Reinaldo de Oliveira - Entrevista - 1986

Reinaldo de Oliveira foi um pioneiro editor de quadrinhos e artista gráfico brasileiro, tendo passado por várias e importantes editoras durante sua longa carreira. Por ocasião do lançamento de seu livro "La Selva - pequena história de uma editora popular" (Editora Sublime, 1987), o pesquisador e jornalista Worney Almeida de Souza (WAZ) lançou uma edição especial de seu fanzine Quadrix contendo uma extensa entrevista com Reinaldo, que poderá ser lida a seguir.

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Na contra capa da revista “O Herói”, da Ebal, noticiando a 1ª Exposição de Histórias em Quadrinhos, em 1951, da esquerda para a direita: Jayme Cortez, Reinaldo de Oliveira, Silas Roberg (+) e Álvaro de Moya. Meus grandes amigos até hoje.

"Voltamos nesse número do Quadrix a publicar entrevistas com quadrinheiros, e para iniciar essa nova série, apresentamos Reinaldo de Oliveira, talvez um dos maiores batalhadores pelo quadrinho nacional nos últimos 30 anos. Nessa entrevista-correio (foi realizada com o Quadrix mandando as perguntas de forma escrita e respondidas da mesma forma) temos um panorama da HQB desde as editoras da década de 50, inclusive os primeiros anos da Abril, até as pequenas editoras paulistas do início dos anos 70. Existe uma segunda parte sobre a Editora Graúna, mas que só será publicada quando terminarmos o levantamento completo das publicações e de seus colaboradores, o que deve demorar algum tempo. A entrevista-correio foi realizada no primeiro semestre de 86. As fotos e ilustrações foram fornecidas pelo próprio Reinaldo.

QUADRIX — Quando nasceu, onde?

REINALDO — Sou do interior de São Paulo. Nasci em Jurema a 16 de março de 1928.

Q — Quando descobriu os quadrinhos e quando se profissionalizou?

R — Já contei esta história do “descobrimento dos quadrinhos” em “Calafrio” (nº 21). Comecei na profissão fazendo uma revista diferente "Seleções Práticas”, influenciado pela minha admiração por “Popular Mechanics”. A revista era minha e de uns amigos, do Bixiga, onde eu morava. Morreu do mal do sétimo número! A Distribuidora La Selva, que distribuia a minha revista, me apresentou a um editor do norte, Pelópidas Galvão que, tendo trazido para São Paulo uma publicação, resolvera voltar para Recife e deixar alguém aqui para cuidar dela. E lá fui eu “editar” a “'Lavoura & Criação", metido com artigos de plantio, rações, avicultura e uma recomendação expressa: “clichê novo só o da capa! No miolo repetir os clichês do arquivo, indefinidamente, pois uma galinha é uma galinha e um boi é um boi!” — sentenciava o econômico proprietário. Foi ótimo começar minha vida editorial na minha própria revista: fiquei logo sabendo quanto custava o papel, os clichês, o acabamento e como os encalhes, ao contrário das vendas, parecem aumentar sempre! E logo em seguida, jovem, sem experiência, ter que me virar e fazer sozinho — sozinho mesmo! — Uma revista quase só de texto, com um olho firme nas despesas e o outro, mais firme ainda, no arquivo de clichês! O La Selva que tinha sido um grande distribuidor de revistas, algumas até impressas na Argentina, estava virando editor. Tinha distribuído o “'Cômico Colegial”, dirigido por um pioneiro esquecido dos quadrinhos em São Paulo: Auro Teixeira. A revista tinha sido lançada por Auro, Salvador Bentivegna e Giovani Costa Junior. Era toda decalcada, em papel vegetal, de revistas americanas, pelo próprio Auro. Quando o Auro, por qualquer motivo, largou a revista o La Selva, que também já fazia umas outras, me contratou. Aí, pela primeira vez, eu fui fazer revistas de quadrinhos. Foi em 1950.

Espantadíssimo vê seu amigo Zaé Junior "ensinando" ao velho mestre argentino Alberto Breccia, alguma coisa sobre desenho...

 

Q — Revistas e personagens preferidos na juventude?

