sexta-feira, 31 de maio de 2019

O Fogo Através dos Tempos - 1959

O Fogo Através dos Tempos foi uma série produzida pelo pioneiro cartunista potiguar Poti e apresentada no Diário de Natal (Orgão dos Diários Associados) em 1959, contando de forma lúdica a conquista do fogo pelos seres humanos. 

Segundo Gilvan Lira de Medeiros, em seu Trabalho de Conclusão de Curso na UFRN em 2015:

"A produção de histórias em quadrinhos no Rio Grande do Norte tem início em 1959, quando o jornal O Diário de Natal começou a publicar, às terças-feiras, uma página semanal de diversões, dedicada às crianças, com contos infantis, passatempos, poesias, curiosidades e até uma 'Enciclopédia Mirim'. O título desta página era 'Recreio', organizada por Serquiz Farkatt, diretor do Diário Oficial do RN, de 1959 a 1961, e com ilustrações de José Potiguar Pinheiro (1928), mais conhecido como Poti. E foi nesta página que o mesmo Poti começou a publicar uma História em Quadrinhos intitulada 'O fogo através dos tempos', narrando em tiras a história da conquista do fogo pelo homem. Era a
primeira HQ feita por um artista potiguar para um jornal local. Para Anchieta Fernandes (2005), essa é a primeira HQ genuinamente potiguar, publicada no RN".
Poti, no decorrer dos anos, apresentou outras séries nas páginas do Diário de Natal, como por exemplo "O Vento e o Sol", baseada em uma fábula de Esopo.
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Em outubro de 1971 a página "Quadrinhos" publicou a seguinte matéria sobre Poti:

GRUPEHQ REDESCOBRE POTI, O PIONEIRO

É sabido que a cidade de Campina Grande, na Paraíba, foi pioneira para o Nordeste na publicação de revista em quadrinhos quando, com desenhos criados por artistas locais, ali circulou, em 1963, a revista com as “Aventuras do FLAMA”, o mesmo personagem que era divulgado em forma de radionovela numa estação de rádio campinense. Se Campina Grande foi assim pioneira em termos de revista especializada, no entanto Natal já tivera um precursor. O primeiro norte-riograndense a desenhar uma história em quadrinhos e publicá-la em um jornal da cidade.

No ano de 1950 o DIÁRIO DE NATAL publicava, às terças feiras, uma página semanal de diversões, dedicada às crianças, apresentando contos infantis, passatempos, poesias, curiosidades e até uma Enciclopédia Mirim. O título desta página era RECREIO, desenhado em alto estilo com o uso do normógrafo, e a coisa era organinada por Serquis Farkatt e com ilustrações de POTI. E foi nela que o mesmo POTI desenhou a primeira história em quadrinhos feita pela prata de casa e publicada aqui mesmo: O FOGO ATRAVÉS DOS TEMPOS, narrando em episódios (tiras) a história da conquista do fogo pelo Homem. Ainda muito jovem na época, POTI, muito embora seu traço fosse hesitante, já demonstrava fértil imaginação, oscilando entre a narração e a ilustração documentária, a sua versão do progresso tecnológico da humanidade é bastante original, partindo do presente eufórico (o homem fumando um cigarro) para o passado de dificuldades (o homem tentando adquirir fogo, a muito custo). Une então espaço-temporalmente, já no segundo quadro, o presente ao passado, fazendo com que as duas figuras do homem pré-histórico e do homem contemporâneo se confrontem no mesmo quadro. E isso sem precisar de apelar para nenhuma magia futurológica de “máquina do tempo”, porque sai-se inteligentemente no enredo, ao adotar uma lógica própria, desvestindo no terceiro quadro o homem contemporâneo de suas roupas do século XX e tirando-lhe o cigarro. E é aqui também que se pode notar o recurso/surpresa do desenhista pedindo desculpas ao personagem por tirar-lhe o cigarro da boca, porque era algo que não poderia haver na idade da pedra. Muito bem bolado, como se vê, o ritmo narrativo de nossa primeira história em quadrinhos, publicada em jornal da cidade no velho sistema de estereotipagem e clicheria.

