romance O Guarani, de José de Alencar, aos domingos em capítulos semanais.

Com desenhos de Francisco Acquarone, ou Acqua, como assinava, desenvolveu a história até abril de 1934, quando a mesma passou para as mãos do então iniciante Alceu Penna.
O Guarani de Alceu Pena.

Acquarane, em 1937, lançou pelas edições do Correio Universal, um álbum com a história de O Guarani completa, mas com os desenhos refeitos. Comparando as duas versões podemos notar que a primeira, publicada pelo O Jornal, tinha os desenhos bem estilizados e bem mais interessantes do que a versão mais realista do álbum do Correio Universal.


Acima, a versão do Correio Universal.
No caso da continuação realizada por Alceu Penna, o artista, apesar de em início de carreira, conseguiu um efeito moderno e sintonizado com o grafismo da época.

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Sobre os autores: 


Francisco Acquarone (Rio de Janeiro RJ 1898 - idem 1954). Historiador, pintor, desenhista, caricaturista, ilustrador, professor, crítico, escritor, jornalista. Cursa a Escola Nacional de Belas Artes - Enba, onde é aluno dos pintores Baptista da Costa, Modesto Brocos, Rodolfo Chambelland e Rodolfo Amoedo. Dedica-se à pintura, desenho, caricatura e ilustração. Trabalha como jornalista e ilustrador do periódico Dom Quixote, a partir de 1918. Posteriormente, colabora com retratos e ilustrações a bico-de-pena e crayon para periódicos como O Jornal, A Noite e Dom Casmurro, revista de cultura voltada para a divulgação das artes plásticas. Participa dos Salões de Belas Artes, entre 1926 e 1941, com paisagens, retratos, pinturas históricas e de gênero. Torna-se conhecido principalmente por sua atuação como historiador da arte e publica títulos como Mestres da Pintura no Brasil, s.d., em parceria com Queirós Vieira; História da Arte no Brasil, em 1939; Obras-Primas de Rodolfo Amoedo, Mestre da Pintura Brasileira, em 1941; e Primores da Pintura no Brasil (1942), entre outros.

Alceu de Paula Penna (Curvelo, Minas Gerais, 1915 - Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1980). Desenhista, ilustrador, figurinista. Muda-se para o Rio de Janeiro em 1932 e publica seus primeiros trabalhos no Suplemento Infantil de O Jornal. Nesse ano, matricula-se no curso de arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes - Enba e, durante os cinco anos que estuda nessa instituição, freqüenta como ouvinte diversos cursos ligados às artes plásticas. Em 1933, passa a ilustrar a revista O Cruzeiro. Em 1937, realiza tradução de histórias em quadrinhos norte-americanas, além de adaptar diversos clássicos literários para essa linguagem. Esses trabalhos são publicados no tablóide O Globo Juvenil, lançado em 1937. No ano seguinte, começa a escrever e ilustrar, na revista O Cruzeiro, uma seção intitulada As Garotas, que se mantém ininterruptamente até 1964. Nesse período, As Garotas passa a ser uma referência de moda, estilo e comportamento para o público feminino. Em 1941, depois de algum tempo em Nova York, onde conhece Carmem Miranda (1909 - 1955), passa a dedicar-se à criação de figurinos para os espetáculos apresentados nos cassinos cariocas. De 1946 a 1952, trabalha na execução de uma série de calendários para a empresa Moinho Santista Indústrias Gerais e, paralelamente, na mesma empresa, ilustra a revista Tricô e Crochê e responsabiliza-se por sua publicação. Na década de 1950, desenvolve figurinos e cenários para diversos shows e espetáculos teatrais. Em 1960, por meio de uma parceria estabelecida entre as empresas O Cruzeiro e a multinacional francesa Rhodia, torna-se o responsável pela criação dos figurinos utilizados até 1975 na apresentação das coleções anuais da marca.

Alceu Penna é um dos primeiros a desenvolver a técnica dos quadrinhos no Brasil. Cria para O Globo Juvenil adaptações em quadrinhos dos clássicos da literatura, como O Fantasma de Canterville, Um Yankee na Corte do Rei Arthur, Sonhos de uma Noite de Verão e Alice no País das Maravilhas. Os desenhos são feitos em preto-e-branco e o roteiro é do escritor Nelson Rodrigues (1912 - 1980). Esses trabalhos são publicados entre 1937 e 1939 ao lado de quadrinhos estrangeiros como Mandrake, Fantasma e Brick Bradford. Nos anos 1950, Alceu Penna faz para a revista A Cigarra os quadrinhos Marido da Madame, em que os personagens Gonçalo e Lolita vivem situações do cotidiano de um típico casal de classe média alta da época. O texto é da cronista Helena Ferraz, que usa o pseudônimo "Álvaro Armando", e apresenta uma série de diálogos escritos em rima, que lembram a literatura de cordel.

Seu trabalho de maior expressão é a seção As Garotas, publicado semanalmente na revista O Cruzeiro, do final da década de 1930 até meados da década de 1960. Representando moças jovens, na faixa dos 18 a 25 anos, As Garotas inauguram uma nova forma de representar a feminilidade ao valorizar mais sensualmente o corpo da mulher. Os cabelos estão mais compridos, volumosos e realçados com acessórios; brincos e bijuterias são obrigatórios; a maquiagem marca e aumenta o contraste nos rostos; o quadril afina, os ombros se alargam e as pernas expostas do joelho para baixo não são mais o foco de sedução; os seios passam a ser valorizados, transbordando ou insinuando-se sobre os decotes, ao contrário do colo anteriormente liso; o bronzeado opõe-se à brancura anteriormente valorizada. A delicadeza e suavidade d'As Garotas de Alceu Penna substituem a eletricidade das melindrosas de J. Carlos (1884 - 1950). O desenhista traz para as páginas da imprensa brasileira uma nova modalidade de sensualidade. O desenho é ao estilo das pin-ups norte-americanas, porém As Garotas atraem também o público feminino, jovens adolescentes e pós-adolescentes que passam a copiar os penteados, roupas e os gestos dos tipos criados por Alceu Penna. Por meio d'As Garotas, Penna dita a moda carioca dos anos 1940 e 1950, transportando para O Cruzeiro as novidades publicadas nas revistas estrangeiras. As Garotas passam a figurar também nas folhinhas (calendários) que são distribuídas gratuitamente pelos representantes dos produtos da S. A. Moinho Santista Indústrias Gerais. Nessas folhinhas, diferentemente d'O Cruzeiro, As Garotas surgem mais maduras, mais sensuais e com menos roupa - os desenhos são, por vezes, até censurados pela empresa, que obriga o desenhista a vestir sua criação.

Como estilista, Alceu Penna assina suas primeiras criações para shows e espetáculos teatrais, já na década de 1930. É responsável pelo figurino dos espetáculos do Cassino da Urca, no Rio de Janeiro, além da decoração e das fantasias para bailes de carnaval. Nos Estados Unidos, o desenhista sugere a renovação do figurino da cantora Carmem Miranda (1909 - 1955) e de seus músicos. Para a cantora, desenha saias multicolores, turbantes e sapatos de solas grossas; para os músicos, calça de smoking, camisas listradas e, na cabeça, chapéu panamá. Na década de 1960, Alceu Penna é contratado pela Companhia Rhodia para desenhar os modelos para os grandes desfiles anuais organizados pela empresa. É um dos pioneiros do desenho de moda no Brasil, e viaja periodicamente para a Europa, especialmente para a França, para observar as tendências do setor. Ao voltar, utiliza essas tendências como referência nas suas criações para a indústria de tecelagens e para os figurinos das exposições anuais da Rhodia.

