sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Os Pingos - Folha de S. Paulo - 1991

Em julho de 1991 o suplemento Folhinha da Folha de S. Paulo passa a publicar, em quadrinhos, os personagens da literatura infantil Os Pingos, criados por Eliardo e Mary França.

Apesar da principal diferença gráfica entre os Pingos serem as cores as tiras eram publicadas em preto e branco, fazendo com que a personalidade de cada um fosse bastante explorada para demonstrar com maior propriedade essas diferenças.

Por ocasião do lançamento o jornal escreveu:

"Pingos são mistura de bicho e gota

Os personagens são uma mistura de bicho e gota, de água ou tinta. São sete seres, que também estão em livro. Tem o comilão, o dorminhoco, o que gosta de tocar violão...

Foram criados por Mary e Eliardo França, autores da coleção Gato e Rato e dos contos de Andersen que a Ática lançou em 1990.

Eliardo fazia versões em quadrinhos das fábulas (histórias) de La Fontaine. Elas eram publicadas no Jornal do Brasil, no Caderno I, que hoje não existe mais.

Mary escreve histórias curtas, que são fáceis de ler e divertidas.

Os dois são mineiros de Santos Dumont. São casados e têm quatro filhos já grandes. Mary e Eliardo são campeões de venda. Mais de três milhões de pessoas já compraram seus livros".


Participam das histórias: Pingo de Ouro,o aventureiro; Pingo de Sol, o alegre; Pingo de Mar, o sabido; Pingo de Flor, o comilão; Pingo de Fogo, o dengoso; Pingo de Céu, o artista e Pingo de Lua, o dorminhoco.

No site do colégio Renovação encontramos a seguinte explicação:

"A coleção “Os Pingos”, de autoria do casal, surgiu da junção dos conceitos pedagógicos e da vontade de fazer uma história diferente com personagens fixos. “A história dos Pingos veio quando ele fazia palestras com base nos conceitos pedagógicos que tinha como objetivo chamar a atenção para o desenvolvimento cognitivo e a importância da leitura. Então, tivemos a ideia de transformar gotas em personagens”, conta Mary. O número de personagens – sete – também foi cuidadosamente pensado pelo casal. “A partir daí, começamos a definir as peculiaridades de cada personagem e, para isso, fizemos uma pesquisa com relação à emoção das pessoas com as cores.”

Mary explica que uma pessoa que se identifica mais com a cor vermelha, por exemplo, é mais atraída pela emoção. “Representamos essas características nos pingos. O verde tem a característica de ser pesquisador; o amarelo é alegre/otimista; o laranja tem o espírito aventureiro; o azul-claro tem o perfil de artista; o azul-escuro é o dorminhoco; e o lilás tem a característica de ser comilão”, relata. “A partir da escolha da personalidade dos Pingos, criamos os nomes, especificamos onde seria a casa deles e tudo tomando como base os conceitos pedagógico".

 

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

O Corvo e a Raposa - Jornal do Brasil

Logo em seu início, em julho de 1973, o Caderno I, suplemento infantil do Jornal do Brasil, passou a publicar histórias baseadas nas fábulas de Jean de la Fontaine (1621 a 1695), como O Corvo e a Raposa.

Criadas por Eliardo França, as aventuras mudavam a moral e subvertiam a ordem dos contos baseados nos animais humanizados do antigo escritor com muita criatividade e humor, atualizando e trazendo ao nosso tempo essas aventuras que passaram por várias gerações.

Além do Corvo e a Raposa, Eliardo utilizava personagens de outras histórias como A Cigarra e a Formiga e a Raposa e as Uvas, sempre com seu traço maduro e moderno.


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Nas redes sociais encontramos esta biografia de Eliardo e sua parceira Mary França:

"Foi em Santos Dumont, nos contrafortes da Serra da Mantiqueira, que Eliardo Neves França e Mary Jane Ferreira nasceram. Ele, a 17 de junho de 1941; ela, a 24 de agosto de 1948.

Durante uma festa, em 1963, quando ambos já viviam em Juiz de Fora, Mary conhece Eliardo, em Santos Dumont. Um ano depois, Mary resolve ingressar no magistério. Em 1965, Eliardo desiste de cursar a faculdade de Arquitetura para se dedicar exclusivamente à ilustração.

Assim, a partir de 1966, ilustra os seis livros da coleção Malba Tahan Conta Histórias, para a Editora Brasil-América (EBAL).

