terça-feira, 29 de outubro de 2019

José Lanzellotti - 1926-1992

A reportagem a seguir foi publicada na revista Manchete de 12 de junho de 1971 (nº 999) e fala sobre a carreira do grande ilustrador e quadrinhista José lanzellotti. Em seguida poderemos ler uma pequena biografia elaborada por Jussara Lanzelloti, sua filha. Aproveitem!
À esquerda, página de Raimundo, o cangaceiro, nº 2, editora Pan Juvenil, 1966. À direita, ilustração de Lanzellotti para o livro A Técnica do Desenho, de Jayme Cortez, editora Bentivegna.

JOSÉ LANZELLOTTI PERCORREU TODO O INTERIOR DO BRASIL E FEZ UM RIQUÍSSIMO LEVANTAMENTO DE TIPOS, COSTUMES E OBJETOS DE ARTE POPULAR.

O DEBRET DO SÉCULO 20

José Lanzellotti é um artista singular. Nascido em São Paulo, descobriu ainda adolescente a sua vocação de pintor. Era essa, como ainda hoje, uma época de muitos ismos, todos internacionais: cubismo, abstracionismo, concretismo. Desprezando as figuras, os pintores se refugiavam na geometria, ou então realizavam obras baseadas unicamente na imaginação. Lanzellotti, tão humilde quanto obstinado, preferiu pintar a realidade. Para fazê-lo, tornou-se uma espécie de pioneiro dos hippies. Mochila às costas, viajou a pé, de jangada, carro de boi e trem. Assim correu o Brasil de ponta a ponta, evitando as grandes capitais. Nas pequenas cidades do interior e nas aldeias indígenas, foi construindo uma fabulosa coleção de pranchas nas quais, a nanquim e a cores, aparece reconstituído em seus mínimos detalhes o Brasil autêntico, com as roupas típicas do povo, suas armas e utensílios indígenas, as festas folclóricas.

O resultado de todos êsses anos de pesquisa e trabalho tem grande valor artístico e também científico, pois representa o mais completo levantamento etnológico e de costumes de nosso país, neste século. Uma única vez Lanzellotti se apresentou ao público, em exposição organizada em São Paulo pelo escritor Afonso Schmidt. Encantado com os desenhos-documentários, Schmidt definiu Lanzellotti numa frase que dá bem a idéia do valor de seus trabalhos: “Ele é o Debret do Século 20.” Agora, suas pranchas serão divulgadas em luxuoso álbum patrocinado pelo Conselho Estadual de Cultura de São Paulo. Um público constatará, desta forma, que Lanzellotti conseguiu tornar verdadeira a frase de Monteiro Lobato, que adotou por lema: "A arte, quanto mais nacional, mais internacional se torna".
Acima: José Lanzellotti em seu estúdio, vaqueiro nordestino em jaleco e gaúcho com poncho de verão.

José Lanzellotti estava com 17 anos em 1949, quando foi organizada uma expedição ao Roncador-Xingu, chefiada pelo Dr. Silvio Greco, um médico que ia ao encontro dos Irmãos Villas-Boas. Do grupo faziam parte engenheiros, médicos, sanitaristas e fotógrafos. Faltava um desenhista. Por intermédio do fotógrafo João Ficker. Lanzellotti conseguiu o lugar de documentarista. A viagem foi fascinante. Com o bico-de-pena, ele transportou para pranchas a estrutura da arquitetura das malocas indígenas, os traços e a arte da cerâmica, da escultura, as armas e utensílios fabricados pela técnica milenar dos índios. Desse material, parte se perdeu num naufrágio, lá mesmo no Xingu, e o resto ficou com o chefe da expedição. Entretanto, alguns esboços em papel de seda ficaram com o autor.

Depois dessa primeira viagem, Lanzellotti ficou convencido de que era possível realizar a mais completa documentação etnológica e de costumes do Brasil. Com essa decisão, saiu pelo país, mochila às costas. Pacientemente estudou as manifestações artísticas do povo, seus costumes, e as diversas peculiaridades regionais. Procedia como Villa-Lobos, que convivia com índios e caboclos para aprender, deles, a arte tropicalista autêntica, sem as deformações cosmopolitas da arte das grandes cidades.