O interessante na biografia de Alceu Penna, que é considerado como grande colorista, é o fato de ele ser daltônico. Isso porém, não é problema para o artista, que utiliza o recurso de marcar por escrito as cores nos tubos de tintas.
 

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Os Bandeirantes - Diário do Povo - 1976

A série Os Bandeirantes foi criada por Moretti e Nicoletti (Ilha Bela, SP, 22 de agosto de 1948 - Cotia, SP, 28 de janeiro de 2022) em 1973 para o Suplemento Quadrinhos da Folha de S. Paulo. Com um desenho de ótima qualidade e histórias longas com roteiros formidáveis, era apresentada semanalmente em aventuras coloridas.

A série foi publicada no Suplemento até 1976, mas no final apresentava apenas histórias curtas ou gags de uma página.

Nesse mesmo ano, Os Bandeirantes ganharam tiras diárias no jornal Diário do Povo de Campinas. Eram histórias longas serializadas, apresentadas em preto e branco, com distribuição do informalmente chamado Clube do Gibi, um grupo artistas que se reuniam na antiga Livraria Gibi em São Paulo e que iniciaram uma pequena agência distribuidora de tiras para jornais do interior. Do grupo participavam vários autores como Moretti e Nicoletti (Os Bandeirantes / Estevão Piro), Franco e Seabra (Capitão Caatinga / Pilotonto), Novaes (As Coisas da Vida), Brenda Chilson (Boca de Esgoto), Paulo Paiva (Cia & Cia), Munhoz (Chico Peste) e Ricardo Dutra.

A agência conseguiu relativo sucesso, emplacando tiras em jornais como Diário do Povo (Campinas), Tribuna de Santos, Dia e Noite (São José do Rio Preto) e Viver Domingo.

Sobre Os Bandeirantes, a Folha de S. Paulo publicou, quando de sua estreia em dezembro de 1973, o seguinte texto:

"Uma nova história - Varenga é o novo personagem de histórias em quadrinhos que dois publicitários — Durvaly Nicoletti e Gastão Moretti criaram em outubro deste ano e que agora será publicada pela Folha de S. Paulo todos os domingos, a partir de amanhã.

Varenga pertence a um grupo de personagens chamados Bandeirantes e vive no século XVII em terra paulista. A escolha dessa época histórica foi por este motivo, segundo eles: 'São personagens 'virgens'. Nenhum desenhista tentou fazer qualquer coisa assim. A gente faz apologia do paulista, nós temos o Brasil às custas deles, eles que expandirem o país'.

Eles consideram seus personagens muito importantes entre as histórias em quadrinhos publicadas no Brasil: 'Estamos tentando tirar a influência do bang-bang americano. O brasileiro conhece um cheiene, um sioux mas não conhece um aimoré, um carijó etc.

Gastão fez estágio durante oito meses com o desenhista Mauricio, de quem diz que teve boa influência — e cita ainda Henfil entre os autores que o influenciaram.

Para Durvaly, suas principais influências foram Hanna-Barbera é Johny Hart".

Em 1974, quando a série completou um ano foi publicado o seguinte texto:
 
Os Bandeirantes no Suplemento Quadrinhos.

"Os Bandeirantes, um ano na FOLHA.

Há um ano, Gastão Fernando do Amaral Moretti e seu colega de Banco, Durvaly Odilon Nicoletti, não sabiam como colocar, num jornal, as histórias em quadrinhos que estavam há algum tempo criando em conjunto, Os Bandeirantes. E, apesar de conhecerem as dificuldades naturais que as historietas nacionais encontram, não permitiram que suas criações, a exemplo de tantas outras, morressem nas pranchas dos estúdios improvisados, por absoluta falta de apoio.

Apresentaram as histórias à FOLHA DE S. PAULO, que, encampando-as, deu a Moretti e a Nicoletti a oportunidade que precisavam. Agora, Os Bandeirantes estão comemorando seu primeiro ano seguido de publicação dominical no suplemento em quadrinhos da FOLHA. Amanhã, uma edição especial, totalmente dedicada aos personagens dos dois ex-bancários, vai homenagear as figuras tipicamente brasileiras de Moretti e Nicoletti.

Durante um ano, os dois produziram cerca de 500 páginas para o suplemento de quadrinhos, criando 4 histórias que desenvolveram segundo as variações que, nesse período, os personagens, sofreram. Os Bandeirantes nasceram como nasce a maioria das historietas; da certeza de que o que o quadrinho não é apenas um simples passatempo infantil, nem tampouco 'um delírio absurdo de adultos que, como se costuma dizer, ainda não sairam da infância ou da adolescência. É um meio de comunicação que hoje envolve os psicólogos em acalorados estudos sobre o fenômeno. O gibi de ontem, mero instrumento para leitura ligeira, transformou-se em matéria de análises e absorve, no Brasil, um grande número de jovens criadores que estão utilizando os balões e toda a onomatopéia característica das HQs como um dos mais eficientes meios de comunicação de massa.

Obcecados por Asterix, pelos personagens de Disney, pelas histórias do velho Oeste, pelo Pererê de Ziraldo e pelo humor sarcástico de Henfil, Nicoletti e Moretti foram buscar a base de Os Bandeirantes na História do Brasil.

'A saga das Bandeiras, que saiam dos centros em formação para o desbravamento dos sertões, nos fascinou. Decidimos então, depois de muitas pesquisas, utilizar os bandeirantes como centros de uma história que pretende, e tem conseguido, transferir para a nossa época, para a nossa realidade, o comportamento e as situações que aqueles viviam. Pudemos, assim, satirizar inclusive a sociedade atual', diz Moretti.

O personagem central de Os Bandeirantes é Varenga, uma espécie de criatura caricatural que impõe um fio de sarcasmo e de sátira às situações, embora a intenção dos dois autores seja de ressaltar, sempre que possível, a epopéia das Bandeiras e a coragem e o espírito de aventura dos desbravadores que as constituiam.

Nicoletti e Moretti acreditavam que o público brasileiro teria, diante de criaturas como Varenga, frei João, o índio Oiaba, o porta bandeira Eugênio e o puxa cavalo Jão, um contato com personagens que representam um conjunto de fatos e acontecimentos exclusivamente inspirados na História Nacional, e que, assim, poderiam servir como pontos de influência cultural a uma legião de leitores identificados, principalmente, com o quadrinho estrangeiro e todos os seus heróis.

Na primeira história de Os Bandeirantes eles apresentaram, então, essas criaturas ao leitor, um cenário brasileiro e situações que constituam todo um painel da saga do desbravamento. Inspirados nas pesquisas em torno do chamado “ciclo da mineração” vivido pelos bandeirantes, jogaram com o aventureiro e com o índio, com os colonizadores e com os religiosos.


Varenga
, descendente típico dos colonizadores portugueses - simboliza a aventura. Não é, como um bandeirante real, um obcecado pelo ouro, mas um líder nato, um rebelde quando o chamam de 'baixinho. Um ser humano normal, com seus defeitos e virtudes, bom apreciador de vinho. 'Ele reflete todos os bandeirantes, representa um século inteiro de bandeirantismo' — diz Moretti.

Borda é meio inspirado em Borba Gato. Um organizador: cuida do pessoal, encarrega-se dos pagamentos. Poliglota, é um tipo meio afrancesado, de longos bigodes, astuto, hábil na pontaria, era camelô antes de ingressar na Bandeira, uma profissão que se reflete no esmero com que subsitui Varenga no comando, quando é necessário'.

Frei João é o religioso que não podia faltar a uma história que teve a inspiração dos fatos reais de um período fartamente documentado. Sua missão é catequisar os indígenas, o que nem sempre consegue, primeiro, por ser meio imprevisível; segundo, porque às vezes é atrapalhado por Varenga e
Borda, que se miscuem na sua missão de salvar almas. 