A 6 de julho de 1968, em Juiz de Fora, Mary e Eliardo se casam. Nesse mesmo ano, Eliardo recebe seu primeiro prêmio como ilustrador, concedido pelo Instituto Nacional do Livro, no concurso “O Natal e o Livro”. O casal vem a ter quatro filhos: Augusto (1969), Patrícia (1970), Daniel (1971) e Lucas (1973); hoje todos ligados às artes gráficas, ilustração e informática.
Em 1970, Mary e Eliardo publicam juntos o primeiro livro, “O Menino que Voa” (Editora Conquista).

Em 1972, o livro “O Rei de Quase Tudo”, escrito e ilustrado por Eliardo, ganha a Primeira Menção Honrosa concedida pela Comissão do Ano Internacional do Livro. Dois anos depois, o mesmo livro será contemplado com o Selo de Ouro da FNLIJ – Fundação Nacinal do Livro Infantil e Juvenil.

Em 1974, é editado pela Orientação Cultural, RJ, e, em 1975, conquistará, em Bratislava (na então Tchecoslováquia, hoje capital da Eslováquia), a Primeira Menção Honrosa na Bienal de Ilustrações, pela primeira vez concedida a um livro latino-americano.

Em 1976, em Atenas, Grécia, The Internacional Board for Young People concede Menção Honrosa às ilustrações de Eliardo para o livro “Uma Vez um Homem, Uma Vez um Gato”, de Irene de Albuquerque, Editora Conquista, RJ.

Em 1978, saem os quatro primeiros volumes da Coleção Gato e Rato, Editora Ática, SP, a que a FNLIJ concede o Selo de Ouro como a melhor obra para crianças; a mesma coleção voltará a receber tal indicação em 1979, 1985 e 1986.

Em 1979, o livro “O Rabo do Gato”, do casal, conquista Menção Honrosa na 6ª Muestra Internacional de Publicaciones Infantiles y Juveniles, em Gijón, Espanha.

Em 1981, Eliardo recebe e título de melhor ilustrador, pelo conjunto de obras, concedido pela APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte, São Paulo, SP. No ano seguinte, Eliardo recebe o primeiro Prêmio Banco Noroeste de Literatura Infantil, na Bienal do Livro de São Paulo.

Em 1985, o casal lança a primeira coleção com os personagens Os Pingos, pela então Rio Gráfica e Editora, atual Editora Globo. No ano seguinte, a FNLIJ indica Eliardo como representante do Brasil no Prêmio Hans Christian Andersen de Ilustração, em Bolonha, Itália.

Em 1988, o casal se muda para Copenhague, Dinamarca, a fim de desenvolver pesquisa sobre Hans Christian Andersen. A partir de 1992, Mary e Eliardo publicam dois volumes com uma seleção de Contos de Andersen, com os quais são premiados pela FNLIJ.
Em 1992, Mary e Eliardo conquistam o Prêmio Adolfo Aizen, concedido pela UBE – União Brasileira de Escritores, pelos livros “Sapato Novo”, “Chapéu de Palha” e “Pato Magro e Pato Gordo”.

Em 1994, Eliardo é selecionado para a Grande Exposição da Feira do Livro de Bolonha, Itália, e participa do catálogo com os melhores livros da mesma feira. A exposição percorre os seguintes museus no Japão: Otani Memorial Art Museum (Nishinomiya City), Sano Art Museum (Tóquio) e Itabashi Art Museum (Tóquio).

Em 1995, o casal lança o CD-Rom “Os Pingos em Baile à Fantasia”, inteiramente produzido no estúdio de ambos. E Eliardo abre exposição de desenhos e pinturas na Galerie Cave de La Crettaz, em Chernex-Montreux, Suíça; a partir de então, Eliardo vem fazendo exposições de pintura em diversas cidades européias.

Em 1998, Eliardo inaugura a exposição de pinturas (sobre óleo) “Terra de Vera Cruz-Músicos”, no Espaço Cultural dos Correios, no Rio de Janeiro. E o casal inaugura a própria editora, a Mary e Eliardo França Editora, com uma coleção de livros com os personagens Os Pingos.

Em 1999, o FNDE – Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação – seleciona um volume da coleção “O Gato e o Rato”, da Ática, e “O Rei de Quase-Tudo”, da Orientação Cultural, para serem comprados e distribuídos por todo o Brasil pela Fundação de Assistência ao Estudante (FAE).