R — Eu havia conhecido os quadrinhos pelo Suplemento Juvenil, Só vira um número. Quando me mudei para o Bixiga o jornaleiro que servia a rua (daqueles que iam de casa em casa — oferecendo jornal, revista, figurinos — uma espécie extinta!) não trabalhava com o “Suplemento”. Insisti com minha mãe para comprar “aquele jornalzinho” e o jornaleiro me “empurrou” o “Globo Juvenil". Então eu passei a ser leitor do “Globo” e perdi meu rápido contato com o “Suplemento”. Daí passei a seguir as histórias do “Globo Juvenil” e não do “Suplemento”, como vocês poderiam pensar. Então eu fiquei primeiro fã de “O Fantasma Voador”, de Falk e Moore; “Robin Hood”, de Ted McCall; “O Campeão do Ar" (Barney Baxter) de Frank Miller; “Zé Mulambo”, de Van Buren; “Sonia” (Mabel Loy) de Frank Godwin; “Dan Dun” (imitação de Dick Tracy) por Norman Marsh; a incrível história “Billy, o Tapeador”, por Hehoman; “Scorchy Smity”, já não desenhada pelo grande Noel Sickles, mas sim por Bert Christman, antes de passar para Frank Robbins. Como minha irmã comprava o “Mirim” eu também lia, e gostava, de “Dr. Oculto” (a primeira história de terror que me lembro) desenhada pelos principiantes Leger e Reuths, conhecidos mais tarde como Sigel e Shuster; “Dona Lindinha” — uma prova que o texto do quadrinho pode ser bom — desenhada pela excelente Fanny Y. Cory e “Buffalo Bill” por Harry O'Neill. 

Aí eu passei a trabalhar fora e a ganhar uns trocados, pois só tinha 10 anos. Foi um carnaval! Eu comprava o “Globo”, o “Suplemento”, a ““Gazetinha” e tudo que aparecia de quadrinho. Exagerei tanto que um dia meu pai me fez juntar todas as minhas preciosidades e, eu mesmo, tacar fogo em todos aqueles jornaizinhos. Pra mim aquilo foi um choque tremendo. Só mais tarde, quando ouvia expressão “pira sagrada”, é que encontrei o verdadeiro significado daquela “inquisição” paterna. Os jornaizinhos foram proibidos e como eu não ia deixar de lê-los desenvolvi a técnica de escondê-los por baixo da camisa é mal me pilhava na rua ia andando é lendo. Acho que fui o melhor leitor andarilho que já existiu! Li “quilômetros e quilômetros” de quadrinhos!

Foi por este tempo, numa firma que eu trabalhava, que me caia nas mãos, toda semana o jornal americano “The Houston Chronicle”, com um suplemento de quadrinhos em quatro cores, formato standard, de 16 páginas! E eu passei, durante uns seis meses, a “ler” histórias que só seriam publicadas no Brasil bastante tempo depois.

Também comprava na extinta Agência Soave, tudo que aparecia da Argentina. “El Gorrion”, “La Pandilla” e até o “Bicho Feo”, do Hector L. Torino. Lá pontificavam Cortinas, Breccia e outros. Evidente que também, no futuro passei a comprar “Patoruzito”.

A convite do meu amigo Cláudio de Souza sai da La Selva, onde eu fazia “O crime não compensa”, “Gilda”, “Terror Negro”, “Seleções de Rir” e “Seleções Enigmáticas”, junto com o Pascoal e o Jácomo, filhos do velho La Selva, para ir para a Editora Abril, que estava começando. O Cláudio de Souza me conhecia de uns concursos de críticas cinematográficas que eu ganhara na “Gazeta Juvenil”. Acho que eu e o Alberto Maduar — que também viria a trabalhar comigo na Abril — ganhamos quase todos os concursos de crítica de filmes feitos pelo Cláudio. Aquele tempo eu era um rato de cinema!

Primeiro chefiei o Departamento Técnico, onde se produzia “O Pato Donald”, “Mickey” e o “Raio Vermelho”. Depois passei uns tempos no Departamento de Circulação e posteriormente fui para o lançamento mais ambicioso da Abril: a revista “Capricho”. Fui secretário de redação de “Capricho”, substituindo Walter Fontenele, que saiu antes do 1º número circular, em 1952. Ao contrário do que afirmou a própria editora, quando a revista completou 25 anos, quem fez “Capricho” foi Gilberto Loverso, como diretor, Micheline Gaggio, como produtora editorial, João Batista Queiroz, como diagramador e Francisco Vasconcellos como redator e revisor. E eu como secretário de redação. Ilustrações de Cortez, traduções de Moya e a cambada toda de amigos que conhecia. Também tinha trabalhado lá o Jerônimo Monteiro, conhecido como Roonie Wells, autor de “Dick Peter”...