Oiaba, índio carijó — na época eles andavam em paz com os paulistas — faz parte do grupo por diletantismo. Simplesmente gosta da Bandeira e a acompanha. Tem o espírito de aventura natural no indígena, é um mestre em atirar flechas e jamais despreza um gole do bom vinho de Borda. 

Há, ainda, o Eugênio, criado para atrair o público infantil. É um rapazola que se apegou aos bandeirantes. E o porta bandeira do grupo. Meio desastrado, coloca os amigos em perigo em algumas ocasiões, embora tenha sempre uma desculpa e a benevolência do perdão; 

Jão é um ex-soldado da colônia e se encarrega do transporte da carga. Um tipo tranquilo que vive muito melhor quando conversa com Eduardo, seu cavalo, do que com os bandeirantes.

Nicoletti e Moretti lançaram na FOLHA, há um ano, a primeira aventura desses personagens, intitulada “Guerra Ibitirâmica”, baseada na chamada ''Guerra Guaranítica”, conflito que envolveu os colonizadores portugueses e espanhois com os índios guaranis, em consequência de divergências na demarcação de terras. Hoje, os dois autores crêem que as criaturas já têm força suficiente, e a receptividade necessária, para que façam parte de uma revista mensal que pretendem lançar no próximo ano e onde entrarão, além de Varenga, frei João, Borda e os outros, personagens ainda inéditos como o escravo Canela, dois marcianos que criaram e que são semi-inéditos; e Pilotonto, um oficial de Força Aérea não identificada, caricato, que pretende simbolizar o universo de oficiais e soldados dentro de uma base.
Há, inclusive, em gestação, uma série espacial com desenho anatômico, que também deverá ser publicada no suplemento de quadrinhos da FOLHA, no início de 75.

Nicoletti e Moretti acabaram, em função dos resultados de Os Bandeirantes, deixando a profissão de bancários para se dedicarem exclusivamente à produção dos desenhos que já são também, utilizados em alguns outros jornais diários. Acham que essa foi a maneira mais correta de poderem valorizar sua criação e impô-la num mercado ainda dominado pelos personagens importados.

'É preciso levar a criação de quadrinhos a sério, deixar de ver a historieta apenas como um hobby. Tentamos isso e estamos conseguindo resultados que chegam, apesar das dificuldades, a compensar o abandono de uma profissão de muitos anos para uma dedicação exclusiva aos Bandeirantes. Antes de qualquer decisão, ouvimos muitos desenhistas mais esperientes e de renome, como Mauricio de Sousa, Zélio, Perotti e Jayme Cortez, que acreditaram também no sucesso dos nossos personagens e nos apoiaram'".

Ao nosso blog Moretti declarou:

"Quero acrescentar que a ideia original da Moretti & Nicoletti era produzir tiras diárias dos Bandeirantes (tiras fechadas). Em 1973, fizemos meia dúzia e levamos à Folha de São Paulo cujo editor era Rui Lopes. Ele gostou do projeto e nos pediu histórias de oito páginas coloridas para o suplemento dominical Quadrinhos que pretendia lançar em dezembro. Rapidamente produzimos as páginas em preto e branco e usamos lápis de cor sobre folhas de papel manteiga com indicação de números das cores da tabela da fotomecânica da Folha. Os Bandeirantes estrearam com Guerra dos Ibitiramas (imagem abaixo) em 16 de dezembro de 1973.

As tiras diárias perderam-se no túnel do tempo. As publicadas no Diário do Povo eram páginas de O Tesouro de São Vicente remontadas em tiras sequenciais e distribuídas pela Agência do Clube do Gibi que você citou".


sexta-feira, 8 de maio de 2020

Edú - Entrevista - 1992

Eduardo Carlos Pereira, o Edú, concedeu esta entrevista ao pesquisador e jornalista Worney Almeida de Souza (WAZ) em 18/18/1992 e que permaneceu inédita até hoje. Aproveitem!!!

WAZ: Fale do começo da carreira. Como é que foi?

Edú: Bom, eu comecei fazendo charges para o Diário de S. Paulo, juntamente com meu pai, que trabalhava lá como jornalista e eu bolei o meu primeiro personagem, chamava-se Arbustinho.

WAZ: Isso foi em que época?

Edú: Eu tinha 12 pra 13 anos, começo da adolescência...

WAZ: 1965, 1966?

Edú: Não, 1965 eu já tinha 18 anos. Começo dos anos 1960*.

*Arbustinho foi publicado em 1964, Edú tinha então 17 anos.

WAZ: Eram tirinhas ou eram charges mesmo?

Edú: Eram tirinhas. Tirinhas semanais.

WAZ: E chegaram a sair?

Edú: Chegaram a sair. Eu tenho inclusive o clichê em chumbo.

WAZ: Então começaram a sair junto com o comecinho do Mauricio (de Sousa) lá, que ele tinha a distribuidora...

Edú: Sim, inclusive eu fiz um pouco de estágio lá no Mauricio depois que eu parei de fazer as tirinhas. Como um aprimoramento, né? Fiz um estágio no Mauricio. Fiz alguma coisa lá no Mauricio, com arte final.

WAZ: Então me volta a falar das tirinhas. Como era o personagem?

Edú: É um personagem bem soft, já com aquela minha facilidade de estereótipo. Um personagem redondinho, com um cabelinho, daí o nome Arbustinho, e com influências do Mauricio de Sousa, aquele traço grosso em volta, traços mais finos dentro da figura.

WAZ: E tinha um universo com mais personagens ou era ele só?

Edú: Não, era abrangente, não era só infantil, eu procurava fazer ele assim, abrangente. Pra adulto, criança, né? E esse foi o começo.

WAZ: E você tem tiras dele aí?

Edú: Tenho, tenho os clichês, tenho alguma coisa publicada, que eu poderia até te mostrar...

WAZ: E no Mauricio? Como é que você entrou lá?

Edú: No Mauricio foi devido ao meu pai ter muito conhecimento no meio jornalístico, né?

WAZ: Qual o nome do seu pai?

Edú: J. Pereira... Que aliás eu devo muito a ele. Sempre incentivou muito a minha carreira, e ele me apresentou, quer dizer, manteve contato lá no Mauricio, né. E a gente foi lá. Sempre teve muita amizade com o Mauricio, devido ao meio jornalístico, né? Experiência lá na Folha (de S. Paulo). E a gente começou assim, devido ao conhecimento, né? E aí o Mauricio gostou muito e tal. Eu era jovem, né?  Devia ter uns 14 anos nessa época. 14, 15 anos. E aí ele me incentivou bastante pra que eu continuasse na carreira, e foi o que eu fiz.


 Capa de livro para a editora Hemus.

WAZ: E lá no Mauricio você ficou quanto tempo?

Edú: Eu só fiquei uns dois anos.

WAZ: E o que você fazia mais lá? Fazia todos os personagens ou já tinha algum que você trabalhava mais?

Edú: Eu fazia arte final. Arte final... E é o que eu precisava mesmo. Na época eu era meio fraquinho de arte final, tinha muita criatividade mas eu precisava aprender ainda muito. Era ainda no começo. E realmente eu encarei aquilo como uma escola mesmo, sem outras preocupações.

WAZ: E depois do Mauricio?

Edú: Depois do Mauricio eu fui pra Start Filmes. E lá sim foi a minha lapidação. Eu fiquei dois anos lá no Walbercy (Ribas Camargo). Na Start Filmes, fazendo desenho animado e aí sim você aprende tudo. Mesmo porque você tem que fazer o storyboard, que é o desenho da cena. Então, não só você faz o storyboard de desenho animado como também havia filmagens ao vivo, então você treinava também desenho mais acadêmico. Bem rápido, aquele desenho bem publicitário, né? E é o que eu digo pra você: foi uma grande escola! Esses dois anos pra mim foram muito especiais.