Um dia o dinheiro acabou e ele teve que parar. Faminto e em andrajos, veio viajando por favor até chegar ao Rio, onde conheceu o Professor Darci Ribeiro, do Museu do Índio. Este, após examinar os trabalhos do documentarista, declarou que era excepcional a qualidade das pranchas. Alguns dias depois, no entanto, numa , crítica objetiva e honesta, lembrou a Lanzellotti que há grande diferença entre o documentário e a arte. Na arte, o que é exótico se mistura com o que vem do gôsto estético do criador, enquanto o documentário exige que o artista se submeta a um critério científico rigoroso. O Professor Ribeiro ensinou a Lanzellotti um método para a realização de seu trabalho, dando-lhe livros de etnologia e folclore para que pudesse aprofundar mais seus estudos e observações.
Acima: índio da região sul de Mato Grosso e a jangada nordestina.

Nessa ocasião, Lanzellotti expôs os seus desenhos-documentários na antiga Galeria Lotis Seavers, de São Paulo. O objetivo da exposição era chamar a atenção das autoridades para seus trabalhos, a fim de completar uma pesquisa sistemática em todo o país, coisa que somente poderia fazer com ajuda financeira. Todos os que viram a exposição, a começar pelo escritor Afonso Schmidt, foram unânimes em reconhecer na obra de Lanzellotti o equivalente da obra de Debret no século 20. Os mínimos detalhes dos trajes, técnicas artesanais, artes, folclore, danças, costumes e até alimentos ou técnicas de preparação de alimentos estavam definidos nos traços finos de nanquim, documentando um Brasil dos nossos tempos como nenhum outro artista conseguiu fazer.

Apesar de ter vendido todas as pranchas que expôs e apesar dos esforços de Afonso Schmidt, o artista não conseguiu impressionar nenhum gabinete governamental. Contudo, o Professor Darci Ribeiro veio mais uma vez em seu auxílio. Graças a ele, Lanzellotti conseguiu recursos para pesquisar e, tendo acesso ao Museu do Índio, pode documentar todas as peças ali existentes, como arte plumária, armas, cerâmica etc. Mais tarde, o Professor Herbert Baldun lhe franqueou o Museu do Ipiranga, de São Paulo, de que era diretor. Para que o artista complementasse o trabalho iniciado no Museu do Índio, foi designada a etnóloga Vilma Chiara para orientá-lo.

Em 1956, Lanzellotti se casou e teve que abandonar as viagens para sustentar a família. Assim terminava a sua grande aventura pelas estradas do Brasil. Recentemente, parte de suas pranchas foram adquiridas pelo Conselho Estadual de Cultura de São Paulo. Elas serão publicadas em luxuoso álbum que terá texto do Professor Maynard de Araújo. De qualquer forma, ele conseguiu aquilo que pretendia desde jovem, isto é, ter uma visão nacional da arte. Além dos documentários, ele é também pioneiro das histórias em quadrinho em nosso país, tendo criado o personagem Raimundo, o Cangaceiro, que acabou sendo transformado em figura mitológica no sertão, a ponto de Vitalino reproduzi-lo em bonequinhos de barro que se vendiam rápidamente na feira popular de Caruaru, Pernambuco.

Com extraordinária riqueza de detalhes, José Lanzellotti reconstituiu o Brasil de hoje. Suas pranchas representam uma vasta coleção na qual esse Brasil aparece em nítidas imagens. Ele fez o levantamento dos objetos (esculturas, máscaras, cerâmica) fabricados por tribos indígenas. Fixou também, em cores, alguns exemplos da técnica popular, como a jangada nordestina, a casa sobre palafitas da região amazônica e a barcaça com carranca da região do rio São Francisco. Do Brasil humano também nos dá retratos fidelíssimos, mostrando o tipo físico e os trajes típicos do gaúcho, do vaqueiro nordestino, do cangaceiro, da baiana com tabuleiro etc. Ainda que sua obra seja considerada simplesmente fabulosa, ele lamenta não ter podido (faltou dinheiro) fazer o levantamento sistemático e completo do Brasil inteiro. Mas, em suas andanças, observou pacientemente os diferentes Brasis que se apresentam em pelo menos dez estados. Tal como Debret, sua obra tem valor artístico, histórico, etnológico e folclórico. Sua curiosidade, transformada em pranchas coloridas, abrangeu, em cada cultura visitada, das danças aos rituais religiosos, da arquitetura primitiva à cerâmica utilitária.