QUEM É POTI 

Naquéles bons tempos, em que o DIÁRIO DE NATAL custava apenas Cr$ 4,00 (quatro cruzeiros antigos, valor não compatível com a atual moeda brasileira, pois equivale a menos da metade de Cr$ 0,1 (um centavo), a menor fração do nosso cruzeiro, hoje) os leitores habituais se acostumaram a identificar a produção de POTI, não só nas páginas RECREIO como também nas charges dominicais n'O POTI. Por trás daquela original assinatura — de olhos formados com as letras "e" e "i" e nariz com as letras "p" e "t" — estava o bancário de hoje, José Potiguar Pinheiro, 43 anos, casado, três filhos, professor de desenho no Ginásio “Amphilóquio Câmara” e no “Winston Churchill” (além de ter sido professor de igual matéria no “Sete de Setembro” e outros estabelecimentos) e trabalhando no BANCALDO (Banco Comércio e Indústria Norte-riograndense S.A.). Mas fora dessas atividades é o mesmo POTI de sempre.

Tendo desde menino se interessado pelos quadrinhos, deve ser mencionado o fato de que ele já foi possuidor de verdadeiras preciosidades.

Aos 12 anos (1940) se deixava empolgar pela leitura das histórias de Ferdinando, Mandrake, O Rei da Polícia Montada, O Espírito — personagens que eram publicadas no SUPLEMENTO JUVENIL, no MIRIM, no GLOBO JUVENIL e outras revistas que ele adquiria na AGÊNCIA PERNAMBUCANA, já existente na época e já de propriedade de Luis Romão. Acha agora que aquelas publicações eram mais bem feitas, mais bem cuidadas na apresentação que as de hoje. E cita o fato de que as histórias atuais são vítimas do que se chama, em linguagem técnica, do “drop” — a redução ou sintetização em poucas páginas (duas ou três) para um argumento que antigamente
levava no mínimo dez páginas com mais lógica. Teve de possuir um álbum de FLASH GORDON, uma raridade, de dimensões enormes que, para poder lê-lo, ele estendia-o no chão. Aliás considera Alex Raymond (o criador de FLASH GORDON) o melhor autor em  quadrinhos que já existiu até hoje, gostando, por outro lado, de toda a obra em caricatura de PÉRICLES DO AMARAL (o criador de AMIGO DA ONÇA).

Fomos procurá-lo para um bate-papo e uma tentativa de associá-lo ao GRUPEHQ. Em sua casa da rua Sachet compreendemos porque ele pode falar “de cadeira” sobre o assunto: cercado de livros técnicos sobre desenho, tais como as obras de Andrew
Loomis (“Ilustração Criadora” e “Como se Harmonizam as Cores”) ou obras biográficas sobre o grande criador brasileiro Renato Silva e outros, ele foi elogiando de entrada a iniciativa do GRUPEHQ, “algo diferente no ambiente rotineiro da pravíncia. O suplemento de vocês no jornal está bom. Precisa apenas de mais valores, o que virá com o tempo. Gostei muito do Super Cupim e de DOM INÁCIO, porque não publicaram mais?”.
GRUPEHQ. UM ESTÍMULO

Atualmente, POTI está parado, praticando apenas caricatura nas horas vagas. Mas, pensa em fazer uma história em quadrinhos. “Idéias já tive muitas, mas faltava o apoio dos veículos, a perseverança de luta em equipe que vocês estão tendo. Há anos atrás eu tinha começado a desenhar uma história. Parei num dos quadros e pensei: “Para que estou fazendo isto?”. Agora não. Com o estímulo de vocês do GRUPEHQ o bonde vai tocar pra frente. Já tou bolando aí uma história cujos personagens são um gafanhoto, uma aranha e um saguim, moradores do Morro de Mãe Luíza, e que se juntam a um vagalume faroleiro para, um dia, darem um passeio na praia e conhecerem a cidade. Travam então uma batalha contra um grupo de contrabandistas a aranha se servindo de todas as pernas e patas ao mesmo tempo, uma para jogar faca, outra para atirar de revólver, outra para segurar o braço do inimigo etc. Por fim, montam numa lambreta e sobem de volta ao morro”.

Ao nos despedirmos de POTI, a sua simpatia e seu papo nos convenceu que sua verve e sua criatividade são indestrutíveis em sua personalidade.

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Tenente Wilson - O Poti - 1971

Criado por Luiz Pinheiro para a página "Quadrinhos" do jornal O Poti - RN, Tenente Wilson foi uma série de ficção-científica que contava as aventuras do personagem título, um piloto espacial às voltas com um soro misterioso. Mais um herói lançado pelo GRUPEHQ (Grupo de Pesquisa e Histórias em Quadrinhos), iniciativa potiguar de incentivo aos quadrinhos nordestinos. Nos desenhos, podemos perceber que Luiz Pinheiro mostrava grande influência de Jack Kirby.