WAZ: Foi aí que você começou a desenvolver esse traço que você tem?

Edú: Exatamente.

WAZ: Bem esguio, os personagens longos...

Edú: É, eu fui me soltando. As informações que me eram dadas eram muito importantes. Qualquer profissional precisa ter uma base. Você não se soltaria se você não tivesse talento. Como não era esse o meu caso, eu tinha talento, eu precisava só me lapidar mesmo. E de orientações. E foi o que aconteceu. E sorte também!

WAZ: E no Walbercy, você lembra algum trabalho que você fez? Que você se empenhou mais, que você gostou mais?

Edú: Ah! Fiz diversos trabalhos lá. Me divertia muito lá também, porque as filmagens ao vivo eram um barato. Me lembro particularmente das cuecas Baldo. O Chicão, na época, era o modelo mais solicitado, então eu curtia muito, porque eu fazia o storyboard, o desenho das cenas e ficava orientando o câmera. E era uma loucura, era tudo improvisado. Me lembro que pra esse comercial das cuecas Baldo, a gente teve que parar na rua um conversível, um Thunderbird conversível, tinha que ser um carro conversível porque na cena final ele é assaltado, ele está com uma garota e ele é assaltado, e roubam toda a roupa dele, e ele fica só de cueca, né? E ele sai do carro, pula do carro pra correr atrás dos ladrões, e ele para e a câmera dá um zoom no bumbum dele e aparece o logotipo Baldo. Então, eu já gostava muito de fazer storyboard pra desenvolver essa parte acadêmica que eu te falei. E Piraspuma também nós fizemos, aquele sultão da Piraspuma. Colchões Piraspuma. Mas olha, teve tantos, que na hora assim eu nem me recordo! E sempre com a orientação do Walbercy. Eu fazia todo o desenho aí ele vinha e fazia o copydesk.

WAZ: Nessa época tinha muita gente trabalhando no estúdio?

Edú: Não, a coisa era bem artesanal mesmo!

WAZ: Então você fazia tudo?

Edú: É, tinha uma equipe resumida. Desde o chefe, o câmera, que curtia muito o trabalho da gente, quando não tinha o que fazer ficava lá batendo papo com a gente. Todo mundo ajudava todo mundo, era uma espécie de família.

WAZ: Você trabalhava já com cores naquele tempo?

Edú: Ah! Sim! Pra você animar um cliente, um layout por exemplo, você tinha que usar cores. Mas eu nunca fui assim muito legal nessa parte, minha parte era mais criatividade e traço, sabe? Eu não fujo muito das minhas origens.



Capa de livro para a editora Hemus.

WAZ: No seu trabalho você já definia logo a cena e o personagem ou você demorava muito?

Edú: Olha, é uma coisa que eu não sei te explicar, você na sua área e eu na minha. Eu sinto na hora que eu tenho que dar, por exemplo, uma capa, você tem o título. Eu leio o título começa me dar uma batedeira, uma taquicardia, eu acho que é a convulsão de criação. Eu não sei te explicar bem o que acontece, que aí já começa a passar um negócio na tua cabeça, um monte de gravuras que você já viu. Esse negócio de você falar eu criei, é meu... Não! Eu acho que é uma soma de tudo aquilo que está no seu subconsciente, que você já viu. E você, através do tempo, você desenvolve essa capacidade de passar na tua cabeça o que você viu, detalhes de coisas. Porque o artista é um detalhista, coisa que não acontece com as pessoas em comum. Pessoas gostam de ver no geral, eu não, eu gosto de ver detalhes. Então, isso inconscientemente fica gravado. Quando você começa a criar, essa máquina começa a disparar, então é legal!

WAZ: E depois do Walbercy para aonde você foi?

Edú: Eu fui pra uma outra agência, menor, a Acelan, na (rua) Barão de Itapetininga. Fiquei pouco tempo lá. Não posso dizer muita coisa, que era mais filmagem ao vivo, não tinha desenho animado. E aí fui pra Rio Claro, trabalhar no departamento publicitário da Skol.

WAZ: E lá era mais cartazes, essas coisas?

Edú: É, tenho bastante material pra te mostrar. Desenvolvi bastante. Fiquei dois anos lá e deixei saudades, porque o pessoal gostava muito de mim. Eu inovei, né? Com os bonecos, com a linha soft, a linha estereótipo, os cartazes da Oktoberfest, festas da cerveja. Eu fazia todos os cartazes! E eram todos impressos em silk screen, um negócio bem artesanal.

WAZ: E você desenvolveu algum personagem?

Edú: Não! Um personagem específico não.

WAZ: Eram vários bonequinhos que você fazia especificamente?

Edú: Isso!

WAZ: E nos cartazes você trabalhava com cores?

Edú: Sim, claro.

WAZ: E era pintado ou você indicava?

Edú: Eu fazia a indicação pra que a pessoa que fosse fazer a tela do silk screen acompanhasse. E era tudo pintado a guache. Guache com traço preto. Bem pintura mesmo, pintura chapada. E eu me sentia até em segundo plano, vendo o camarada que fazia o recorte do silk screen, porque realmente é um trabalho de muita paciência, sabe? De habilidade tremenda! Você pega um estilete e tem que recortar cor por cor, tudo vazado pra você gravar na tela e fazer passar a tinta... Você conhece o sistema do silk screen?

WAZ: Conheço!

Edú: Hoje não, porque eles trabalham com fotolito. E isso que eu estou te contando é 1969. Fiquei lá dois anos, 1971... E eu casei.

WAZ: Casou lá ou aqui?

Edú: Aqui. Por que que eu casei? Porque... veja bem... eu acho que...

WAZ: Você gostava da moça!?!

Edú: Eu acho que o artista... Eu imaginei o seguinte: eu não queria mais trabalhar de empregado. Queria trabalhar de frelancer, e a primeira editora que me deu a chance, diria, financeira... Que até então, tudo o que eu te contei, foi tudo escola. Mesmo em Rio Claro, não posso dizer que houve assim uma evolução na parte financeira. Na parte profissional, que eu acho muito importante, o pessoal acha que não, que o artista tem que ser artista. Eu acho que se você puder coadunar as duas coisas é ótimo!

WAZ: Tem que comer também!


Capa de livro para a editora Hemus.

Edú: Principalmente hoje em dia. Naquela época nem tanto! Então, o editor que me deu a grande chance, a oportunidade, de mostrar o meu trabalho na praça de São Paulo foi o Eli Behar, da editora Hemus, ali na rua da Glória. Esse homem foi assim um pai. Eu lembro dele com saudade, já é falecido. Embora os filhos dele que estão tocando a editora também são muito meus amigos, mas aquele homem foi quem me deu a mão. E aí, a coisa começou. Começaram a aparecer meus bonecos. Vim pra São Paulo e meu telefone começou a tocar.

WAZ: O que você fazia pra ele?

Edú: Capas. Comecei a fazer capas, ilustrações, capas de livros. E ele adorava meu estilo, o estereótipo.

WAZ: E era o mesmo estilão do Praça (Atrapalhado)?

Edú: Sim, exatamente. Bem com tendência... não sei se você reparou, mas tem alguma coisa assim, meio do Ziraldo, o tipo do boneco. Eu me influenciei demais, eu sempre adorei o Ziraldo. Em termos de síntese, do estereótipo, né? A inteligência do estereótipo! Acho que o Ziraldo é o exemplo máximo! Bom, aos poucos, é lógico, fui me livrando, fui adquirindo um estilo próprio. E a minha evolução mesmo começou na editora Ática. Em termos de produção de grande escala, aí já comecei a fase de grande escala.

WAZ: E o que é que era? Livro didático?