Os tipos físicos e os trajes típicos das diversas regiões brasileiras foram também reproduzidos com rigor científico. Lanzellotti vai ter sua obra reproduzida em luxuoso álbum que está sendo feito em São Paulo.
À direita, model-sheet para o filme animado Canta Brasil, reproduzido no livro Anos 50 - 50 anos, de Álvaro de Moya, editora Opera Graphica, 2001. À direita, página de Lanzellotti para a revista Curupira nº 1 da editora Bentivegna, 1967.

Um pouco sobre a vida de José Lanzellotti:

Lanzellotti, filho de Bartholomeu Lanzellotti e Filomena Lanzellotti. Nascido em 21 de julho de 1926 na cidade de São Paulo-capital. Viajou por todo o Brasil em pesquisas folclóricas e das raízes culturais do nosso povo. Em 1949 (19 anos) fez parte da expedição Roncador-Xingu, com os irmãos Villas-Boas, de onde resultaram vários trabalhos de análise e documentação da cultura indígena.

Autor de diversos livros sobre etnologia. Desenhista, pintor, escultor, cenógrafo, figurinista de teatro, cinema e televisão, trabalhou e colaborou em diversas editoras. Participou também de exposições de pintura.

Seu nome consta dos melhores dicionários de artistas plásticos, assim como: 
  • Dicionário do MEC em 4 volumes;
  • Dicionário de Roberto Pontual;
  • Dicionário de Pedro M. Bardi;
  • Mestres da Ilustração de Jayme Cortez;
  • The Word encyclopedia of Comic - Maurice Horn, 1977;
  • História de Los Comics - fascículo 44 - texto de Álvaro de Moya - Toutain Editores, 1982;
  • Enciclopédia dos Quadrinhos - Goida - L&PM Editores.

Dentre suas realizações podemos mencionar:
  • Índios e arte indígena - Documentário de etnologia com 150 desenhos em cores;
  • O roteiro do filme Canta Brasil (desenho animado);
  • Oeste abandonado, documentário da vida cabocla desenhada em cores com 100 pranchas;
  • Trajes típicos do Brasil, documentário em cores com 120 pranchas;
  • Antologia Ilustrada do Folclore Brasileiro, com 640 desenhos em preto e branco;
  • Ilustrou o Atlas de Educação Moral e Cívica do Ministério da Educação e Cultura - Jarbas Passarinho.

Lanzellotti se apresentou ao público, em exposições organizada em São Paulo pelo escritor Afonso Schmidt. Expôs os seus desenhos, documentários na antiga Galeria Lotis Seavers, de São Paulo.

E além dos documentários, ele era pioneiro das histórias em quadrinhos em nosso país, tendo criado o personagem Raimundo, o cangaceiro, que acabou sendo transformado em figura mitológica no sertão, a ponto de Vitalino reproduzi-lo em bonequinhos de barro que se vendiam rapidamente na feira popular de Caruaru, Pernambuco.

Participou em abril/2000 (já falecido) da exposição Senhores da Terra no Museu Histórico e Pedagógico Índia Vanuire da cidade de Tupã.

Para Lanzellotti, seu trabalho mais importante, foram as ilustrações do Livro Brasil, histórias costumes e lendas, da Editora Três. Foi quando Lanzellotti teve o maior desgosto de sua vida e nunca mais quiz pintar ou desenhar. O editor Domingo Alzugaray, em uma das edições, resolveu tirar as assinaturas e o nome de Lanzellotti como ilustrador. Lanzellotti recorreu, mas foi injustiçado. Foi o fim da vida como artista para o nosso tão querido Lanzellotti, que tanto trouxe cultura para o nosso Brasil.

Em 1992, José Lanzellotti foi assassinado dentro de sua própria residência em São Paulo.

Lanzellotti ilustra capas de revistas de terror da editora La Selva.

sábado, 19 de outubro de 2019

A nacionalização dos super-homens - 1963

Brasil, Urgente foi um semanário lançado pela editora Veritas em 1963. Com direção de Roberto Freire era um jornal de caráter progressista e que veiculava notícias de cunho social. Legalista, apoiava a presidência de João Goulart. Em uma de suas edições veiculou a matéria abaixo. Apesar de um pouco datada, mostra bem o clima turbulento do período e a luta sempre presente do quadrinhista nacional por espaço nas publicações brasileiras, além de falar bastante da lei de nacionalização dos quadrinhos discutida na época e os tipos de propostas que estavam sendo cogitadas a esse respeito. Leiam a seguir:

A NACIONALIZAÇÃO DOS SUPER-HOMENS - ZÉ CARIOCA E MICKEY TAMBÉM LEVAM DIVISAS

Os editores das 180 revistas de histórias em quadrinhos que circulam no Brasil vão ter que despedir 60% dos seus heróis importados: até janeiro de 1966 dois terços das historietas devem ser nacionais.

