sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Gente da Terra - 1986


Criada por Carlos da Cunha, um dos fundadores da lendária editora Minami & Cunha, Gente da Terra era uma série que falava do ambiente rural. Sem personagens fixos, tratava temas ligados ao agronegócio com bastante humor. Foi publicada em jornal interno da empresa de nutrição animal Agroceres na década de 1980. 
 
Sobre a tira, Carlos da Cunha, o Carlito, explicou a Franco de Rosa: "Quando eu trabalhava em minha garagem, depois de sair da Minami & Cunha, José Luiz Tejon Megido, que eu havia conhecido nas Páginas Amarelas e que vez ou outra me visitava, e em uma dessas visitas, convidou-me a trabalhar com ele na Agroceres, numa agência que ele estava organizando para a empresa. Topei a parada. Chefiei o Departamento de Arte da House Organ da Empresa, que se chamava Agê Propaganda, em dupla de criação com Luiz Fernando Garcia, garotão ainda. Fizemos boas coisas. Hoje, Fernando, graduado em Comunicação pela FAAP, pós graduado em Comunicação com ênfase em marketing, é Diretor Geral da Graduação SP da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). Mas, contei tudo isso pra dizer que também ali, na Agroceres os quadrinhos me provocaram. Tínhamos um jornal que circulava entre os funcionários e clientes da Empresa. Publiquei nele algumas tiras".

Acima, tira que faz referência ao governo do ex-presidente José Sarney (1985-1990). 

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Alguns desenhistas brasileiros do Suplemento Juvenil - 1984

Em 11 de março de 1984 o suplemento Folhetim, da Folha de S. Paulo, publicou uma matéria de Naumim Aizen falando sobre os desenhistas brasileiros do Suplemento Juvenil. Essa é a matéria que leremos a seguir:

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Os primeiros desenhistas brasileiros de quadrinhos surgiram nas páginas do “Suplemento Juvenil”.

Naumim Aizen

Como se sabe, a princípio ele se chamava “Suplemento Infantil” e vinha encartado no jornal “A Nação”. A partir do nº 15 (20-27 de junho de 1934), se tornou independente e passou a se chamar “Suplemento Juvenil”.

Desde o primeiro número, publicou ilustrações e histórias em quadrinhos de artistas brasileiros. Neste artigo, não poderemos citar todos eles, dada a escassez de tempo e espaço. Mas, através de pesquisas na coleção completa da revista e em conversa com Adolfo Aizen e A. Monteiro Filho, pudemos fazer esta pequena homenagem aos desenhistas brasileiros — alguns, então iniciantes; outros, já profissionais — que, daquela data aos dias de hoje, continuaram ou não em seu trabalho artístico.

Vamos analisar, de início, os 14 primeiros números do “'Suplemento Infantil”, passando depois a comentar alguns desenhistas, citados por ordem alfabética.


Número 1 (14/3/1934)

A primeira capa, belíssima, era de J. Carlos (José Carlos de Brito e Cunha, 1884-1950), já considerado um dos maiores ilustradores de sua época, no Brasil e talvez no mundo, ornamentando o conto “A pedra que rolou da montanha”, do escritor carioca Luís Martins, mais tarde autor de romance (“Lapa”, “A terra come tudo” e “A girafa de vidro”), depois radicado em São Paulo.

Para outro conto, “A garça desconfiada”, de Galvão de Queiroz, colaborador de “O Tico-Tico”, vê-se uma ilustração de Monteiro Filho.

Para o monólogo “Trapalhadas”, outra ilustração de Monteiro Filho. O texto era de Eustórgio Wanderley, autor infantil muito conhecido na época, talvez por sua extensa colaboração em “O Tico-Tico”. Seus monólogos e pecinhas eram muito representadas nas escolas (eu mesmo cheguei a violentar minha timidez por ter de recitar um poema seu, durante uma festa escolar, lá pelos sete ou oito anos...).


Na última página do suplemento, o primeiro capítulo/página de “Os exploradores da Atlântida ou As aventuras de Roberto Sorocaba”. Sobre esta, vale dizer que é considerada a primeira história em quadrinhos brasileira criada com a técnica então empregada nos Estados Unidos — a do suspense no último quadrinho, nítida influência das fitas em série, tão em voga na época, e claro resquício do folhetim. O desenhista, A. Monteiro Filho, português de nascimento (Lisboa, 1909) e residente no Brasil desde os 11 anos, sempre teve uma preocupação obsessiva por assuntos brasileiros e, juntamente com a mulher, Maria, e o escritor paulista Oswaldo da Sylveyra, resolveu criar uma história em quadrinhos em que os personagens principais viajassem por todo o Brasil, mostrando-o por inteiro, com seus costumes, tradições, folclore, linguagem etc; no trecho referente aos índios, valeram-se eles dos conhecimentos de Maria, obtidos in loco, durante viagens feitas por todo o interior do Brasil; mas, terminada a parte indígena, a trinca precisava de muito tempo para as pesquisas, e isso era impossível devido às atribuições de cada um dos três na feitura dos outros suplementos diários do jornal “A Nação” (“Feminino”, “Bom-humor” e “Policial”). No nº 10, não se vê o capítulo da história. E, no nº 14, o último da fase em que o suplemento era encartado no jornal, a história chega rápida e heroicamente ao fim. Heroicamente? Sim, claro: no último quadro da última página, lê-se um “GD”. Indagado anos mais tarde sobe o significado da abreviatura, Monteiro explicaria: “GD de graças a Deus. Graças a Deus, a história tinha chegado ao fim!”.