Edú: É, livro didático, que é onde você tem trezentas, quatrocentas figuras num livro!

WAZ: Você sempre trabalhou no seu estilo ou foi no desenho anatômico?

Edú: Não, no meu estilo! Aliás, eu tenho orgulho de dizer isso pra você, eu fui o primeiro desenhista que levou pro livro didático o estereótipo.

WAZ: Foi em que época?

Edú: 1971. Época do estouro dos livros de estudos dirigidos. Português, estudo dirigido de matemática... Quando o Emerson Fittipaldi ganhou o Grande Prêmio de Fórmula 1, eu estava às voltas com uma capa de matemática, aliás, a primeira capa que eu fiz pra livro didático, livro de matemática do professor Orlando Zambuzzi. E eu aproveitei a capa e fiz um fórmula 1 com um garotinho levantando a taça e tal, a turma toda vibrando, com alguns códigos de matemática, a fórmula 1 tem tudo a ver com matemática, a tomada de tempo, aquela coisa toda. E em cima desse tema eu fiz a capa e a contracapa.




WAZ: Era o carrinho voando, não tava no solo?

Edú: No solo mesmo, chegando, já recebendo a taça de campeão, eu posso até te mostrar, devo ter aí. Então, essa capa causou muita polêmica dentro da editora mesmo, o professor Anderson, o dono da editora Ática, que tava começando, ele achou aquilo um absurdo, ficou com muito medo. Houve uma polêmica geral! Só não suspenderam a capa porque já tinha rodado o fotolito, já tinham investido muita grana, então, eles deixaram sair assim mesmo! Mas tinha sido aprovado pelo pessoal lá, e quando caiu nas mãos do diretor...

WAZ: Ele não gostou?

Edú: Não é que não gostou, ele ficou com medo! Ele pensou que ia ficar tudo encalhado, devido àquela mudança de 360º, até então havia Osvaldo Sangiorgi, aquelas capas duras... você lembra, né? Bom, até hoje não se sabe de livro que tenha vendido mais que aquele! Foi o recorde dos recordes! A meninada pegava, isso os professores contando, que a novidade era tanta que a molecada tirava a capa e fazia poster no quarto! Aí os livros todos sem capa, você abria a capa e a contracapa, uma novidade, né? E a coisa foi uma bola de neve, foi se desenrolando, eu tive oportunidade de conhecer os intelectuais do livro didático, os professores, né? Foi muito bom!

WAZ: Você trabalhava por indicação dos autores da editora ou os editores te passavam os livros?

Edú: Os autores queriam que eu ilustrasse! E se não fosse na Ática, nas outras editoras, eles me procuravam! E fatalmente me achavam...

WAZ: Mas o pessoal dava o tema pra você ou você fazia assim da sua cabeça?

Edú: Não, eles me davam os originais. No caso de ilustrações internas você recebe os originais normalmente já com a arte final do texto pra você saber a dimensão da ilustração, e você faz uma reunião rápida, pra pessoa te passar uma sinopse do que se trata, como é que é, que linhas você tem que seguir. Normalmente é aquela que eu faço, porque, se me chamam, é porque gostam mesmo do meu trabalho e querem aquele, e é assim. Agora, na capa, normalmente você tem o título, e aí você tem que pesquisar, tem que se virar, fazer uma coisa bonita.

WAZ: E você começou em 1971 fazendo livro didático, por aí?

Edú:
Eu posso ser preciso com você, foi em 1971 que eu comecei no livro didático!

WAZ: E você não interrompeu, até hoje você trabalha com livro didático?

Edú: Sim, 1971, são vinte e um anos de livro didático!

WAZ: E você tem uma ideia de quantos livros você já fez?

Edú: Não tenho...

WAZ: E geralmente é no segundo semestre que você produz mais?

Edú: Não! Por exemplo, hoje eles estão programando no começo do ano, pra em julho, agosto, é o mês fatal. Você tem que ter todo o material impresso pros divulgadores virem, saberem o que vai ter, trabalharem em cima, e em novembro já estar tudo pronto, já estar tudo vendido!

WAZ: Você começou com a Hemus, com a Ática, e qual as outras editoras que você já trabalhou?

Edú: Com livro didático? As principais, né? A editora Ática, a primeira, com a IBEP, a Saraiva, a FTD, Moderna...

WAZ: Você nem imagina quantos livros deve ter feito?

Edú: Ah, foram muitos! Eu acho que dentre os desenhistas, tenho quase certeza, acho que quem mais produziu em termos de ilustração pra livro didático sou eu! Porque eu comecei a fazer essa linha pro livro didático, como te falei. Até então, os livros didáticos eram acadêmicos, sérios... e eu, por uma proposta até, eu não estou sozinho, entendeu? A Ática, por meio da pessoa do Sergio Simioni, que trabalhava lá na época, viu meu estilo e gostou, porque eles estavam introduzindo a série de estudos dirigidos, que é onde você tem a leitura do texto, a interpretação do texto, depois vem o exercício, a parte de exercícios sobre o texto, então esse é o esquema do estudo dirigido, e que existe até hoje, na verdade. Então era uma novidade com uma outra novidade. A novidade de texto, de estrutura de livro, com a novidade da ilustração. E calhou de eu estar ali no momento, como pessoa, de ter apresentado o trabalho na hora, a proposta, e não demorou muito eles me ligaram e a gente começou a fazer.

WAZ: E você sempre trabalhou com estúdio próprio?

Edú: Sempre!

WAZ: E você trabalha dentro da editora?

Edú: Não, eventualmente! Houve uma época, de 1977 a 1979, eu trabalhei como freelancer em uma sala dentro da editora Ática, como se estivesse em casa, mas eu era freelancer, não era funcionário.

WAZ: E o Colonnese tem ainda na Ática, tem uma...?

Edú: O Colonnese faz tempo que eu não vejo, ele ficou muito doente, não sei...

WAZ: Ele tinha uma salinha numa vila lá...

Edú: Inclusive, na época em que eu estava lá, mais ou menos nessa época também, a gente se encontrava muito no refeitório, eu almoçava na editora e como ele tinha uma salinha, numa vilinha ali ao lado, ele almoçava lá, então a gente batia um papo, trocava ideia lá no refeitório.

WAZ: Quantas ilustrações em média tem num livro didático?

Edú: Umas 300...

WAZ: Incluindo a capa?

Edú: Não, ilustrações internas. O livro mais difícil pra você ilustrar, que tem mais ilustrações, é o livro de inglês. Que eu não fiz muitos, fiz uns dois ou três, esse é o que tem mais ilustrações, é o livro de inglês. Depois vem o de estudos sociais, que é um livro muito trabalhoso. Você tem que fazer relevos, mostrar mais a realidade pro aluno, de bairros, habitações, praças. Já foge um pouco à minha linha de trabalho, mas eu fiz alguns. É uma carreira excitante porque cada livro é um livro. Apesar de ao longo desses anos, você encara barreiras que você transpõe, no começo você acha assim super difícil, porque são propostas bem inovadoras que estão pedindo atualmente. É um eterno aprendizado.

WAZ: E o teu traço de 1971 pra cá, nessa parte de ilustração, você acha que mudou muito? Eu conheço teu traço dos quadrinhos...

Edú: Não, realmente eu procurei preservar a movimentação. É lógico que tudo modifica na vida. Acho que nada permanece, mesmo que você queira, até os grandes artistas, os clássicos, têm diversas fases. Aliás, acho isso muito necessário, acho que a mesmice não tem nada a ver com o artista. Então, acho que mudou sim, analisando friamente, como técnico. Como leigo talvez você nem possa perceber, mas como técnico sim, mudou. Procuro fazer um traço assim mais simples, um traço não Disney, que é um traço grosso/fino, eu faço um traço mais uniforme, fininho. Mesmo porque as figuras são pequenas e se você começar a engrossar muito o traço elas acabam dando problema no fotolito.