Reagindo conta o decreto de nacionalização das historietas, editores estão preparando o relançamento de velhas histórias nacionais já pagas e já publicadas há muitos anos.

DÓLAR VAI

A tira diária de uma história em quadros custa atualmente um dólar. A história já se pagou é já deu muito lucro em seu país. As cópias são então distribuídas para o mundo e continuam rendendo dólares. E até bem pouco tempo o desenhista nacional não conseguia colocar suas historietas nos jornais nacionais: as editoras davam preferência às historietas importadas, por serem muito mais baratas.

IDEOLOGIA VEM

As histórias importadas apresentam situações totalmente diversas das existentes no Brasil. E muitas delas estão impregnadas de ideologia, de propaganda, de filosofia materialista de sexo e de banditismo.

Uma das tiras divulgadas no Brasil é a do personagem Steve Canyon desenhada por Milton  Caniff. Essa historieta é financiada pelo Departamento de Estado norte-americano para divulgar propaganda  favorável aos Estados Unidos. Mas no Brasil não é publicada de graça: custa o mesmo dólar que as outras.
O DESENHISTA

O desenhista nacional é considerado pelas próprias editoras como capaz de produzir boas histórias, bem desenhadas. Muitas empresas  empregam elementos brasileiros como desenhistas de histórias que saem com assinaturas de estrangeiros. A revista Fantasma foi durante algum tempo inteiramente  produzida por um funcionário da O Cruzeiro, o desenhista Getúlio (Delphim).
Em São Paulo, a Editora Abril tem sob contrato o desenhista (Waldyr) Igayara, que refaz desenhos para Pato Donald e Zé Carioca. Inicialmente, quando do lançamento desta segunda revista, a Abril tinha um argumentista e a história era produzida e desenhado no Brasil. Nesse periodo Zé Carioca aparecia jogando futebol e andando nas ruas de São Paulo. O argumentista, porém, demitiu-se da empresa. Em lugar de contratar outro, a Abril passou a comprar nos Estados Unidos historietas do Camundongo Mickey e o desenhista Igayara desenha o Zé Carioca e o cola por cima do personagem original. Para fazer isso a Abril paga royalties dobrados à Walter Disney Production: pela história e pelo uso do personagem Zé Carioca. Nenhuma adaptação é feita na historieta: o Zé Carioca joga beisebol e masca chicletes. Para os sobrinhos do Mickey (dois ratinhos qua acompanham quase todas as aventuras do camundongo) Igayara criou dois pequenos papagaios.

HISTÓRIA

Há 10 anos os desenhistas nacionais vêm tentando conseguir do governo medidas de proteção às historietas brasileiras. O primeiro movimento coletivo nesse sentido foi lançado em 1952 com a fundação da Associação Paulista de Desenho, integrada por Reinaldo de Oliveira, Álvaro Moya, Jayme Cortez e Miguel Penteado. Um dos objetivos da Associação era conseguir que o desenhista ganhasse em cada exemplar vendido (inclusive o desenhista de capa de livros: o escritor ganha em cada exemplar vendido e o capista recebe apenas uma vez).

CONCORRÊNCIA

A criação de uma consciência nacional e o surgimento de bons desenhistas e argumentistas levou alguns jornais a comprar historietas de autores brasileiros. Eles tiveram que vender a preço vil suas histórias porque os jornais argumentavam principalmente com o preço do dumping das historietas norte-americanas. A alta do dólar melhorou um pouco a situação dos nacionais mas eles não tem condições de enfrentar a concorrência estrangeira, que inclusive dá histórias ruins para a publicação gratuíta (A Gazeta de São Paulo publicou durante algum tempo três tiras que o King Features lhe forneceu gratuitamente). Há ainda a instituição do “envelope”: para o comprador de um certo número de histórias o distribuidor  norte-americano fornece um envelope com piadas, curiosidades e outras historietas (Pafúncio e Marocas foram fornecidos algum tempo dentro do “envelope”).