Em 2000, a Exposição Terra de Vera Cruz é apresentada em Belo Horizonte no Palácio das Artes; no Espaço Cultural Reitoria em Juiz de Fora e no Centro de Memória e Cultura em Salvador. A Editora Shinseken no Japão publica em língua inglesa o “O Rei de Quase-Tudo” e “O Rato de Chapéu”.

Em 2002, Eliardo recebe o prêmio “Odylo Costa/A melhor lustração/FNLIJ- 2001” pelas ilustrações do livro Clave de Lua e a Menção Honrosa/Prêmio Jabuti/2002 para o mesmo livro. É publicado no Japão do “Rei de Quase-Tudo” em cinco idiomas, japonês, inglês, espanhol, português e coreano. É também em inglês, pela Shinseken; “Foge-Tatu”. O casal é premiado pela UBE, pelo conjunto de obras, com a medalha Marina Martinez.

De 2002 ate 2017 o casal vem participando ativamente do universo da Literatura brasileira".

Eliardo ilustra Os Sonhos do Lenhador de Malba Tahan, Ebal - 1969.


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Marcozinho - Folha de Londrina - 1988

Marcozinho, personagem de Tako X e Edu, publicado a partir de 1988 na Folha de Londrina, é um garoto dos seus 10 anos vivendo situações com seus amigos: a menina Paty, o menino Victor Hugo, Galapinha (uma iguana?), entre outros. Marcozinho pode ser lido até hoje nas redes sociais de Tako X.


No livro O Melhor de Marcozinho (editora Beta, 1998) foi publicado o seguinte texto:

"Dez anos de Marcozinho

“Marcozinho foi criado por Tako X e Edu para tiras de jornal e publicado inicialmente no jornal Folha de Londrina, em 20/7/1988 até 9/6/1989 e no tabloide “ Gazetinha” do Jornal Gazeta do Povo (o de maior circulação no Paraná) a partir de 15/7/1989 e desde então, ininterruptamente.”

- excerto do press release para Marcozinho


Sempre acreditei que o cartunista é uma espécie de jornalista gráfico ou um cronista do mundo. E como tal, teria a obrigação de procurar a verdade e ser fiel ao que ocorre à sua volta - se o que você escreve não é verdadeiro, a sua história não convence o leitor.

É difícil apontar o criador das idéias para as histórias do Marcozinho - tudo ou todas as pessoas oferecem idéias para as tiras, o tempo todo. Pode ser um acontecimento banal, um pequeno incidente, uma piada, uma história contada por um amigo, namorada ou vizinho, uma notícia no jornal, um trecho de um livro, uma passagem de um filme, qualquer coisa. Algo que poderia passar desapercebido para muitas pessoas, pode fornecer o enredo para uma história, e obter ótimos resultados, desde que ele seja envolvido por uma narrativa adequada - que é o mais complicado de se conseguir. A narrativa é o que dá aquele toque de originalidade a uma boa história. Citando “Os Caçadores da Arca Perdida”, filme de história não tão original (vide as aventuras do Pato Donald desenhadas pelo Carl Barks na década de 40) que dificilmente teria feito tanto sucesso, não fosse o roteiro de George Lucas e a narrativa visual de Steven Spielberg.

Assim, seria sensato afirmar que a criação das histórias do Marcozinho é coletiva, embora a narrativa seja particular.


A CRIAÇÃO DOS PERSONAGENS

A principal fonte de inspiração para a criação de um personagem normalmente são as pessoas que convivem com você - às vezes é mais fácil enxergar nos outros os defeitos que você mesmo possui. Na época da criação do Marcozinho, por volta de 1988, eu (um nissei “brazuca”) e o Edu (um brasileiro “puro”) éramos adolescentes e as pessoas pareciam não nos levar muito à sério (principalmente as garotas), por parecermos jovens demais para nossa idade (na época isso parecia ser uma grande desvantagem). Resolvi “tirar um sarro” da nossa situação, desenhando um personagem que representasse o nosso dilema. Assim nascia o Marcozinho, um menino comum, bastante imaturo para sua idade (na primeira tira - aquela que “nunca mais vai ver a luz do dia”- ele tinha dezessete anos!) e vestindo uma roupinha de marinheiro. Nas tiras atuais ele tem dez anos de idade.

Naquela época, minha maior inspiração para as tiras era o próprio Edu, mais jovem e irrequieto, sua maneira de ser me forneciam os dados necessários para compor a personalidade do Marcozinho. Por isso credito a ele a coautoria do personagem, pois sem a sua presença e entusiasmo, não teria sido possível a criação das primeiras tiras.