Edú na revista Pancada, da editora Abril, em 1978.
 
WAZ: A dimensão delas como é que você faz? Duas ou três vezes maior?

Edú: Não, uma vez e meia maior, porque os espaços são pequenos. E muitas vezes trabalho no tamanho natural! Dependendo do tempo. Isso é muito importante, porque o cronograma do trabalho livro didático não é fácil.

WAZ: Qual é o tempo que você tem?

Edú: Normalmente você tem 30 dias pra fazer dois livros, quinze dias pra cada livro com 300 ilustrações. Daí você vê, eu fico com a parte de criação e desenho e contrato mão de obra de terceiros para a pintura, senão não teria condições. Mais a pintura, porque eu acho que a arte-final, o traço, é a vida do desenho. É muito pessoal, não dá pra você terceirizar. Mesmo que eu tenha um lápis super limpo, só com muita sorte que você vai encontrar uma pessoa que vá colaborar com você que tenha a mesma capacidade de assimilação.

WAZ: Porque geralmente o arte finalista modifica bem o traço...

Edú: É, eu conserto muita coisa, eu mudo muita coisa na hora de arte finalizar o traço.

WAZ: E o outro vai fazer também em cima do seu lápis...

Edú: E vai fazer também, às vezes até, sei lá, o traço é a interpretação do lápis. O lápis é a interpretação do rafe e assim vai. A finalização do desenho é uma crescente.

WAZ: Quais os últimos livros que você fez, os mais recentes?

Edú: Bom, ultimamente estou trabalhando pra Scipione. Nós fechamos pacotes anuais, e estou sendo assim quase que um desenhista exclusivo, sem ser exclusivo. Devido ao volume de trabalho tremendo, tipo duas a três mil páginas por ano!

WAZ: Há quanto tempo você está trabalhando com eles?

Edú: Com a Scipione?

WAZ: É.

Edú: Desde 1984, quando começou a Scipione, porque a Scipione é um grupo da editora Ática.

WAZ: Um desmembramento?
Edú: É, um desmembramento. Era do professor Scipione, depois passou... fizeram uma sociedade, não sei bem como foi, pro mesmo grupo da editora Ática. E então, o pessoal já me conhecia e tal. E começamos em 1984 e depois houve uma parada... Uma falha minha que esqueci de dizer, que também me orgulho muito na minha carreira, de ter renovado a cartilha da professora Branca Alves de Lima, da editora Caminho Suave, que é a primeira cartilha, que permaneceu até hoje. Então, eu renovei a cartilha Caminho Suave, e eu me orgulho muito disse, porque até hoje, em termos de cartilha, é a que mais tem conceito no meio dos professores, todo aquele esquema da professora Branca Alves de Lima. Isso em 1984, agora, em 1985 nós começamos na Scipione, aí houve um hiato devido aos planos econômicos, houve uma paralisação e em 1989 nós recomeçamos a ilustrar pra valer mesmo, e estamos até hoje.



WAZ: O pacote quantos livros tem?

Edú: Normalmente o pacote tem três coleções, três títulos. Normalmente são três livros de cada coleção e é muito trabalho!

WAZ: Mas você pega tudo de uma vez e tem um prazo?

Edú: Não, às vezes o pacote já está contratado e tem livros que ainda estão com o autor, que ainda nem começaram. Os que estão prontos eu vou fazendo. O cronograma é feito assim, quase que improvisado, mas dentro de uma lógica.

WAZ: Por exemplo, se o livro tem que estar pronto em junho...

Edú: Agosto! Agosto é o prazo fatal! Até o final de agosto os fotolitos têm que estar prontos. Aí entra em máquina pra imprimir, para os divulgadores no final de setembro, no começo de outubro virem pra São Paulo, os divulgadores de todo o país, virem pra São Paulo e montarem a divulgação.

WAZ: Qual a tiragem média desse material?

Edú: Dois milhões, três milhões de exemplares.

WAZ: E tem aumentado de 1971 pra cá? Essa tiragem aumentou?

Edú: Não tenho conhecimento, não é minha área, então, não me preocupo com isso. Eu sei que é por aí! Um milhão, dois milhões a três milhões de exemplares.

WAZ: E quanto aos quadrinhos? Você fez estágio no Mauricio, depois você foi pra Rio Claro e quando você voltou você entrou na Abril?

Edú: Eu saí do Mauricio, aí entrei na Start Filmes, na Acelan e aí eu fui pra Rio Claro. Isso nos anos 1960, nos bons tempos.

WAZ: Aí você voltou pra São Paulo e entrou na Abril?

Edú: Não, na Abril, no começo de casado eu fazia histórias em quadrinhos pra Abril, mas logo deixei porque aí eu entrei na Ática, comecei a ter produção em alta escala e parei, porque eu trabalhava sozinho e não tinha mais tempo.

WAZ: E o que você chegou a fazer lá?

Edú: Fiz muito Pato Donald, Mickey, fiz muito Disney. Agora o que eu produzi mais mesmo foi a Pantera Cor de Rosa. Foi muito legal, foi um período muito bom.

WAZ: Mas aí você fazia tudo? Recebia o roteiro e fazia tudo?

Edú: Exatamente, recebia o roteiro com um rafe, indicação de cena, e aí você tinha aquele (papel) schoeller já diagramado e aí você dividia a página em branco e você que fazia o desenho. Com o model sheet, que é o modelo original do personagem, né? Eu diria a você que quadrinho no Brasil, pro artista, você precisa gostar muito e não pensar em outra coisa a não ser no teu dom e na tua arte, e não ter outras preocupações, porque se você tiver outras preocupações... é muito desgastante. Eu acho muito legal, mas é muito desgastante no sentido de você trabalhar muito e ganhar pouco. Vamos ser realistas! Eu acho que aí eu não mexo com ninguém mas a realidade é essa, a verdade está aí. Então é o que digo, você não pode ter outras preocupações a não ser aquela de gostar muito e fazer por gostar, porque se você precisar viver do quadrinho é difícil.

WAZ: Nessa época da Abril você fazia também em casa?

Edú: Sim, eu recebia o schoeller, o roteiro, trazia pra casa pra desenvolver a história. Também com prazo, e você ganhava por produção, por página.

WAZ: Você fazia ilustração de livro e trabalhava pra Abril também?

Edú: Sim.


 
Anúncio de 1973 com ilustração de Edú.
 

WAZ: E qual era a média de horas por dia que você trabalhava nessa época?

Edú: Olha, eu sempre trabalhei muito! Muito mesmo! Hoje em dia já não faço muito isso, mesmo porque minha vista não me ajuda muito. E porque já não tenho muita disposição pra isso, mas no começo de 1971 que a gente já começou a ter mais responsabilidade, eu trabalhava uma faixa de 18 horas. Eu tinha primeiro, segundo e terceiro tempo! De manhã, à tarde e à noite. E adentrava a madrugada. Você tinha a mocidade, a energia. E é fato, hoje em dia eu até trabalho demais também. Nessa época do didático, quando a gente está fechando, normalmente as coisas começam a se atropelar, a atrasar. Aquela tensão de você encerrar o cronograma dentro do prazo, eu não tenho tempo pra nada, eu não saio, fico dentro de casa no final de semana, fico trabalhando. e isso porque eu tenho uma equipe legal.

WAZ: E naquela época você tinha uma média de quantas páginas você fazia por dia? Porque só por ver teu trabalho na (editora) Saber, é sinal que tua produção era bem alta!