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Em sua edição de 3/11/1971 a revista Veja publicou o seguinte artigo sobre o Tenente Wilson:

De Natal a Urano — Há algum tempo vêm sendo publicadas em quadrinhos pelo Poti as aventuras de um natalense do século XXI, o tenente Wilson. Partindo de uma cidade de esplêndidas cúpulas de vidro inquebrável, sua missão é levar para Urano um valioso carregamento de minérios. Entre Natal e o remoto planeta, entretanto, sua nave é abordada por piratas do universo. Idealizado por Luís Pinheiro — um garoto de treze anos, conhecido entre os alunos do colégio marista como Ameba e famoso pelos debates que trava com o professor de ciências.

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Na edição de lançamento da página 'Quadrinhos' do jornal, foi publicado o seguinte texto:

"Esta é a página que estava faltando para completar o total aproveitamento das possibilidades do offset em Natal. Assim se coroa a batalha inteligente que o sr. Luís Maria Alves (diretor do jornal) tem levado a efeito, ao longo dos anos, para oferecer uma informação atualizada e apoiar os valores da terra.

Da nossa primeira exposição de Histórias em Quadrinhos, na Biblioteca Pública do Estado, em maio passado, nasceu a idéia da organização de um grupo para pesquisa, criação, estudo e divulgação desta técnica narrativa tão popular. O GRUPEHQ (Grupo de Pesquisa em HQ) hoje diz “presente” aos leitores deste matutino. E, ao assumir este plano, espera que lhes sejam criadas as condições para concretização das palavras do nosso conterrâneo Moacy Cirne — autor do livro BUM! A EXPLOSÃO CRIATIVA DOS QUADRINHOS (o primeiro livro brasileiro sobre o assunto) — no catálogo daquela exposição pioneira: “Esta exposição, certamente modesta, certamente incompleta, poderá ser a abertura para as possibilidades dos quadrinhos brasileiros.

Não como importação de modelos estrangeiros, mas como criação de um mundo a partir da nossa realidade nacional. isto é, social.” Parafraseando-o, poderemos dizer que esta página (que não é uma página só para crianças) será a abertura para as possibilidades do quadrinho nordestino — juntamente com a revista GIBI-NOTÍCIAS, que estamos igualmente lançando neste começo de agosto.

Quem se interessar, quem atestar capacidade em criar historinhas, ou escrever artigos críticos, notícias, notas e tudo o mais que se refira à chamada OITAVA ARTE — pode nos procurar, que sua colaboração será aceita (é claro que se realmente for válida). Aceitamos críticas e sugestões, se construtivas.
Queremos dialogar. Trazemos um ideal: o que nos leva a esta tentativa é a necessidade de redefinir entre nós as histórias quadrinizadas, tema aparentemente passageiro, mas que tem, na verdade, ampla importância e influência no contexto cultural contemporâneo e na sensibilidade do homem de hoje. Sem que perca aqueles efeitos de massa de pura fruição e divertimento, os quadrinhos têm manifestado riquezas estéticas, sociais e culturais verdadeiramente ilimitadas. Em termos de comunicação, abriram novos horizontes para a imprensa. Em termos de cultura geral, representaram e representam ainda o questionamento da arte tradicional, cujo caráter de eternidade é sucedido pelo consumo rápido das massas médias, sob o signo da reprodutibilidade técnica. Constata-se: as duas revoluções industriais mataram a obra prima, o objeto único, e os quadrinhos atingem um terço da humanidade, se tornando um fenômeno social da época. Merecem, sim, ser a notícia para que um jornal moderno, feito em offset possa por ela se interessar.

A partir de hoje, semanalmente aos domingos, O POTI terá então a sua página de historietas, onde adultos e crianças encontrarão motivo de elucidação sobre as novidades da época para uma simultânea formação moral e cultural. Depois, conforme as nossas possibilidades e a superação dos nossos limites provincianos, poderemos tentar ampliar o nosso raio de ação, publicando todo um suplemento dominical, e afirmando assim o quadrinho nordestino através da liderança natalense. Não val nisso esnobismo e sim uma promessa de trabalho e boa vontade".

sexta-feira, 17 de maio de 2019

A Família Bonney - O Poti - 1971

A Família Bonney estreou no segundo número da página Quadrinhos, do jornal O Poti - RN, em 1971.