Depois foram surgindo os outros personagens - a pequena Paty era uma coadjuvante das primeiras tiras do Marcozinho, que acabou virando personagem regular no decorrer das histórias, o mano Victor Hugo, o Galapinha (criado em 1991 quardo estava no Japão), a menina Bia, o ratinho Róki (que apareceu numa HQ desenhada pelos gêmeos cartunistas Roberto e Renato Fernandez durante a época que eles bolavam as histórias e gentilmente cedido pra compor o elenco de personagens regulares, o menino Marcinho, pequeno rival do Marcozinho criado pelo Edu, o “Bicho-Papão” (parodiando aquele do Tim Burton no filme “O Estranho Mundo de Jack”), o cãozinho Azeitona e a “turma”, um bando de meninos mais ou menos da mesma idade que acompanha o Marcozinho em algumas histórias.

AS FASES

Dos quatro anos em que estive no Japão (trabalhando como ilustrador comercial), desenhei e mandei as tiras durante um ano e meio para o Edu (até meados de 1991) que me enviava sugestões para as HQs e fazia a aplicação das cores (eu nunca acreditei - nessa época ele fazia a separação das cores manualmente!").

Devido ao aumento da quantidade de trabalho fui obrigado a desistir de enviar novas HQs pro Brasil. Assim mesmo o Edu decidiu continuar a publicação das tiras em parceria com os quadrinistas Roberto e Renato Ferandez, que assumisam a criação e o desenho durante quase dois  anos, realizando um ótimo trabalho, com histórias centradas no personagem Galapinha.

De 1993 até fins de 1994 foi a vez do Edu assumir sozinho a criação e desenhos, promovendo algumas exposições das tiras na Gibiteca de Curitiba e no McDonalds.

A partir de 1995, de volta ao Brasil, reassumi mais uma vez o texto e a arte das tiras, agora com a bagagem profissional que os anos vividos em outro país me conferiram.

Grande parte da existência do Marcozinho, hoje, se deve à persistência e ao carinho dedicado aos personagens pelo Edu, que os manteve “vivos” para os leitores e nunca deixou de acreditar no seu (nosso) sonho.

A você, caro leitor, desejo uma boa leitura e um agradável passeio pelo mundo do Marcozinho nesta coletânea de tiras publicadas no período de 1995 a 1997!".

TAKO X

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Biografia de Tako X publicada no catálogo Guia de Quadrinhos APIQ, maio de 1997:

"Tako X (pseudônimo de Edson Takeuti) é autor da tira Marcozinho & seus Amigos (em Parceria com Edu), publicados desde 1989 na Gazeta do Povo. Na mesma época começa a desenhar sátiras para a revista MAD, num estilo mais caricatural. Após um hiato de cinco anos, quando esteve em Tóquio, no Japão, trabalhando na área de ilustração comercial, retorna ao Brasil em 1994, voltando a assinar as tiras de Marcozinho & Seus Amigos e colaborando com a MAD. Atualmente mantêm um estúdio de ilustração em Curitiba".

Agradecimentos ao amigo João Antonio Buhrer.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Os Fradinhos - 1974


Os Fradinhos de Henfil (Henrique de Souza Filho, 1944-1988) estrearam na revista Alterosa (MG) em julho de 1964. Com o surgimento de O Pasquim, em 1969, assumiram lugar de destaque na publicação semanal, sendo uma das seções mais importantes e divertidas do jornal.

Em 1973, Henfil, que era hemofílico, decide se mudar para os Estados Unidos para buscar tratamento médico, mas também com o firme propósito de ingressar com suas criações em algum dos grandes syndicates (distribuidores de material jornalístico) norte-americanos.

Apesar de não ter muitas perspectivas e nenhuma proposta concreta, Henfil estava bastante animado com sua viagem e, numa longa entrevista concedida à revista O Grilo nº 48 antes de sua partida, deu as seguintes declarações: 