Número 2 (21/3/1934)

Na capa, um conto de Luís Martins — “O sapo cururu” com ilustração de Monteiro Filho.
No miolo, duas histórias: uma, “As aventuras de Macarrão e Talharim”, de Queiroz, desenhista e caricaturista do “Diário Carioca” e “A Vanguarda”, com legendas de Luís Gazoza, obviamente pseudônimo (de quem?); e “Histórias de Chico Farófia”, com desenhos de Théo (pseudônimo de Djalma Pires Ferreira, colaborador de “O Malho”, “Careta” e “Fon-Fon!” e, nesse tempo, colaborador do''Suplemento Bom-Humor" de “A Nação”).

Chico Farófia por Théo.

Número 3 (28/3/1934)

Na capa, tem início “Os 4 azes”, uma deliciosa noveleta infantil  de Jorge Amado e Matilde Garcia Rosa, com engraçadas ilustrações de Santa Rosa (que pena ele não ter ilustrado maior número de textos infantis, pois seu traço ainda hoje não perdeu o bom gosto). Durante alguns números, os leitores se divertiram com as aventuras do menino Tonico, do gato Pega-Ligeiro, do papagaio Doutor e do galo do terreiro, sempre com a visão gráfica de Santa Rosa.

Ainda temos uma página — “Os Sonhos de Frigolito” — do sempre divertido Max Yantok, desenhista com quem, por anos, tivemos o prazer de conviver diariamente na Seção de Desenho da EBAL, sempre desenhando, sempre pintando delicadíssimas aquarelas, sempre inventando de tudo, inclusive como reaproveitar as fitas das máquinas de escrever. Max Yantok, em 1934, já era conhecido por suas histórias e livros de texto (“Phil Hardigan”, “Jick Tindall”, “Pandareco, Parachoque e Viralata” etc) e deu sua contribuição ao recém-fundado “Suplemento Infantil". Ainda se deve esclarecer que Yantok, durante quatorze anos, foi tradutor das histórias em quadrinhos publicadas pelos jornais brasileiros: foi ele, pois, quem traduziu as tiras de Ferdinando e deu os nomes de Brejo Seco, Chulipa Buscapé e Lúcifer, de Pafúncio e Marocas. Dele, pode-se transcrever o que escreve Herman Lima: “Extravagante, como em tudo o mais, do nome à biografia, do traço originalíssimo ao próprio físico”.

Max Yantok n'O Tico-Tico em 1911.

Ainda encontramos mais duas histórias: uma de Théo e outra de Queiroz.

Finalmente, a primeira contribuição de Francisco Hikisch, lançando uma personagem entre engraçada e ingênua, na história “Molly é faceira”. Segundo o testemunho de Monteiro Filho, Hikisch era um homem com mais de cinquenta anos, cabelos  grisalhos, bom e engraçado. Esse aspecto reflete-se bem em suas histórias, deste e dos números seguintes — engraçadas e ingênuas.


Número 4 (4/4/1934)

Na capa, na ilustração sem assinatura, se reconhece o traço inconfundível de  Monteiro Filho, desta vez ilustrando o conto “O preto velho do cachimbo de ouro”, de Eustórgio Wanderley. Ainda vemos outra história de Queiroz e a segunda de Francisco Hikisch, “Molly passeia de avião”.


Número 5 (11/4/1934)

Na capa, mais um conto de Luis Martins, “A lenda do gigante que comia estrelas”, agora ilustrado por Tarsila. Tarsila do Amaral, quatro anos antes (1928), pintara “O Abaporu”, uma das obras mais representativas do Movimento Antropofágico; um ano antes, surpreendera com a tela “Operários”, nesse mesmo ano (1933), conhecera Luís Martins, no Rio, ao realizar a sua segunda retrospectiva carioca no Palace Hotel e, apesar de haver entre eles “uma grande diferença de idade”, tiveram forte ligação durante 17 anos. A ilustração de Tarsila — linear, mostrando toda a elegância do seu traço — valoriza a publicação e demonstra ousadia ao aproveitar o trabalho de uma pintora ainda tão polêmica.

Mais uma vez, Yantok colabora com uma página, contando como fora outro sonho de Frigolito.


Número 6 (18/4/1934)


Francisco Hikisch narra “Molly sonha com o papão”, história como todas as suas  anteriores.