Na velha Abril, na redação de “Capricho”, em 1952, com Alberto Maduar, o melhor roteirista e tradutor da Disney na opinião de Reinaldo. Maduar está agora na publicidade. Ao lado Ronaldo, o “terrível” montador.

À Micheline, que cito aí em cima, devo muito. Foi ela que me ensinou a calcular textos, medidas tipográficas e a trabalhar racionalmente. Eu era jovem, indisciplinado e estava acostumado a trabalhar “na raça”. Quando fui trabalhar na Abril tive que “reaprender”” um monte de coisas. Micheline de um lado e o Marconi, diretor técnico das oficinas da Abril naquele tempo, foram meus professores.

Q — Você trabalhou na Continental, que fazia, em que ano começou?

R — Eu nunca trabalhei na Continental. Saindo da Abril, fui para a “Última Hora”, onde fui ser, junto com Zaé Junior, um dos primeiros diagramadores brasileiros, substituindo a avalanche de diagramadores argentinos que, com grande proveito para o jornalismo brasileiro, tinham sido importados anos antes. Desse jornal, levado por Radamés Pera, uruguaio, meu colega no jornal que mencionei, passei para a diagramação da “Gazeta Esportiva Ilustrada”, onde trabalhei com o Messias, Pace e o citado Radamés. Da “Esportiva Ilustrada” fui para a Editora Novo Mundo, onde fazia “Mundo de Sombras”, “Estranhas Aventuras” etc etc. Desta editora é que saiu a Continental, depois Outubro e finalmente Taika. Quando a Continental foi fundada eu já estava em outra. Fui ser diagramador da “Casa & Jardim” e da “Folha da Noite”. Daí mudei-me para o Rio onde fui dirigir a revista semanal “Publicidade e Negócios” — a famosa “PN”. No Rio também trabalhei “free” para a Bruguera, nos seus primeiros tempos. (Em 1958).

Como diretor de redação da “PN”, Reinaldo encontra com Victor Civita, da Abril, no lançamento da revista “llusão”, no Rio, em 1958.

Também trabalhei, “free”, para a Fernando Chinaglia Distribuidora, fazendo, junto com Saldanha Marinho, o boletim de promoção da distribuidora: "Novas". Da minha convivência com o pessoal da distribuidora e do contato com os revendedores é que veio meu interesse e conhecimento do problema crucial da imprensa brasileira: a distribuição!

Q — Como produtor gráfico, você fazia logotipos das revistas, editoração, montagem de capas, fotolitos etc?

R — Um produtor gráfico não “faz” — ele planeja e manda alguém fazer. Seu trabalho enfeixa a produção da revista. Pode incluir a compra de material — mandar traduzir, adaptar, tratar com desenhistas, mandar ao fotolito etc. No caso de jornais e revistas a palavra certa seria “produtor editorial”.

O primeiro mestre em Artes Gráficas de Reinaldo, o engenheiro Guilherme Marconi, na foto quando dirigia, em 1957, a extinta oficina da Rio Gráfica, no Rio de Janeiro.

 

Minha paixão pelos quadrinhos me levaria a rabiscar uns incipientes bonecos. Fizera quadrinhos para a “Voz da Infância”, ganhara menção honrosa, junto com o desenhista Mário Moraes, no último concurso instituído pelo "Suplemento Juvenil" e tinha historietas publicadas no "O Jornalzinho". Mas eu tinha espírito crítico também e pensava que nunca seria um bom desenhista. Então desisti. O que conheço de desenho, lay-out, diagramação, redação e artes gráficas me conduziram a produção editorial.

"Como desenhista eu achava que nunca iria além das pernas". Acima um desenho 'cometido' em 1946 e publicado no 'O Jornalzinho', dos padres Paulinos, em junho de 1947.

Q — Se você trabalhou ou conheceu a Gazeta Juvenil, Editora Júpiter, Editora do Brasil, e outras antes da Continental, diga como funcionavam e um breve histórico (só para situar cada uma delas para depois fazermos um trabalho mais detalhado).