"Não, para os Estados Unidos eu vou em condições muito adversas porque eu vou sem nada, não sei o que me espera lá, não sei falar inglês, não tenho onde morar e vou com o dinheiro que eu ganho no Brasil, que lá nos Estado Unidos não significa nada. (...) Eu vou para lá como um cara que vai para as redações mostrar o desenhinho, como um cara que está começando. (...) Então esse aspecto me preocupa demais. E mais ainda, eu já falei nisso: eu quero atingir todas as cidades brasileiras com o Zeferino, por exemplo, ou com o Fradinho. Como é que vou enfrentar a concorrência da King (Features Syndicate)? Eu tenho que ir pra King. Ela implantou um esquema, que só mudando muita coisa pra conseguir tirar, a não ser que haja uma lei muito forte de proteção de história em quadrinho nacional que obrigue a publicar entre dez tiras de desenho estrangeiro uma nacional, como tem o desenho animado, e ainda assim a King ainda seria a maior. Ela ainda teria as dez; é a única. Então eu vou lá para a King porque aí eu vou atingir qualquer cidade brasileira. Então há um plano maior por detrás disso tudo, inclusive pra realizar tudo desenho animado, tiras em quadrinho, histórias em quadrinho, charges. Os jornais publicam mais charges tiradas de jornais americanos do que charges publicadas no Brasil, feitas por brasileiros. Cito o exemplo concretos no Jornal do Brasil eu fazia uma charge sobre os Estados Unidos, o Jornal do Brasil tinha o maior problema pra publicar e acabava não publicando, mas publicava três charges muito mais violentas saídas dos Estados Unidos, tiradas de jornais norte-americanos. Eu não entendia. Então vou pros Estados Unidos, faço essas charges e mando pro JB. Precisa ter a chancela do New York Times debaixo. Esse problema é sério e tem que ser enfrentado, e rápido, porque eu não tenho sessenta anos de vida pela frente pra chegar e lutar contra um esquema desse, fundar um sindicato de história em quadrinhos pra conseguir não sei o quê, em condições adversas".

Com o contato de um dos donos do Universal Press Syndicate nas mãos, Henfil conseguiu ser aprovado pela distribuidora com as tiras de Os Fradinhos (Mad Monks em inglês). Apesar do trabalho de Henfil ser muito mais sarcástico e violento do que a média das tiras distribuídas por todos os outros syndicates, a Universal Press tinha a intenção de conquistar mercado com materiais diferentes e inovadores, daí a aceitação dos Fradinhos pela empresa.

Henfil preparou dezenas de tiras, e embora muitas tivessem sido devolvidas por serem consideradas impublicáveis, The Mad Monks estreou em dez jornais norte-americanos, entre eles o Chicago Tribune, o Philadelphia Enquirer, o Detroit News e o Toronto Sun do Canadá, em 13 de novembro de 1974. O Fradim Cumprido recebeu o nome de King Size e o Fradim Baixinho passou a chamar-se Runt (Nanico).

Mas, apesar da aparente boa recepção das tiras, os leitores dos jornais sentiram-se indignados com o material de Henfil, classificando-o como antiamericano, anti Deus e outros adjetivos desabonadores. Os jornais foram pouco a pouco cancelando a publicação dos Mad Monks, e dos dez jornais iniciais, dois deles sequer chegaram a publicar as histórias por considerarem-na "doentia". A série deixou de ser publicada em fevereiro de 1975, apenas dois meses depois de seu lançamento (o contrato era de dez anos, mas em média os cartunistas assinavam um contrato para 22 anos.

Pouco a vontade com a proposta do syndicate de tentar uma outra tira ou uma charge editorial, Henfil rescindiu seu contrato e, desgostoso com as expectativas frustradas, retornou ao Brasil.


Acima, estreia dos Fradinhos na revista Alterosa, 1965.

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Em um depoimento à revista O Bicho nº 2, de março de 1975, Henfil mostrou um contrato padrão apresentado aos cartunistas pelos syndicates e que pode ser lido a seguir:

O CONTRATO

Este é um resumo do contrato "standard” que os sindicatos oferecem aos seus cartunistas:

1. O cartunista entregara ao Sindicato 6 tiras semanais em preto e branco e 1 em cor para as edições dominicais. Deverá ser mantido, durante a duração do contrato, a qualidade e o padrão do trabalho que foi submetido e aceito pelo sindicato.

2. EXCLUSIVIDADE. PREFERÊNCIA.

O cartunista não poderá, sem licença escrita do Sindicato, desenhar, consentir que seja desenhado (sob seu nome ou outros nomes) ou assessorar a produção de qualquer trabalho similar (mesmo em aparência) com a tira contratada para publicação dentro dos EUA ou fora.

NOTA: Consegui tirar O Brasil da jogada.

O Sindicato terá preferencia sobre qualquer proposta que o cartunista receber para fazer outros trabalhos sindicalizáveis. O Sindicato terá 90 dias para se definir. Por um período de dois anos após a expiração do contrato. O Sindicato permanecerá com esta preferência.