Número 7 (25/4/1934)

Não há nada de importante a notar, pois a capa apresenta um capítulo de “Tim & Tok” (“Tim Tyler's Luck"), de Lyman Young.


Número 8-9 (9/5/1934)

Francisco Hikisch traça outra de suas histórias: “Molly é comandante”.


Número 10 (16/5/1934)


Max Yantok apresenta mais um sonho do Frigolito.

Número 11 (25/5/1934)

Na capa, mais um conto de Luís Martins, “A Origem dos lagos silenciosos”, com traço de Monteiro Filho.


Número 12 (30/5/1934)

Na capa, inicia-se um “romancinho para crianças”, “...E na lua tem gente”, de Heitor Marçal, que terminará no número seguinte, ambos os capítulos com a visão de Monteiro Filho.


Número 13 (6/6/1934)


Na capa, uma ilustração de Monteiro Filho para o conto "O rapaz que procurava a sorte”, de Diávolo.


Número 14 (13/6/1934)

Mais uma vez, Monteiro Filho dá expressão gráfica, desta feita ao conto “A história do menor gigante do mundo”, de Francisco Tornec.


Monteiro Filho

Como se vê, apenas pela enumeração acima, a grande figura artística do “Suplemento Infantil” é Monteiro Filho. Com o pai, fundou uma oficina de desenhos, cartazes e panos de boca para teatro. Matriculado no Liceu de Artes e Ofícios, teve como mestres Argemiro Cunha, Eurico Alves e Ernesto Francisconi. Em 1927, por concurso, passou a frequentar as aulas de modelo vivo na Escola Nacional de Belas Artes, tendo sido aluno de Rodolfo Chambelland, Cavaleiro e Marques Júnior. Em 1932, trabalhou em “O Malho”, onde conheceu Adolfo Aizen, com quem fundou a série de suplementos encartados em “A Nação”, de João Alberto. Realizou inúmeros cenários para cinema, teatro e televisão. Colaborou com o construtor Fossatti nos desenhos e perspectivas do Hotel Quitandinha, em Petrópolis, RJ. O caricaturista Fritz (Anísio Mota) levou-o a dirigir a seção de desenho do jornal “A Noite”, colaborando em “A noite Ilustrada”, “Vamos ler”, “Carioca” e “Vitrina”. Projetou os estúdios da Rádio Nacional. Fez apenas uma caricatura, a de Catulo da Paixão Cearense, considerada obra-prima. Alvarus (Álvaro Cotrim) escreveu sobre ele: “Raros, dizemos nós, souberam como ele interpretar com tanta beleza e segurança gráfica os textos que ilustrou e que o colocam no mesmo nível dos grandes desenhistas mundiais.”

Propositadamente, fizemos exaustiva enumeração dos 14 primeiros números do “Suplemento Infantil” de “A Nação” (na verdade, como vimos, não foram 14 números, mas apenas 13 — o 8 e o 9 reunidos num único). A partir do nº 15, repetimos, a publicação passou a denominar-se “Suplemento Juvenil”. E é a partir daí que os ilustradores, quase todos eles, serão comentados por ordem alfabética.


Alguns desenhistas do “Suplemento Juvenil”.

Antônio Euzébio Neto (Antônio Euzébio) (13.06.1925) — Em 1942, o “Suplemento Juvenil” lançou o seu “Quarto concurso de desenho”, cujo tema era o “Movimento de 1842”, ou seja, um episódio da vida do então Barão de Caxias. Nesse certame, surgiram os nomes de Antônio Euzébio Neto e Hélio Cardoni. Antes de participar do referido concurso, Euzébio era auxiliar de escritório no Rio e adorava desenhar nas paredes do bairro onde morava. Após o concurso, andou pintando e ilustrando várias capas para “Contos Magazine” e “Policial em Revista”. Mais tarde, na Editora Brasil-América (EBAL), fez inúmeras capas de revistas “Edição Maravilhosa”, “Epopéia”, “Misterinho”, “Pequenina”, “Princesinha” etc — além de desenhar uma das mais lindas histórias em quadrinhos brasileiras, essa obra-prima que é “História de Nossa Senhora Aparecida”, para “Série Sagrada”. É considerado dos melhores capistas brasileiros, sendo excelente a sua técnica em guache. Durante muito tempo, se dedicou à publicidade, onde foi bem requisitado.

Arquibaldo Ribeiro — Ilustrou a história “Anhanguera”, com texto de Borelli Filho.