Aventura tradicional de velho oeste, provavelmente inspirada na onda do faroeste italiano que dominou os cinemas e a TV nesse período, contava como o patriarca dos Bonney, Kid Bonney, indignado com a facção criminosa que dominava a cidade de Tombstone, dirige-se para lá a fim de liquidar os bandidos e estabeler a ordem local.

Foi criada por Reinaldo Azevedo, integrante do GRUPEHQ (Grupo de Pesquisa e Histórias em Quadrinhos), e era publicada em capítulos semanalmente.

Em carta ao jornal, em agosto do mesmo ano, Moacy Cirne, crítico e pesquisador de histórias em quadrinhos, questiona a temática usada nos trabalhos do grupo:

"MOACY CIRNE (Rio de Janeiro, GB) — “Fiquei entusiasmado com o movimento de vocês, elevando os quadrinhos à altura que eles realmente merecem.

Contudo, eu gostaria de lembrar que — embora mereçam todo o nosso incentivo e apoio — quadrinhos feitos no Rio Grande do Norte devem partir, do contexto nordestino, ou seja, devem se inserir na problemática da terra e homem nordestinos.

O meu abraço para Lindberg, Pinheiro e Reinaldo, portanto, será maior quando os seus quadrinhos refletirem a nossa problemática. Convenhamos — por exemplo — que a FAMÍLIA BONNEY não é nada brasileira.”

A resposta veio em seguida:

"A coisa é tão complexa, Moacy! O negócio do consumo do nosso quadrinho é mesmo um negócio!... Existe o tabu de que não somos capazes de fazer quadrinho válido.

De maneira geral, o consumidor ainda está numa fase de só aceitar quadrinho de faroeste ou quadrinho tipo TIO PATINHAS.

Por isso que o Reinaldo experimenta a espécie de comunicação da FAMÍLIA BONNEY: pela devoração antropofágica, pelo vale-tudo metalinguístico.

Quando nosso quadrinho pégar, tentaremos então o nosso momento auto-crítico de quadrinho/verdade, com o TENENTE WILSON lutando por nossa tecnologia e o DON INÁCIO como instrumento de desmistificação".

sexta-feira, 10 de maio de 2019

Super-Cupim - O Poti - 1971

Criado para o semanário O Poti (Orgão dos Diários Associados), o Super-Cupim era uma tira humorística que antecipou em vários anos muitos quadrinhos de caráter metalinguístico no Brasil, em suas conversas com o leitor e em suas brigas com o autor/desenhista. Foi concebida pelo cartunista Emanoel Amaral (1952-2019) em 1971. Amaral fazia parte do Grupehq (Grupo de Pesquisa em História em Quadrinhos), fundado nesse mesmo ano em Natal - RN.

Sobre este assunto, o desenhista Cláudio de Oliveira escreveu na apresentação de seu e-book 'Em Quadrinhos na Maturí'

"Selecionei para este e-book os desenhos que preparei para a Maturí, revista de quadrinhos alternativos que começou a circular em Natal, em março de 1976. 

Alguns trabalhos foram publicados, outros continuaram inéditos. Um anos antes, havia contatado o Grupehq, o Grupo de Pesquisa de História e Quadrinhos, criado em 1971 e que, naquela altura, reunia nomes já consagrados na cidade, como Aucides Sales, Edimar Viana, Emanoel Amaral, Enock Domingos, Lindberg Revoredo, Luiz Pinheiro e Reinaldo Azevedo, entre outros. Juntos aos artistas do traço atuavam ainda dois estudiosos da chamada nona arte, o jornalista Anchieta Fernandes e o professar Dom Lucas Brasil.
O Grupehg brilhara nas páginas do suplemento dominical de quadrinhos do jornal O Poti, lançado em agosto de 1971, o suplemento circulou até abril de 1972, tempo suficiente para que a equipe mostrasse o seu talento em vários gêneros da arte sequencial. Dos quadrinhos de terror de Reinaldo Azevedo, com O Coveiro, à ficção científica no desenho primoroso de Luiz Pinheiro, com o Tenente Wilson, passando pelo traço cômico de Aucides Sales, com o seu Capiroto, ao metalinguístico Super-Cupim, de Emanoel Amaral.