A solução era a nacionalização. O Ministro da Educação estudou o problema e o encaminhou, na gestão do ministro Paulo de Tarso ao presidente da República. O próprio Ministério da Educação está atualmente cuidando de organizar os desenhistas para o fornecimento das historietas. Em São Paulo, Reinaldo de Oliveira, um dos maiores conhecedores de histórias em quadrinhos no Brasil, foi indicado ao ministro Paulo de Tarso para organizar a classe.

PIONEIRO

Uma editora de São Paulo especializou-se na publicação de histórias de autores excisuivamente nacionais (o que ajudou à criação da ADESP): a Editora Outubro, em sua primeira fase, quando era dirigida por Miguel Penteado, ex-diretor da Associação Paulista de Desenho. A Outubro foi pioneira no Brasil: editava 40 revistas de historietas totalmente nacionais. A Associação fechou suas portas sem ter conseguido seus objectivos.

ADESP

Em 1961 a idéia renasceu e os desenhistas de São Paulo criaram a Associação dos Desenhistas do Estado de São Paulo. Eles elaboraram um plano de fornecimento de histórias para pequenos jornais do Interior do Estado encaminhando os clichês das histórias (poucas cidades têm clicheria) e recebendo-os ao final da publicação. Esses mesmos clichês seriam então encaminhados a outros jornais e a mesma história poderia ser vendida várias vezes.  Divergências internas e o envolvimento de seu presidente pelo King Feature Syndicate  (distribuidor da maioria das histórias americanas no Brasil) fizeram com que a segunda associação de desenhistas paulistas também fechasse. Antes, porém os  desenhistas iniciaram um movimento de nacionalização, tendo o sr. Jânio Quadros renunciado em vésperas de assinar o decreto (que já estava pronto).

O GRUPO DO SUL

Durante o funcionamento da ADESP um grupo de desenhistas foi contratado pelo sr. Leonel Brizola para produzir revistas com historietas nacionais no Rio Grande do Sul (CETPA). Organizados por José Geraldo os desenhistas produziram algumas revistas mas tiveram que enfrentar a reação dos distribuidores estrangeiros e a falta de compreensão dos propietários de jornais. O grupo do Rio Grande do Sul está ainda na fase de destruição, fazendo historietas que ironizam as historietas norte-americanas. Algumas coisas boas foram lançadas no Rio Grande do Sul: a revista Aba Larga é uma delas.
DESINTERESSE

Os diretores de jornais são descrentes (e também desinteressados): a maioria deles não compra historietas brasileiras porque não acreditam que possam ser boas. Essa atitude, típica de país subdesenvolvido, é fortalecida pela inconstância de alguns desenhistas que, pressionados por necessidades financeiras, são obrigados a interromper a historieta para ganhar alguma coisa em bicos de menor importância mas de paga maior. Além disso, há o temor de desagradar ao distribuidor norte-americano, que pode passar a dar preferência aos concorrentes (os grandes distribuidores mantêm cronistas, colunistas, distribuem fotos e reportagens curiosas).

O BOM

Muitas das historietas norte-americanas publicadas no Brasil são feitas por excelentes desenhistas e argumentistas. A melhor delas é Ferdinando, de Al Capp. Essa historieta ironiza o “american way of life”: os Buscapé são dominados pela mãe (o matriarcado americano); a luta por um marido, no estilo “agarre seu homem”, aparece durante a corrida de Maria Cebola; o herói é bonito e burro, como na maioria das fitas românticas norte-americanas. O materialismo capitalista também é ironizado. Al Capp mantém uma posição de equidistância: em suas historietas há também  críticas às deficiências do comunismo, numa dessas historietas o personagem é levado a explicar porque há favelas nos Estados Unidos e belíssimos presídios; ele esclarece: os presídios são para prender os criminosos que surgem nas favelas.
Na mesma história o aparelho em que Ferdinando está sobrevoa a fronteira da Rússia: há duas linhas de guardas, uma com a frente para o país, outra de costas. Ferdinando explica: uns estão de costas para não deixar ninguém entrar, outros estão de frente para não deixar ninguém sair.
O decreto de nacionalização permitirá que fiquem as boas histórias e as ruins sejam substituídas por historietas nacionais.