R — Sim. É lógico que conheci todas elas. Mas cada uma merece um espaço maior que esta resposta. Merecem um capítulo à parte.
 

Q — As revistas de terror da década de 50, 60 e começo da 70, tinham uma tiragem média?

R — Era uma boa tiragem. Havia edições de até 30.000 exemplares por quinzena, como era o caso do “Terror Negro”. Mas convém não esquecer que o “Tico-Tico”, em 1905 já tirava 35.000 exemplares!

Q — Quais as que vendiam mais e de maior tiragem? A lista do “Grande Livro do Terror" está completa?

R — Veja a resposta anterior. Para saber se a lista do “Livro do Terror” está completa só cotizando com várias fontes. O levantamento mais completo que eu já vi era um calhamaço de umas 600 páginas datilografadas, um original de Rudolf Piper sobre quadrinhos, que nunca foi publicado. Infelizmente, como o Piper se mandou do Brasil, este original precioso pode estar irremediavelmente perdido. Uma pena.

À esquerda, capa do livro sobre a Editora La Selva. À  direita, Reinaldo com seu amigo Naumim Aizen, da Ebal, assistindo aos debates do 1º Congresso de Histórias em Quadrinhos, em São Paulo, em 1970.

Q — Quais os dados do catálogo do Masp-70 que estão errados sobre a HQB?

R — O catálogo do Masp foi feito em cima da hora e com a ajuda de todo mundo. Indicar o “Zé Caipora”, por exemplo, como 1º obra em quadrinhos, em 1897, é tão errado como indicar “Nho Quim” como primeiro quadrinho do Agostini. Em 1867(!) ele já fazia quadrinhos para o ''Cabrião"! Quanto às revistas onde estão o “Juquinha”, “O Fafazinho” e outras?

Q — Qual sua relação com as seguintes editoras (só sua atividade para depois aprofundarmos melhor): Maravilha, Gorrion, Roval, Kultus, Regiart, Bentivegna, O Livreiro, GEP, Jotaesse?

R — A maioria são editoras de amigos a quem você, pela sua própria especialização, acaba dando uma mão. Das citadas só trabalhei mesmo foi na Jotaesse, deste grande amigo José Sidekerskis. Eu estava na pior, recém saindo de uma aventura editorial, (não era quadrinho, não!) e o Zelão me deu um emprego salvador. Acredito até que sem precisar dos meus serviços. Uma alma e um coração tão grandes como a sua altura!

Com um grupo de editores paulistas, em 1972. Da esquerda para a direita: Reinaldo de Oliveira, Dino Mengozi, da Editora Gorrion; Savério Fitipaldi, da Editora Saber; Marcílio Valenciano, da Editora Edrel e Salvador Bentivegna, da Editora Roval, hoje Kultus.

Q — Qual a política editorial das editoras paulistas no final da década de 60? Por que se diferenciam tanto da Edrel?

R — Quem se diferenciava das outras era a Edrel...

Q — Qual sua opinião sobre o trabalho da Edrel?

R — Foi uma tentativa como outra qualquer! O Jink, o Minami e o Marcílio começaram bem. Tinham até oficinas próprias. Depois, não sei porque, decidiram fazer ''mangá” no Brasil! Em que pese o valor da experiência (?) acho que a mesma foi temerária. Acabou com a editora! Aliás este costume de fazer editoras “'diferentes” é que tem forrado bem o caminho do fracasso. Ainda há muita gente que faz revista para contentar colecionador e desenhista. Esquecem o leitor comum que é o que compra revistas. Quando o leitor “esquece” a revista é chamado de burro...

Q — É verdade que o governo Médici dava em cima das editoras paulistas?

R — O governo Médici deu em cima das editoras de todos os estados. E de todos os gêneros! Acredito que o general nem sabia o que era história em quadrinhos!

Q — Como foi a história do registro de títulos na Polícia Federal?

R — Toda ditadura é burra. Fica cheia de gente (os apaniguados) que não têm o que fazer. Vai daí que um dia um desses sacanas teve a brilhante ideia: — “Por que não obrigar todas as revistas a se registrarem? A gente poderia controlar melhor estas publicações!” Daí a “decretar” o registro foi um passo.

Q — As revistas passaram a ser vendidas em plásticos, e com a recomendação maiores de 18 anos? Fecharam-se editoras ou revistas por causa desse registro?