Carlos Arthur Thiré (Carlos Thiré) — Filho de Cecil Thiré, professor de Matemática do Colégio Pedro lI e Colégio Militar, Carlos só queria ser desenhista, para desgosto do pai, que o desejava ver matemático e engenheiro, como ele. O rapaz foi apresentado à redação do jornal “A noite” por seu colaborador, o escritor Malba Tahan (pseudônimo literário do Professor Júlio César de Melo e Souza), grande amigo do Professor Thiré, com quem escrevera alguns livros didáticos de Matemática. O rapaz, que na época já namorava Maria Antonieta Porto Carreiro, mais tarde a atriz Tônia Carrero, com quem acabou se casando, começou a trabalhar no jornal. Dali, passou a colaborar no “Suplemento Juvenil”, onde publicou, de 1936 até 1940, diversas histórias: “O gavião de Riff” (nº 185), “Raffles” (nº 210), “O senhor do oitavo pilar” (nº 255), “A volta de Raffles” (nº 387), “O baile de máscaras” (nº 444), “A maldição do faraó louco” (nº 531), “Raffles em Paris” (nº 693), “Ricardo Relâmpago” (nº 812) e “3 nomes começam com R” (nº 902). Seu traço, simples mas elegante, fino e requintado, tornou-o um dos desenhistas mais apreciados daquele período.

Belfort — Dele sabemos apenas este nome e que ilustrou a belíssima “Serra do Roncador” e, mais tarde, “No reino do silêncio” (nº 802, 30/1/1940).

Carlos de Almeida — Ilustrou a vida de Caxias, com textos do então Major Afonso de Carvalho. O referido trabalho — que começou no nº 798 do “Suplemento Juvenil” (20/1/1940) — tem um total de 26 capítulos, cada um com 6 quadros.

Celso Barroso (1924)— Venceu o “Segundo concurso de desenho” instituído pelo “Suplemento Juvenil”. Nasceu em Niterói, em 1922. Estudou em Campos. Em 1937, ao vencer o concurso — sobre a Independência do Brasil — veio para o Rio e passou a trabalhar no departamento artístico da publicação. Foi melhorando o traço cada vez mais, à medida que publicava seus trabalhos. Foi para a publicidade e, mais tarde, transferiu-se para os Estados Unidos.

Estanislau — Dele sabemos apenas que ilustrou algumas páginas cívicas e algumas “Cenas da história pátria”, com textos do poeta Murilo Araújo.

Fernando Dias da Silva (1921) — Maranhense, foi o vencedor do primeiro concurso de desenhos do “Suplemento Juvenil”, em 1937, com o trabalho “O enigma das pedras vermelhas”, história e desenhos seus, publicado a partir de 27/1/1938. Por ter traço muito pessoal, minucioso e elegante, foi convidado por Adolfo Aizen a vir trabalhar no Rio. Aceitou e veio imediatamente com a mãe, deixando no Maranhão a noiva, Muriel, com quem mais tarde se casou. Ao chegar ao Rio, precisava de móveis e o próprio Adolfo Aizen lhe deu móveis que tinham pertencido à sua mãe. Durante muito tempo trabalhou no Grande Consórcio de Suplementos Nacionais, onde ilustrou inúmeras capas, contos e histórias. Em 1941, a partir do nº 1071, publicou a série “Ouro Preto, cidade monumento”, com texto de Américo Palha. Em 1942, ilustrou em capítulos “Guerra holandesa”. Mais tarde, ao reuni-los em livro, pintou a capa em enorme tela a óleo, dificílimo na época de se reproduzir. Repetiu, então, o mesmo quadro a traço, com aplicação de cor, trabalho efetivamente utilizado. O quadro passou a pertencer a Adolfo Aizen e está em sua residência. Em 1980, quando a EBAL publicou “Holandeses no Brasil”, nova quadrinização do mesmo episódio, aproveitou-se a tela a óleo para a capa. Por aquela a traço, Fernando ganhou uma viagem aos Estados Unidos e, mais tarde, passou a trabalhar na McCann—Erickson Publicidade. Ilustrou uma quadrinização de “As minas do rei Salomão”, para “O mundo Ilustrado”, em lindíssimo colorido, pois também é excelente aquarelista. Por essa época, iniciou a revista “Capitão Atlas”, baseada no programa radiofônico de Péricles do Amaral. Após algum tempo, passou os desenhos da história em quadrinhos para André Le Blanc.

Discípulo confesso de Alex Raymond, consta que, na primeira vez em que foi aos Estados Unidos, teria procurado o mestre e mostrado trabalhos seus. Raymond teria ficado tão impressionado com a semelhança do traço, que, por ter de viajar, lhe teria dado o roteiro de Flash Gordon para que o brasileiro o desenhasse. Com a ajuda de um dicionário para poder entender melhor o texto, Fernando desincumbiu-se da tarefa. Anos mais tarde, viajou em definitivo para os Estados Unidos, onde vive perto de Chicago. Lá, até há pouco, desenhava as tiras diárias de Rex Morgan, assinando-se “da Silva.”

                                                    Fernando Dias da Silva em 1959.

Gutemberg Monteiro — Arlindo Monteiro, motorista de Adolfo Aizen, certo dia lhe informou ter um irmão com muita queda para o desenho. Começou a trabalhar no “Suplemento Juvenil”, transferindo-se depois para a Época, empresa de propaganda de Geraldo Orthof, pai da escritora infantil Sylvia Orthof. Na década de 50, desenhou quadrinizações de romances brasileiros para a EBAL e a Rio Gráfica — “O sonho das esmeraldas”, “A senhora de Pangim”, “Anita e Garibaldi” etc. Foi para os Estados Unidos, onde, por muito tempo, trabalhou para o grupo Harvey. Hoje, assinando-se “Goot”, encarrega-se das pranchas dominicais de Tom & Jerry.