O Grupehq editou várias publicações, como o Gibi Notícias, durante a ano de 1971, e a revista Cabramacho, que circulou três números em 1974, sob a batuta de Lindberg Revoredo. E, em março de 1976, lançou a Maturí, no pequeno formato de 32 por 8 centímetros, com 16 páginas. Daí o nome maturí, o pequeno fruto do caju, ainda broto, mas de sabor forte. 

O Grupehq abrigava diferentes expressões do quadrinho potiguar, mas a maioria dos quadrinistas não era politicamente ingênuo, principalmente a núcleo que editava a revista. Ainda nas páginas de O Poti, em 1971, o Super-Cupim, de Emanoel Amaral, ironizava os super-heróis norte-americanos, como protesto possível contra a Guerra do Vietnã, numa época em que o Brasil vivia sob a censura e a repressão do regime instalado em 1964. Para reforçar a espírito critico da revista, a Maturi passou a receber a colaboração de Henfil, um dos mais consagrados cartunista político do país, que morou mm Natal de 1976 a 1978. Zeferino, Graúna e o bode Orelana marcaram presença nas páginas da pequena publicação".

Em um dos números da Revista de Cultura Vozes (nº 1 - 1972), Moacy Cirne escreveu: 

"Com uma verdadeira fúria metalinguística, o  Super-Cupim (companheiro: Pulguinha) está sempre em conflito com o seu criador.

Ainda na área da metalinguagem, mas em outra direção, há uma página excepcional da série, publicada no dia 3 de outubro: toda a problemática do quadrinho brasileiro é colocada em situação. O Grilo Falante de Walt Disney, “saturador de mercados”, é expulso da página pelo Super-Cupim. No último plano da história, o Grilo Falante comanda uma invasão de super-heróis, montado no Capitão América, para que o nosso herói seja esmagado. A epígrafe no quadro de apresentação é bastante significativa: '...Levantai-vos heróis do Novo Mundo' (Castro Alves). Como significativo é o grito final do Super-Cupim: 'Mônica! Pererê! Fradinhos! Socooooorro!!!'.

A excepcionalidade desta página não se resume em seu significado primeiro: veja-se, ao nível do significante, a exploração criativa operada pelo autor na linha do quadro, obedecendo a uma direcionalidade paralabiríntica. No penúltimo plano, o Pulguinha quebra a geometria da linha, segurando-a. No início, o balão que encerra um discurso pensado contendo um 'Quem será?' assume boa forma interrogativa. E se estamos diante de um desenho simples, e se a narrativa é estruturada sem maiores inovações, podemos, contudo, extrair de seus elementos conotativos uma nova dimensão significacional que, inclusive, remete o leitor para a problematização de um dado nível ideológico.

O Super-Cupim, pois, desponta como uma série quadrinizada de estatura nacional. Das onomatopéias de Jorge Fernandes à metalinguagem de Emanoel Amaral, o Rio Grande do Norte se insere dentro das coordenadas operacionais dos quadrinhos. E da vanguarda".

sexta-feira, 3 de maio de 2019

CETPA - Cooperativa Editora e de Trabalho de Porto Alegre - 1961

A CETPA foi um movimento capitaneado pelo desenhista José Geraldo, com o apoio do então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, a partir de 1961, com o objetivo de fomentar os quadrinhos brasileiros.

O texto abaixo foi publicado na primeira edição do livro Quadrinhos para Quadrados, de Diamantino da Silva - editora Bels, e publicado em 1976. Este é um dos raros livros que abordou o assunto. Como o capítulo foi retirado na 2ª edição (editora Laços, 2018), poderá ser lido a seguir.
Tira de Zé Candango por Renato Canini e José Geraldo - CETPA - 1963
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RGS - CETPA
História do Rio Grande do Sul. Capa de Thierry de Castro, desenhos de Júlio Shimamoto e João Mottini (abertura não creditada), argumento de João Cândido Maia Neto. CETPA - 1962.

"Merece citação especial dentro deste capítulo dedicado ao quadrinho nacional, o movimento que nos chegou do sul do país em 1961, reunindo desenhistas e argumentistas e, culminando com a fundação da Cooperativa Editora e de Trabalho de Porto Alegre - CETPA. 