R — Por uns tempos. Mas sabe como é no Brasil: logo a gente achou brecha de todo lado e a coisa só deu um pouco mais de trabalho. Eu mesmo fui a Brasília para conseguir registros na censura. E a censura é um negócio tão idiota! Vocês sabem que um chefe de censura — nem me lembro mais o nome do cidadão — lá em Brasília, todo poderoso, ditador de normas, regras, parâmetros e toda a parafernália jurídico-burocrata desses pais da pátria, era, descobriu-se depois, um foragido, que nem tinha aquele nome pomposo com que assinava suas “liberações”? Se não fosse doloroso seria para morrer de rir! As revistas de texto, de todos os gêneros, é que sofreram mais. E atenção meninos: a proibição do filme “Je Vous Salue Marie”, pelo próprio Presidente (!) da República, mostra que nada mudou. Cuidado!

Q — E a crise do petróleo em 74, com a subida do preço do papel, fechou alguma editora?

R — A grande alta do papel não foi em 74 mas sim em 61, com a instrução 204. A turma toda passou apertada. Mas não me consta que alguma editora tenha fechado. Quem se "ferrou" foi o leitor, pois os preços, como sempre, foram repassados.

Q — É verdade que existiam desenhistas ou quadrinhistas fichados como comunistas, quem e por quê?

R — De onde vocês tiraram está ideia? Se houve desenhista fichado como comunista deve ter sido por suspeita de suas atividades e não por ser desenhista. Desenhista de quadrinhos não é um ser a parte. Ele come, dorme, casa, tem filhos, tem todos os problemas que todo mundo tem
e, naturalmente, pode ter a sua ideia política, também...

Q — Como isso é possível se a maioria é de direita, ou trabalha na polícia ou mesmo era ufanista e patriota como nosso amigo louco por guerra, Ignácio Justo?

R — Quem está dizendo isto são vocês! Quem disse que a maioria é da direita, ou trabalha na polícia? E quem é que afirma que o Ignácio Justo é louco por guerra?

Q — Qual era seu trabalho para a Maurício de Sousa Produções?

R — Eu entrei na Maurício de Sousa Produções para dirigir o departamento de venda de tiras. Eu explico: eu tinha um ótimo emprego no “Jornal da Tarde”. Era o coordenador de produção do jornal mais moderno que se fazia (e se faz) no Brasil. Uma simples operação de vesícula complicada com uma crise renal e fiquei seis meses no hospital. O trabalho no jornal, na minha função, que englobava a direção da diagramação e a secretaria gráfica, durante seis dias por semana, horário noturno, não era um trabalho nem leve nem fácil. Os seis meses, entre operação e convalescença tornaram, naquele momento, a função pesada demais. Fiz um acordo com o Mauricio e sai do jornal. la ganhar menos mas eu estava interessado no assunto distribuição. Vejam: eu sabia tudo, em teoria, sobre a distribuição de material para jornais. Era leitor da “Newdealer”, da “SM News” e da "Editor & Publisher", revistas profissionais que tratavam deste assunto. Trabalhar na M.S.P. era a única oportunidade de aprender na prática como se processava a distribuição de tiras no Brasil. Eu não perderia esta oportunidade por nada.

Trabalhei para o Maurício cinco anos e completei o curso que queria fazer. Foi uma experiência preciosa, Viajei, fiz contato com jornais, tive que bolar malas diretas e consegui, inclusive, aumentar a seção.

Q — Depois que as editoras fecharam você começou a distribuir material de passatempos?

R — Não foi depois do fechamento de nenhuma editora que eu iniciei a minha distribuidora. Acontece que organização da M.S.P. é uma estrutura familiar. Todos os parentes trabalham lá e então...

Alguns trabalham mesmo e lutam pela firma — como, por exemplo, a mulher do Maurício que é seu braço direito no estúdio — mas uma boa parte só atrapalha...

Esta estrutura gera conflitos internos. Num desses eu saí e montei a minha própria distribuidora. Aliás se a maioria dos desenhistas, ao invés de falar mal do Maurício, assimilasse a sua forma básica de trabalho, no que ela tem de bom, ou seja — produzir é distribuir o seu próprio material — poderia ter mais sucesso. Enquanto eles falam o Maurício vai em frente...

Q — Como é o trabalho de sua distribuidora?