NOTA: Consegui passar o prazo de 90 para 30 dias e se acrescentou: O cartunista não tem obrigação de aceitar uma proposta feita pelo sindicato.

3. DIREITOS  CONCEDIDOS AO SINDICATO.

a) O Sindicato terá todos os direitos autorais, propriedade e direito de exploração do material (incluindo, sem limitações, os desenhos, continuidades, ideias, formato, temas, personagens e caracterizações). Tem também o direito exclusivo de copiar, imprimir, reinprimir (imprimir de novo, desculpem!) publicar (como agente ou principal) produzir, reproduzir, exibir (cinema, TV, teatro) este material em qualquer que sejam as formas ou os meios.

Mais: pode transformá-lo de uma forma para várias outras. Pode traduzi-lo para outras línguas. Dramatizá-lo. Transmitir por rádio, gravação, TV ou por qualquer outro meio e método de transmitir ou entregar ideias, sons, palavras imagens ou desenhos. Pode apontar um agente ou agentes para explorar um ou mais dos direitos concedidos. O cartunista deverá preparar todo o material que o Sindicato achar necessário para a execução disto tudo aí.

NOTA: O Sindicato esqueceu de uma coisinha só, mas eu não esqueci não, e taquei lá: estes direitos só serão exercidos com a aprovação do cartunista, que terá direito de veto.

b) O Sindicato atuará como exclusivo representante do cartunista nas "aparições" pessoais ou serviços pessoais, tais como entrevistas em rádio, TV e jornais, "aparições" em anúncios ou produtos etc.

Estas apresentações dependerão da aprovação do cartunista que não deverá se recusar irracionalmente ou arbitrariamente. Todo convite que o cartunista receber deverá ser comunicado ao Sindicato.

NOTA: taquei lá: tudo isto só se aplicará se se tratar de aparições referentes à tirinha Mad Monks.

c) USO DO NOME

O cartunista concede ao Sindicato ou seus apontados,agentes, sucessores, o direito de usar seu nome, foto e biografia pára promoção, comércio e propaganda da tirinha. Autorização do cartunista será pedida e esta não deverá ser negada arbitrariamente.

4. FALHA NA ENTREGA

a) Se o Sindicato achar que um desenho não estã apropriado para publicação este será devolvido para o desenhista que deverá revisá-lo e reapresentá-lo.

Em caso de inabilidade (devido a incapacidade, morte etc.) ou de falha do cartunista em submeter um trabalho apropriado para publicação, o Sindicato terá o direito de contratar outros para a preparação da tira. O Sindicato descontará da renda do cartunista todas as despesas feitas com o artista substituto.

NOTA: consegui colocar lá que o substituto teria que ser aprovado pelo cartunista. Não é nada, mas dá pra ficar desaprovando substitutos por anos...

b) O cartunista garante que o material submetido, desde o nome,diálogo, desenho etc., é novo e original. Garantirá ainda que seu trabalho não conterá libelos ou material contra leis.

Em caso de processo movido por pessoas prejudicadas, as despesas serão divididas pela metade. O cartunista não participará das despesas se o processo decorrer do material MODIFICADO pelo Sindicato.

6. PAGAMENTO AO CARTUNISTA

O Sindicato pagará ao cartunista no vigésimo dia de cada mês, 50% da renda líquida das vendas (deduzidos os custos dos direitos autorais, gráfica e outras despesas necessárias para a difusão e distribuição).

7. PAGAMENTO AO SINDICATO

O cartunista pagará ao Sindicato 10%, toda vez que receber por "aparições” pessoais ou serviços relacionados com a historinha.

8. TEMPO DE DURAÇÃO

a) Este acordo tem a duração de 10 anos e poderá ser automaticamente renovado por mais 10 anos, se nos últimos 2 meses dos primeiros 10 anos a renda bruta for em média 2 mil dólares.

NOTA: consegui mudar para 5 + 7 anos.

b) Se a renda do cartunista, em qualquer mês for menos de 200 dólares por semana (800 por mês), o contrato poderá ser cancelado por qualquer das partes. Mas o Sindicato poderá continuar o contrato, desde que complete os 800 dólares mensais necessários para o funcionamento do acordo.

d) Terminado o contrato, todos os direitos comerciais e autorais sobre a tirinha serão devolvidos ao cartunista.

Para saber mais sobre Henfil, clique aqui.

Agradecimentos aos amigos Quim Thrussel, Gazy Andraus e  Allan Holtz.