H. Santos Luzes — Ilustrou várias “Cenas da história pátria”, com textos de Murilo Araújo.

Hélio Guimarães Cardoni (12.06.1924) — Venceu, com Antônio Euzébio Neto, o “Quarto concurso de desenho”, cujo tema era o “Movimento de 1842”, ou seja, um episódio da vida do então Barão de Caxias. Ilustrou capas do “Suplemento Juvenil”. Mais tarde, passou a trabalhar em publicidade.

Hélio Queiroz — Estreou em “Mirim”, com “A estréia de Roberto Galvão (nº 30, 21/11/1937). Em “Suplemento Juvenil”, lançou “Tempestade nos Andes” (nº 614, 17/11/1938).

Hugo Winkelman (1923) — Tinha uma especialidade: desenhar títulos.

Humberto Barreiros — No nº 77 (4/6/1936), surgiu com Biluca, personagem de uma história com legendas em versos de Alberto da Costa. Daí por diante, passou a ilustrar inúmeras capas do “Suplemento Juvenil”, em especial as da série “Galeria dos heróis” e as em que se anunciavam, para promoção, os personagens a serem lançados.

Ildeu Moreira da Silva (1921) — A ele estava entregue a responsabilidade das capas e da propaganda. Mais tarde, mudou-se para Belo Horizonte, onde atualmente é pintor de renome. Obras suas figuram em algumas agendas de fim de ano.

Mário Figueiredo Jaci Monteiro (Mário Jaci) (1924) — Já era desenhista de “O Tico-Tico”, quando resolveu também colaborar para o Grande Consórcio de Suplementos Nacionais. Foi até lá em companhia da mãe, pois tinha apenas 15 anos. Os primeiros, trabalhos apareceram em “Mirim” — adaptações de romances de Rafael Sabatini, como “Capitão Blood” e “A volta do Capitão Blood”, e depois “Brasil: quatro séculos de história”. Para o “Suplemento Juvenil”, ilustrou alguns episódios da história do Brasil, com textos de Américo Palha, e algumas “Grandes figuras”. Colaborou em “O Globo Juvenil”, “Vida Juvenil“, “O Jornal”, “A Vanguarda”, “Diário da Noite”, “Revista da Semana”, entre outros. Orgulhoso, hoje afirma que o primeiro apartamento foi comprado apenas com o dinheiro ganho com os quadrinhos. Há cerca de 25 anos, deixou de ilustrar quadrinhos e passou a fazer projetos de engenharia hidráulica pluvial e é astrônomo amador.

Mário Pacheco — Um dos grandes ilustradores do “Suplemento Juvenil”. São dele inúmeras capas e páginas de “Grandes Figuras” e “Cenas da história pátria”. Seu traço elegante e bem acabado tornou-o um dos melhores ilustradores de sua geração. Hoje em dia, colabora no Departamento Artístico da Distribuidora Record.

Miguel Hochman — Desenhou as páginas de “Formação da pátria”, uma história do Brasil, com texto de Martim Vaz (Prof. Max Fleuiss), baseado nas “Efemérides brasileiras”, do Barão do Rio Branco. Mais tarde, todas as páginas foram reunidas em livro. Hochman desenhou algumas capas do “Suplemento Juvenil”. Na segunda metade da década de 50, foi cenógrafo da TV Tupi, em especial do programa “Grande teatro” e, depois, da firma Rei da Voz.


Oscar Brenner (1926) — Foi descoberto em 1940, através do concurso do “Suplemento Juvenil”, “Descobrindo artistas e revelando valores”. Ao ser contratado pela publicação, consideraram-no o mais jovem desenhista profissional do Brasil, pois ainda não completara 14 anos. Ilustrou várias capas e páginas da série “Grandes figuras”. Pintou a óleo o retrato do Coronel Costa Netto, superintendente das Empresas Incorporadas ao Patrimônio da União, que passou a figurar na sede da mesma.

Raimundo Santos — Desenhou várias páginas da série “Grandes datas do Brasil”.

Renato Lima (1921) — Ilustrou a história “A Serra de Prata” (com texto de Mário Lima), cujo primeiro capítulo foi publicado no nº 285. Desenhou, ainda, uma série de biografias de pintores brasileiros.

Rodolfo Iltzsche — Desenhista e pintor de origem alemã, era filho de um fabricante de vitrais, em cuja oficina trabalhou por muito tempo, no Rio. Ilustrou grande número de páginas cívicas, além de criar e desenhar a história “No País das amazonas”, que começou a ser publicada pelo “Suplemento Juvenil”, no nº 733 (22/8/1939). Em 1956, foi responsável pela quadrinização de “A ilha selvagem”, romance de Théo Filho.