R — Como todas as distribuidoras, no mundo: vendo ao jornal o que ele quer comprar e não o que eu acho que ele deve. Vender material, desde que seja bom e agrade os leitores, não é tão difícil. Para evitar chateações não distribuo quadrinhos. Minto: tenho uma tira (BINGO) e um ''panel" (INSPETOR PEREIRA) dos meus amigos Paulo José e Tony Fernandes.

A distribuição de tiras é uma operação meramente comercial. É por isso que eu não acredito em cooperativa de desenhistas distribuindo tiras. Os desenhistas pensam em ver suas tiras publicadas em dezenas de jornais, mas a maioria não se lembra que é preciso produzir (eu disse produzir, não desenhar!). Vender, remeter, faturar e quando tudo isso termina já está na hora de fazer a próxima remessa. E se a cooperativa tiver 20 desenhistas e só uma meia dúzia — por um motivo ou outro — “emplacar” eu não quero estar perto para ver! Acredito mais em uma organização comercial.

O — Como faz a coluna na Calafrio?

R — Mensalmente o Zalla me passa as cartas e a gente comenta o conteúdo das mesmas. Se precisar anoto algo e depois, sem interferência do editor, respondo como acho que devo responder. É bom frisar que escrevo absolutamente sem censura. Jamais aconteceu do Zalla cortar, ou mudar, uma linha do que escrevo.

Q — O que faz na editora Sublime? Qual seu trabalho atual? E seus projetos futuros?

R — Sou coordenador editorial de todas as revistas da Editora. O Jacomo La Selva, que é proprietário da editora, é meu amigo há quase 40 anos e sabe como trabalho, de modo que meu trabalho é fácil e descomplicado. Temos, a longo prazo, algumas ideias de lançamentos. Mas ainda é cedo para qualquer divulgação.

Q — Como é sua coleção de revistas e originais?

R — Em primeiro lugar quero deixar claro, aqui, que colecionador de HQ — pura e simples — é o maior inimigo que o quadrinho tem. Eles sempre me fazem lembrar o pai da Eugênia Grandet e sua adoração pelo ouro... Eu porque gosto, porque estudo e porque escrevo sobre quadrinhos tenho algumas coisas. Inclusive alguns originais, nacionais e estrangeiros. Mas não sou um colecionador. Felizmente!...

Q — Tem muito material nacional?

R — Eu tinha umas 500/600 páginas de originais nacionais mas devolvi tudo que foi possível aos seus autores, que de toda forma são seus legítimos proprietários. Eu, o Moya e o Cortez temos originais de Alex Raymond, de Hal Foster, de Al Capp, de Frank Robbins e outros. Dos nacionais pouca coisa.

Q — Algo mais?

R — Além de tudo que ficou dito aí em cima dirigi as oficinas da Editora Giroflé e por um bom tempo as oficinas da Editora Ougarit; fui diagramador do “Jornal de Letras”, no Rio de Janeiro; diagramador do “Suplemento D.O. Leitura”, da IMESP; chefe de redação do “Boletim Bibliográfico Brasileiro”, no Rio de Janeiro; aulas e conferências na USP; PUC, Faculdade de Penápolis, Faculdade de Avaré. Participei do 13º Congresso de Lucca; do Seminário de Artes Gráficas, na St. Bride Institute, em Londres e da Berufsbild Basler Grafiker, em Bassel, Suissa. Sou sócio da Printing Historical Society, Inglaterra, e da American Printing History Association dos EEUU. Junto com o Moya fiz o “Suplemento em Quadrinhos”, uma publicação ambiciosa para a época e também, graças à amigos da IMESP, o livro “24 Ilustradores”. Em 1951 fiz com o Moya, Cortez, Penteado e Roberg (+) a 1º Exposição de Quadrinhos e em 1952 escrevi, para o Aizen, com desenhos de Vicente Di Grado, o “ABC dos Quadrinhos”.

Com o contista José Medeiros, diretor do BBB - Boletim Bibliográfico Brasileiro, na praia de Copacabana, Rio, em 1960. Os dois pequenos da foto são filhos de Reinaldo Oliveira.
 

Recebendo, em 1981 em São Paulo, o grande José Luiz Salinas, sob a “proteção” de Rodolfo Zalla, Álvaro de Moya comparece...

Agradecimentos ao amigo João Antonio Buhrer.