Edú: Sim! Olha, vou dizer uma coisa pra você: eu desenho muito rápido! É aquilo que eu te falei no começo da entrevista, é o dom. Não estou querendo me valorizar nem nada disso, é um dom. Cada profissional tem que saber aquilo que você pode desenvolver com perfeição. Eu não diria perfeição, porque aí já é demais, eu digo quase perfeição! O que eu faço com perfeição? É criar e desenhar, essa é a minha grande paixão! Arte final não é o meu grande forte não, realmente! Então eu posso dizer pra você que eu posso fazer... você está perguntando quantas páginas eu fazia de quadrinho?

WAZ: É!

Edú: De quadrinho eu fazia umas três, quatro páginas por dia, porque, você veja bem, é um schoeller enorme, com o desenho ampliado, pra reduzir, então você tinha uma média de 5 a 8 quadrinhos por página, então você imagina: você ler o texto, você desenhar o personagem, cada quadrinho é uma cena, cada quadrinho é um desenho, então acho que a produção era razoável! Três a quatro páginas por dia.

A Bruxa, editora Super-Plá.

WAZ: E quando você começou na Saber?

Edú: Na Saber eu comecei em 1966, 1967...

WAZ: E o que você fazia? Era ilustração?

Edú: Eu fazia de tudo lá, na verdade. Porque eles tinham alguns past-upistas, uma editora de desempenho caseiro, né? Da família. Eles tinham alguns past-ups que faziam alguma coisa com desenho, completavam desenho, aquela coisa toda e praticamente só eu que desenhava. Então, tinha livro de piadas...

WAZ:
Você trabalhava lá dentro?

Edú: Não, não! Em casa, sempre no meu estúdio, sempre tive meu estúdio.

WAZ: Falando em piadas, você criou alguns personagens, por exemplo, eu me lembro de uma velhinha hippie que você fazia. Como é que chamava a velhinha? Que não tinha nome a velhinha!

Edú: O Coroa Hippie!

WAZ: Ah, era um coroa!

Edú: Era um personagem sim, que era um barato!

WAZ: Ele era só pra piada mesmo, né?

Edú: Só pra piada! Não havia histórias longas, eram piadas rápidas de dois três quadrinhos, exatamente.

WAZ: E este dois aqui, a duplinha aqui? Era um baixinho e um português. Esses você publicava nessa (revista) Ha! Ha! Ha! Especial.

Edú: Era o Ha! Ha! Ha! Especial!

WAZ: Tinham nomes os personagens? Esses dois?

Edú: Olha, eu acho que não! Eles eram uma família portuguesa, né? E o baianinho que você vê aqui. Era um nordestino baixinho e o português. No caso eu desenvolvi as piadas nessa faixa, sem me preocupar com nomes. Eles não tinham nome, não. Pode ser que em uma ou outra piada o personagem nordestino tenha algum nome, falaram o nome ou vice-versa, mas que eu lembre assim, não.



WAZ: Como é que você produzia esse material de piada? Eles encomendavam um número de piadas e depois eles que editavam a revista? Porque eles mesclavam com material importado também.

Edú: Olha, o que eu pudesse fazer eu entregava, quanto mais... Porque eu ganhava por unidade. Já que você é freelancer, você tem que trabalhar por tarefa. Não adianta você ser freelancer e receber um X mensal! Aí, então, você vai trabalhar de empregado! Então eu trabalhava por unidade e quanto mais eu produzia mais eu ganhava. Mas, por mais que você queira, haja criação pra você bolar! Então, existia um certo limite.

WAZ: E nessa época você trabalhava exclusivo pra Saber ou não?

Edú:
Não, inclusive nessa época a gente já fazia alguma coisa pra Hemus, pra diversas. Eu sempre gostei de estar com o leque aberto. Isso é muito bom! Eu incorporei o freelancer mesmo! Eu não queria mais viver fechado numa sala.

WAZ: Esse material, por exemplo, essa dupla, o personagem português, o velhinho hippie... Você teve alguma referência, alguma inspiração?

Edú: Não, eu criei, quer dizer, sentei, comecei a fazer uma série de rafes, uma série de estudos e cheguei nesses personagens. Aliás, é sempre assim, né?


WAZ: E você chegou a fazer piadas do Bocage, né? Chegou a fazer algumas páginas de quadrinhos que era ele no Brasil.

Edú: O gozado é que você vai falando e eu vou lembrando. É legal! Tou gostando! É um flashback!

WAZ: Ele tinha aquela roupa do tempo dele mesmo, mas você colocava ele no Brasil (atual).

Edú: Exato! É porque precisava caracterizar o cara. Porque senão como é que você iria caracterizar o Bocage? O Bocage ele é um camarada rococó. Ele é bem século XVIII, não pode ser... Por mais que você queira introduzir ele no século XX, ele é o camarada que respira século XVIII rococó!

WAZ: Inclusive nos balõezinhos a linguagem era diferente...

Edú: É, pra não fugir muito da linha, mesmo no texto. Porque a gente lia muito e o Bocage ele é bem assim "labioso", daí a fama dele! Numa conversa...

WAZ: Mas aí você trabalhava no personagem a partir dos textos dele?

Edú: Não, só assim pra você sentir o personagem que eu li um pouco de Bocage, depois não, porque aí se você começar a se prender muito... Eu acho que toda criação você tem que se soltar, e aí foi fluindo as historinhas.

WAZ: Eu me lembro de uma história, que eu acho que você se baseou nas histórias dele, que ele tinha ido a um restaurante, os amigos foram lá com ele, e os amigos todos dele saíram e ele teve que pagar a conta. E essa, apesar de você colocar as roupas atuais, era da época dele.

Edú: É, realmente é aquilo que no começo você me falou, o Bocage ele tá muito preso à época dele, tinha que ser. E dentro das possibilidades eu fazia ele no presente, e eu me divertia muito. Era muito gostoso fazer essas piadas. Apesar de que é um personagem muito perigoso, porque na época a censura estava muito em cima, a censura militar, anos 1970, tudo isso que nós estamos falando, tudo aconteceu nos anos 1970, a censura era terrível! Mesmo o caso do... me adiantando um pouco, entrando na tua área, o Praça Atrapalhado, por exemplo, é uma coisa que quase deu problema pro editor, devido ao regime militar, mas nada assim muito problemático.

WAZ: Mas você chegou a ter algum material proibido?

Edú: Não, porque eram todas piadas sem conotação política. Mesmo porque eu sou totalmente apolítico, procuro me manter no máximo informado, não mais que isso. Nunca fiz referência política nenhuma, só coisas assim bem engraçadas, sátiras... Aliás, fui muito criticado não parte assim estrutural da coisa, mas na parte racial, isso sim, recebi muita crítica.



WAZ: Por que?

Edú: Porque era um soldado negro, mas não houve intenção nenhuma, realmente. É que eu quis fazer um personagem avesso, ao contrário do recruta Zero, que era um soldado americano, branco. E era um soldado brasileiro! Assim como eu fiz preto, poderia ter feito branco. Mas achei melhor pra caracterizar.

WAZ: No caso do Praça, da Bruxa, do Big Músculus, o roteiro era todo seu?

Edú: Sim! Queimação de pestana legítima!

WAZ: E como é que era? Porque na Saber eles publicaram uma infinidade de títulos. O cara falava: publica assim, um título! Ou você que ofereceu os personagens? Como é que foi?

Edú: No caso, por exemplo, do Ha! Ha! Ha! Especial, fui eu que criei. Era um livro de piadas que eles queriam por (nas bancas). Mais um livro de piadas, e eles tinham muito material importado, então daria pra fazer outra publicação. E juntamente com esses personagens, o casal de portugueses com o nordestino, eles queriam fazer mais uma publicação. Então surgiu o Ha! Ha! Ha! Especial.