Sálvio Corrêa de Lima Negreiros — Nasceu em Caxias, MA, e se criou em São Luís. Em 1941, aos 18 anos, venceu o “Concurso de história em quadrinhos" sobre “A retirada da laguna”, com história e legendas de sua prima, Aurora Corrêa Lima. Os desenhos — lindíssimos e de uma classe incomparável, mesmo para um jovem recém saído da adolescência — fizeram com que Adolfo Aizen o convidasse a trabalhar no Rio, no “Suplemento Juvenil”.

Era em plena guerra e o mar oferecia muitos perigos. Sua viagem é uma epopeia, digna de quadrinização. De São Luís para Teresina, tomou um trem, uma velha Maria Fumaça, em viagem longa e cansativa. Ao chegar a Teresina, fez uma exposição de quadros pintados ali mesmo; um deles; “Colheita da carnaúba”, foi adquirido pelo Governador por 800.000 réis. Com o dinheiro arrecadado na venda das telas, chegou a Fortaleza montado na carga — juta e caroá — de um caminhão. Outra exposição em Fortaleza. Em Petrolina, Pernambuco, pegou uma barcaça e subiu o rio São Francisco até Pirapora, Minas Gerais. Tomou um trem até Belo Horizonte e outro até o Rio. Ao chegar ao Grande Consórcio, foi contratado e passou a ilustrar capas do “Suplemento Juvenil”, “Contos Magazine” e “Suplemento Policial”. Dele é a capa de “A Grande aventura”, edição comemorativa dos 10 anos do “Suplemento Juvenil”.

Colaborou em várias revistas (“Ele e Ela” etc), ilustrando contos, e em várias editoras. Hoje em dia destaca-se muito em publicidade e trabalha na Salles Inter-Americana Publicidade.

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NAUMIM AIZEN é Diretor Editorial da Editora Brasil-América, autor de "Onomatopeias nas histórias em quadrinhos”, em “Shazam!”, de Álvaro de Moya (Perspectiva), e “Era uma vez duas avós...”, livro infantil.



sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Palestrino - 1970

Palestrino surge em 1970 como coadjuvante nas aventuras da Tina de Mauricio de Sousa e seu nome remete diretamente à Sociedade Esportiva Palmeiras, time de futebol cujo nome originalmente era Palestra Itália e cujo símbolo era um periquito.

Palestrino foi comprado por engano por Toneco, como podemos ver na história publicada na revista Mônica nº 06 (editora Abril, 1970). Ganha sua série regular em 1972, no rodapé das páginas dominicais da Tina que saiam no Suplemento Quadrinhos da Folha de São Paulo. Essas tiras foram posteriormente publicadas de maneira solo em vários jornais pelo Brasil afora.

Maurício descreve assim o personagem:

Palestrino é um papagaio meio boca suja que apareceu nas primeiras historinhas da Tina e do Toneco. Ele era o papagaio da Vovóca, e, por fazer tanto sucesso, teve suas próprias tirinhas um bom tempo. Foi criado em 1970.

Abaixo, Palestrino no Suplemento Quadrinhos, Folha de S. Paulo, 1972.


 

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Mauricio de Sousa - Entrevista - 1985

Entrevista realizada em 28 de janeiro de 1985 pelo jornalista Worney Almeida de Souza (WAZ). O tema versa basicamente sobre a gênese da personagem Tina e fazia parte de um estudo mais abrangente sobre as mulheres desenhistas de quadrinhos nesse período. Esse mesmo material foi publicado com edições no fanzine Quadrix nº 5, Especial Mulheres, em março de 1985.

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                            Tina no Suplemento Quadrinhos da Folha de S. Paulo, 1972.

Worney Almeida de Souza: Eu queria primeiro saber como surgiu a personagem da Tina. 