Talvez influenciados pelo exemplo argentino, visavam nossos confrades sulistas, abrirem uma nova frente de trabalho com a criação e publicação de revistas e heróis nacionais, como bem afirmava o editorial abaixo, estampado na contra capa de seu primeiro número (revista Aba Larga): 

"A 'Cooperativa Editora e de Trabalho de Porto Alegre Ltda.' é o resultado da luta desenvolvida há anos por desenhistas e argumentistas patrícios, no anseio de aqui produzirem histórias brasileiras identificadas com nossos hábitos e costumes. É imperiosa a necessidade de elevar a exploração desse gênero de literatura, sabendo-se como é nefasta a influência que exerce sobre o condicionamento moral da infância e da massa semi-alfabetizada.

Há muitos anos nossa juventude vem assimilando, exclusivamente, histórias estrangeiras de 'Super-men', 'cow-boys', 'Dick Tracy', 'Steve Canyon', 'Roy Rogers' etc., vivendo temas falsos, completamente alheios à nossa realidade e tradição.

O espírito da CETPA não é de xenofobia, nem de restrição, e sim, um legítimo ato de defesa de nossos artistas, ora esmagados pela avalanche do material importado. Na árdua e longa luta em busca de um mercado que possibilite transformar sua arte em autêntica mensagem de nosso folclore, hábitos e costumes, o artista brasileiro, graças à compreensão e apoio do Governo do Rio Grande do Sul, concretiza a sua mais cara aspiração: descobrir um Brasil novo, rico de belezas históricas e heróis autênticos. PINTAREMOS O BRASIL DE VERDE E AMARELO.".
Tira de Sepé, por Flávio Colin - CETPA, 1963.

Muito embora em si, não possamos classificar como pioneiro, esse movimento gaúcho teve pelo menos o mérito de levar a coisa a termos mais concretos. 

Pena que por falta de uma melhor estrutura editorial, a CETPA tenha sido forçada a encerrar suas atividades em fins de 1963, justamente quando nosso público, através da divulgação de outros órgãos de nossa imprensa (Jornal do Brasil, Última Hora etc.), começava a se inteirar do trabalho desenvolvido por esses novos artistas. 

Foi uma bela oportunidade que se perdeu, em que pese o esforço dos desenhistas: Getúlio Delphim (Aba Larga), Flávio Colin (Sepé Tiaraju), Renato Canini (Zé Candango), Anibal Bendati (Lupinha), Flávio Luiz Teixeira (Piazito), Luiz Saindemberg (História do Cooperativismo), Júlio Shimamoto (História do Rio Grande do Sul), e dos argumentistas: Carlos Freitas, Hamilton Chaves, Cavalheiro Lima, José Geraldo e outros. 
Tira do Aba Larga, por João Mottini, CETPA, 1963.

Valeu no entanto como mais uma tentativa feita querendo eliminar o quadrinho brasileiro de risco, dentro de um mercado consumidor acostumado a digerir material americano há mais de cinquenta anos".
 História do Cooperativismo, CETPA, 1962 (2ª edição). Capa e miolo de Luiz Saindenberg, argumento de Walter Castro de Freitas.

  Tiradentes, CETPA, 1963, capa e miolo de Gutemberg Monteiro, texto da "Equipe da CETPA".

  Vida do padre Reus, CETPA, 1963, capa de Thierry, desenhos de Gedeone Malagola, texto do Padre Sérgio Raupp.
  Aba Larga nº 1, CETPA, 1962. Capa de Thierry, desenhos de Getúlio Delphin, argumento de Hamilton Chaves.
 Aba Larga nº 2, capa de Luiz Saindenberg. Aba Larga nº 3, capa de Flávio Luiz Teixeira. O 4º número, nunca publicado, teria capa de João Mottini (figura acima). 1962.
Sepé nº 1, 1962. Capa de Thierry, miolo de Flávio Colin, argumento de Clima.

As revistas Lupinha, Piazito e Zé Candango, embora anunciadas, nunca foram editadas. Então, na totalidade foram publicadas pela CETPA três números do Aba Larga, um número do Sepé, as revistas Tiradentes, História do Cooperativismo, História do Rio Grande do Sul e a Vida do Padre Reus e as tiras de jornal Zé Candango, no Jornal do Brasil e no Última Hora gaúcho, Aba Larga, Lupinha e Sepé, todas no Última Hora. Aylton Thomaz, apesar de, aparentemente, não ter participado diretamente da empreitada, teve sua tira Bingo, o pequeno jornaleiro, publicada junto às outras tiras da CETPA no UH.