WAZ: Ele tinham (a revista) Piadas em Quadrinhos, né?

Edú: Piadas em Quadrinhos! Quer dizer, eles faziam um monte de publicações!

WAZ: Por exemplo, o Praça, eles te diziam: faz aí que tem espaço pra publicar ou você que levou lá?

Edú: Lógico que no começo, quando eu fui até a editora, eu é que mostrei, eu ofereci meus trabalhos e foram aceitos. Aí eles encaixaram. E logo eles pediram. Como o pessoal começou gostar, eles receberam muitas cartas de leitores, eu mesmo recebi cartas, na época, de pessoas que queriam essas publicações, fizeram com que me pedissem um personagem, pra revista específica de um personagem. Mas como eu não tinha muita produção, lá eu fazia metade da revista do personagem e metade eles tinham material importado e colocavam, enxertavam na revista.

WAZ: O Praça foi ideia sua ou eles sugeriram?

Edú: Não, sugeriram. E aí eu levei a proposta. Sugeriram não o personagem, sugeriram: bola um personagem qualquer que a gente quer fazer  uma revista. E aí eu bolei o Praça. Pensei no Recruta (Zero) e falei: por que eu não posso fazer um recruta brasileiro? E aí vem uma série de etapas, você criar o nome do personagem, o tipo do personagem...

WAZ: E como é que foi a receptividade do público, do leitor?

Edú: Segundo o editor foi excelente!

WAZ: Acho que na época foi um dos personagens mais populares! Porque a Mônica tinha começado naquela época... Nacional mesmo acho que era um dos mais populares!

Edú: E eu tive a oportunidade de ir a uma convenção de historia em quadrinhos, patrocinada pelos jornalistas, foi na editora Abril, na rua co Curtume, houve um seminário de história em quadrinhos e o Mauricio foi um dos oradores. Isso foi em 1972, 1973, e comentaram muito sobre os meus personagens também! Eu não sei se nessa época você já era fã. Não, né? Mas é o que eu digo, o quadrinho foi uma escola para mim. Não guardo mágoa absolutamente! Eu acho que eu curti pra caramba essa época, foi uma época de criação muito intensa, sabe? Porque quadrinho, além da habilidade como desenhista, você tem que ter cabeça, você tem que criar mesmo! Não tem meio termo.

WAZ: E como foi a criação do Big Músculus?

Edú: O Big Músculus também! Eles queriam um super-herói, mas um super-herói mesmo! O que fazer? O que fazia sucesso era o Mauricio com a Mônica, pro público infantil. Agora, como fazer um super-herói pra pegar o público infantil e satisfazer o público juvenil? E aí fiz uma série de estudos também e saiu o Big Músculus. Um estereótipo!

 

WAZ: Porque ele era aquele negócio da fórmula secreta, né?

Edú: É, exato! É um dos personagens que eu curto, também.

WAZ: Você produziu dois, né? Porque, pelo o que eu tenho de conhecimento, só saiu um nas bancas! Então o material deve estar perdido!

Edú: Olha, eu estive recentemente com um dos donos da editora Saber e eles não tem não! Só se o outro, o irmão deles, o Bártolo Fittipaldi, que fazia o Big Músculus*, talvez tenha, mas ele, que é o da Saber mesmo, ele não tem!

*Big Músculus foi reeditado em 2019 pela editora Criativo.

WAZ: E a Bruxa, como é que foi a ideia? Porque ela é um personagem mais simples, né?

Edú: Olha, como a coisa começou a dar certo e meus personagens recebiam cada vez mais cartas, pedindo os personagens, então... Praticamente só eu fazia os desenhos pra eles, e eu fazia as capas do Mandrake, do Fantasma, do Recruta Zero, fazia todas as capas pra eles...

WAZ: Você chegou a produzir material importado? Porque o Colonnese chegou a desenhar o Fantasma...

Edú: Não, não! Só o meu. Desenho assim, de material importado, só capa! É como eu digo, eu sempre desenvolvi essa parte, a parte de criatividade

WAZ: Porque na verdade você assinava as capas, além do estilo, que dá pra reconhecer, você assinava as capas!

Edú: É, eu acho que é importante, aliás, não só o desenhista como o jornalista, como qualquer outro, você tem que mostrar teu trabalho e assinar mesmo!

WAZ: E como é? O Praça Atrapalhado você fez e é engraçado, porque tinha a história do chulé dele, do dedinho fora do coturno, isso você já começou a desenvolver no comecinho do personagem ou você foi fazendo assim...?

Edú: Não! O personagem na minha cabeça já estava pronto! Apesar de eu não ter servido o exército, eu imagino que a coisa não deve ser fácil. O camarada que sai de casa e é uma coisa assim... Mas nada violenta, né? E ele é um cara simples, né? E ele é atrapalhado mesmo! A bota dele tinha um calo que incomodava e ele não se preocupava, cortava a bota e botava o dedinho pra fora! Isso na realidade seria impossível, mas é uma coisa que chama atenção porque é totalmente impossível mesmo! A intenção era essa! É que nem ele ir no banheiro, não ter papel higiênico e ele gritar, chamar o sargento! Isso é uma coisa absurda e eu botava mesmo!

WAZ: Ele fazia sopa no capacete!

Edú: Exato! Pra ele não tinha tempo ruim, tranquilão!

WAZ: Ele, ao contrário do Zé Carioca, não tinha personagens secundários! Era ele, o sargento e tinha alguns praças. Não tinha tanto um universo, centravam mais em cima dele as piadas.

Edú: Claro... Exatamente!

WAZ: Porque o Recruta Zero, com o passar dos anos, começou a mudar o roteiro e ele começou a trabalhar com um monte de personagens diferentes.

Edú: E o que eu digo pra você, aí a gente já entra em uma outra área. Você veja, um desenhista de história em quadrinhos americano ele tem uma estrutura violenta. Além do potencial dele, ele tem uma estrutura econômica por detrás dele, que induz o camarada a desenvolver cada vez mais o trabalho, essa é que é a verdade. Então, tudo isso que você vê, o volume de personagens, o universo... Acho isso maravilhoso. Por que? O artista desenvolve, justamente devido ao estímulo financeiro, essa é a realidade. Enquanto que eu e todos os meus colegas que estavam na área, a gente batalhava, mas por ideal, por gostar mesmo, e aí fica difícil. Se você a ampliar a gama, começa a trabalhar muito o desenho, cai a produção, você já ganha pouco e cai a produção, uma série de fatores, uma série de coisas, e é isso exatamente o que você falou, é a evolução. Não só você está desenhando como você tem uma estrutura. O King Features, o syndicate e outras organizações que fazem com que o artista se entusiasme pela coisa e goste cada vez mais porque é um estímulo. Enquanto que aqui até hoje não há isso.

WAZ: E você trabalhou na Saber até quando?

Edú: Até 1974, por aí.

WAZ: Porque tinha a revista em formato de livro, depois o Praça passou pra formato 32 páginas coloridas. Essa fase você participou? Porque nessa fase o Franco (de Rosa) desenhou, o Fabiano (Dias), eles desenhavam teu personagem. Você passou a produzir menos pra eles?

Edú: Aí, como eu já estava no livro didático e existiam dificuldades econômicas dentro da empresa, da editora, pra quem eu fazia esses personagens, então, nessa fase colorida de 32 páginas, foi realmente o finalzinho. Mesmo porque, como você pode ver, o fotolito foi muito mal feito e eu fiquei, assim, muito desgostoso. Eu esperava uma coisa e realmente saiu outra. Era preferível ter saído preto e branco, porque o traço realmente continuou aquele traço espontâneo e as cores deturparam bastante todo o trabalho.

A gravação foi interrompida aqui.

FIM


Agradecimentos aos amigos Worney e Antonio Buhrer.