Maurício: A Tina surgiu da necessidade que nós tínhamos de puxar um personagem, ou uma história, pra falar uma linguagem mais próxima do adolescente. A primeira Tina quase que era uma Mônica, cinco ou seis anos mais velha, até em número de fios de cabelo. E era uma menininha dos seus 12 anos aproximadamente, meio feiosona, meio sem formas ainda definidas como mulher, acompanhada do Rolo, da Pipa, do Toneco, do Toim, personagens infantis, crianças, bichinhos, pra preencher melhor o mundinho, o universo dela. Só que com o tempo eu percebi que Toim, Toneco, os bichinhos, o papagaio, o cachorro, tavam brigando muito com a turma da Mônica, estavam muito próximos ainda da turma da Mônica e eu precisava então distanciar um pouco mais, foi daí que eu resolvi fazer um estudo do personagem mais velho. Então eu desenhei a Tina já com formas de mocinha, de menina moça, de cocotinha, de seus 17 anos aproximadamente. E desenvolvi esse desenho, tanto dela como também da Pipa, um pouquinho mais rechonchudinha, um pouquinho mais cheia de formas femininas e repassei, depois de algum tempo, repassei pra equipe, que é como nós fazemos aqui. Normalmente eu crio o personagem, eu crio o estilo do personagem, desenvolvo durante algum tempo e depois eu passo pra equipe. E com o tempo, então, o pessoal vai desenvolvendo as histórias da Tina. No começo eu escrevia todas elas, desenhei as primeiras e em seguida, depois, eu fui passando para o pessoal. Hoje os roteiros são escritos por três argumentistas e os desenhos são feitos também por desenhistas moços e moças, homens e mulheres. Quem herdou no começo, quando eu passei a Tina de formas mais femininas para o estúdio, quem pegou as primeiras Tinas foi uma desenhista chamada Emy (Emy T. Y. Acosta), que trabalha conosco na história em quadrinho e agora também na animação. A Emy, ela ao mesmo tempo, também, ela é acompanhada por outros desenhistas da casa como o Sidney, que também faz, durante algum tempo também fez as histórias. Outro desenhista chamado Julinho, Júlio Maurício, também fez as histórias da Tina, e posteriormente, agora, mais recentemente a Rosana (Rosana Munhoz Silva, 12 de novembro de 1963 - 14 de janeiro de 1996), que também faz histórias da Tina. A Tina, no lápis, ela é uma coisa, com uma arte final sofisticada, ela ainda ganha muitos pontos para cima, então, como é um personagem feminino, precisa ter uma aura e um cuidado, assim, um bom cuidado em termos de visual, roupas, moda e tudo o mais eu também prefiro que os arte-finalistas da Tina sejam mulheres, então, a arte final padrão da Tina começou nas mãos da Alice que é nossa diretora de arte, Alice Takeda. Daí, outras arte finalistas como a Marly Mitsunaga (Marli S. Mitsunaga Oyawa) também pegaram a Tina. Mas de vez em quando conforme a necessidade, arte finalistas homens também cuidam das histórias da Tina. Isso num sistema que nós usamos aqui no estúdio que permite que os nossos artistas, nossos desenhistas e arte finalistas, não fiquem parados, especializando-se apenas em um personagem, num universo. Eles fazem Bidu e fazem Horácio, fazem a Tina, fazem a Mônica e assim por diante. Logicamente, eu acho, que a Tina vai ganhar um universo muito maior quando eu tiver aqui no estúdio uma roteirista mulher que esteja vivenciando a realidade da menina moça, da menina pré vestibulanda. Isso me falta aqui ainda, inclusive estou em busca de uma roteirista mulher, que traga toda a carga e sensibilidade feminina pra enriquecer ainda mais o universo da Tina, Por enquanto nós estamos dando pro gasto aí e engendrando um personagem que neste ano vai ganhar revista própria inclusive.

 
Acima, Tina em O Jornal (1972).

WAZ: Só relembrando uma coisa, a primeira personagem (Tina) quando que nasceu? Em que ano? 

Mauricio: Não saberia te responder nesse momento, preciso pesquisar. Posso ver daqui há pouco. (Para saber mais clique aqui).

WAZ: E a personagem transformada quando nasceu?

Mauricio: Também, daqui há pouco te digo... 

WAZ: Você percebeu de repente que além das revistas o personagem necessitava de um desenvolvimento melhor, né? E de fato parece que foi a única personagem sua que cresceu, né? Cronologicamente... Passou de uma menina de 12 anos para uma de 17... 

Mauricio: Foi o único personagem que se alterou, que alterou as características. Dizem que para melhor.


Tina em tiras diárias, já com seu visual reformulado, 1978.

WAZ: Como é que tem sido a recepção da própria personagem? Especialmente no meio das mulheres. Que ela também procura atingir uma faixa de mulheres...

Mauricio: Procura. E nós precisamos ter muito cuidado, principalmente se são rapazes que escrevem as histórias, com os velhos vícios de machismo. É muito difícil, a nós homens, escrevermos com a cabeça da mulher. Aliás eu tive esse problema quando eu criei os personagens femininos meus crianças. Eu antes de ter as minhas filhas, a Mônica, Mariana, Magali e tudo o mais, eu escrevia histórias em quadrinhos, as primeiras histórias, do Bidu, do Franjinha, do Cebolinha, do Cascão, mas eu quase que me bloqueava, eu não fazia muito personagem feminino, porque eu não sabia como a cabeça da menina funcionava, eu nunca tinha sido menina, menino sim. Depois com o exame, com a familiaridade lá em casa com as minhas filhas, eu aprendi com elas como é que funciona a cabecinha das meninas. Eu imagino que aprendi, eu acho que sim, porque senão a Mônica não tinha feito sucesso. Com isto eu consegui escrever as histórias das menininhas também, mas eu nunca fui uma cocota, não sei bem como é que funciona esse negócio. Tive filhas adolescentes, tenho agora de novo também, as duas gêmeas Vanda e Valéria, estou tentando aprender com elas muita coisa, mas por outro lado, nesta época, geralmente a menina vai se aproximar melhor das amigas, dos amigos, e sai um pouco do lado dos pais, então a gente precisa ir buscar, ir atrás, e nem sempre a gente pega a essência do que está acontecendo com os adolescentes, então estou tentando aprender com as minhas atuais filhas adolescentes muita coisa, e eu até mesmo discutir com os roteiristas que vêm aí, com roteiristas nossos atuais, e o que vier, os problemas do adolescente, a vivência, o que esperam, o que eles aceitam e o que não aceitam mais, porque a vida tá aí, com uma dinâmica tremenda, a cada dia que passa o pessoal tá querendo enfrentar coisas novas, buscar novas vivências, novas situações, aprendendo coisas novas. Então eu acho que é uma história realmente, a Tina, é uma série de histórias que prometem muito, porque eu espero que seja uma coisa viva, em cima do que estiver acontecendo. Estamos tentando...