O QUE SE FAZ

Além do grupo do Sul, remanescentes da ADESP já estão fornecendo historietas para jornais nacionais. Mauricio de Sousa é o que mais produz, mas suas historietas demonstram forte influência americana: Bolinha e Luluzinha, Brucutu e Ferdinando e um personagem da revista Pingo de Gente, (Porquinho, o menino que não toma banho é idêntico ao Cascão, do Cebolinha). Outras fornecem  historietas para o jornal A Nação, mas em todos a influência norte-americana é  muito forte: os personagens vivem no Brasil mas agem como meninos americanos. Verdadeiramente nacional é o Pererê e sua turma, todos saídos do folclore e das histórias de índio.

A FOTONOVELA

Um aspecto deixou de ser focalizado no decreto de Nacionalização: as fotonovelas. A revista de maior circulação no Brasil é uma revista de fotonovelas italianas e argentinas: Capricho. Essas histórias são geralmente primárias e deseducadoras. Um novo decreto viria solucionar esse problema, inclusive com a orientação direta do Ministério da Educação na produção das fotonovelas nacionais, que podem ser bem feita (há exemplos: uma revista de fotonovelas publicou O Morro dos Ventos Uivantes, com fotografias e cenários bem cuidados).

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Os Vampiristas - O Jornal - 1972

Em março de 1972 estreava no periódico carioca O Jornal a tira Os Vampiristas.

Criada pelo hoje internacionalmente conhecido escritor Paulo Coelho, em parceria com Adalgisa Rios, na época sua namorada. A série fazia humor com o cotidiano de um vampiro e seu incontrolável apetite por sangue.

Sintomaticamente em 1978, o escritor compôs com Raul Seixas a música Magia do Amor, em homenagem ao Conde Drácula e o primeiro livro de Paulo Coelho chamou-se justamente Manual Prático do Vampirismo, mas este acabou sendo recolhido das livrarias a pedido do próprio autor.

Os Vampiristas foram publicados também na revista Pipocas nessa mesma época.
 

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Meia Dose - A Notícia - 1973

Meia Dose, de Redi, falava com humor do desenrolar da vida em uma comunidade carioca. Publicada em 1973 no jornal A Notícia. Meia Dose era o estereótipo do malandro e contracenava com Zenilde, sua companheira, e outros personagens do morro, como Raticha, um atirador.

Na revista O Bicho (editora Codecri, 1975), onde foi republicada, podemos ler:

"Essa figura já notória, facilmente identificável por suas entradas nas fotonovelas do Pasquim, é o Silvio Redinger, que atende pela alcunha de Redi. Quem vê o desenho leve do Redi, não imagina que ele tenha por trás tanta informação das barras do baixo-mundo. Filho de austríaco com polonesa, Redi nasceu na Beneficência Portuguesa (daqui), foi boy de firma, vendedor de miudezas a domicílio, complementador de quadrinhos (que vem do exterior em provas couchê e são remontados para o formato das 'nossas' revistas) e desenhista de propaganda. Aí pintou o humor na cuca do Redi e ele começou a acontecer na imprensa, fazendo charges, cartuns e, há dois anos, quadrinhos. Local da ocorrência: A Notícia, que vive da reportagem policial. Daí que o personagem do Redi estava em casa. Pois ele é isso que vocês vão ver".

Sobre o autor, na Wikipedia: "Silvio Redinger (Rio de Janeiro, c. 1939 — 14 de fevereiro de 2004) foi um cartunista e ilustrador brasileiro. Assinava-se Redi.

Já em 1958, com apenas 18 anos de idade, trabalhando na Bloch Editores, produzia a contracapa da revista Manchete Esportiva. Publicou cartuns no Pasquim e na Última Hora. Fez diversos trabalhos na TV Globo. Ilustrou o livro Humor Judaico de Moacir Scliar e o conhecido cardápio do La Mole. Foi o ilustrador mais prolífico do Gip-Gip Nheco Nheco, do Ivan Lessano pasquim. Estava radicado nos Estados Unidos desde os anos 80. Redi trabalhou no New York Times, assinando as duas únicas charges publicadas na capa do jornal desde a sua fundação.

Recebeu medalha de ouro do XV PRÊMIO COLUNISTAS NACIONAL de 1982, na categoria Campanha de menos de 60 cm, Série Cartum".

Redi na Manchete Esportiva - 1958.