WAZ: Dá pra se notar no personagem, que é um personagem mais ligado no real, as situações, os argumentos, ele atinge mais o real do que o resto do personagens. Por exemplo, tem uma história que ela tava procurando emprego, tem uma história que ela tá fazendo vestibular, tem uma história que ela tá jogando na Loto. E você percebe que o próprio desenho tem um pouco de mangá feminino, quer dizer, o desenho feminino é diferente do desenho masculino. Dá pra se perceber um pouco nos traços. 

Mauricio: Você pode! Na história da Tina você pode sofisticar um pouco mais, porque inclusive a mensagem, a estrutura, tudo que está acontecendo a gente pode sofisticar mais, porque o público a que se destina realmente é um público que vai entender, vai sentir, não vai se distrair com detalhes. Na história teoricamente dirigida à criançada você tem que ser mais objetivo, direto, mais enxuto. A Tina pode se sofisticar mais ainda, a partir de agora quando nós aprendermos ainda mais com os jovens, com os adolescentes que fatalmente vão nos ensinar muita coisa. Eu acho que a Tina é um personagem em expansão. 

WAZ: Isso quer dizer que os outros personagens da história dela, o Rolo por exemplo, o Zecão, eles podem ser transformados? 

Mauricio: Eles podem ser melhor estruturados, eles podem ter uma personalidade mais rica, uma essência mais forte também pra ser apresentada. O Zecão, a Pipa, o pai da Tina que não tem aparecido muito também é uma figura importante, porque é um contraponto. Sempre o pai é o contraponto nas histórias. Então, eu pretendo muita coisa com a Tina. Não só a revista que nós estamos pretendendo fazer, através da Abril, mas talvez até mesmo o merchandising, afinal de contas é o que pode nos levar adiante, porque só com história em quadrinhos às vezes é problemático, a história em quadrinhos tem um custo muito alto, você sabe, principalmente uma história como essa que é feita em equipe e exige pesquisa, estudo. E eventualmente até mesmo alguma viagem. Alguns anos atrás, numa dessas busca, buscas das origens, busca de uma origem, eu queria transformar a Tina numa menina baiana. Se você analisar as histórias da Tina você vai ver que em algumas, muitos anos atrás, a Tina já andou por Salvador, havia paisagens baianas e tudo o mais, O pessoal botava a mochila nas costas e saia por aí. O pessoal faz hoje a mesma coisa mas não com aquele teor de aventura que havia antigamente. Hoje está mais fácil um pouco você sair de mochila por aí, naquele tempo era meio aventureiro. Eu estava buscando, eu mandei gente pra Bahia pra pesquisar, tirar fotografia pra servir de base aqui pro pessoal estudar. Não é impossível que se faça alguma coisa nesse sentido. Enquanto isso nós estamos também internacionalizando a Tina e essa realidade que você sente aí, que é mais um pouco chegada à nossa realidade, à realidade do jovem urbano brasileiro, do estudante urbano brasileiro. 

WAZ: Isso quer dizer que quando você desenvolver o personagem na própria revista ele vai se sofisticar cada vez mais?

Mauricio: Eu penso que a Tina pode, inclusive, também estamos pensando na Tina em desenho animado pra televisão. Com pequenas vinhetas de animação para a televisão, não só na brasileira mas também no exterior. Eu penso que está faltando na comunicação em quadrinhos e também no desenho animado, na mídia mundial, está faltando um grupo de personagens jovens, puxados pros nossos hábitos latinos urbanos. Nós somos, aqui em São Paulo pelo menos ou nas grandes cidades brasileiras, nós temos um jeitinho de tratar, de enfrentar problemas que dá para exportar. Porque são dados positivos, porque o jovem, tanto daqui como das grandes cidades brasileiras, o jovem enfrenta hoje uma série incrível de problemas e não está se vergando, não está se curvando, está ainda teimando em continuar, em tentar resolver. Mesmo com as escolas mal administradas de hoje, mesmo com o currículo que realmente deixa a desejar, com problemas com professores, com a instituição escola realmente com muitas falhas, o jovem ainda assim está tentando passar por cima disso e chegar do outro lado. Nos países ditos mais adiantados o jovem já é um acomodado, já baixou a cabeça e vai seguir, como dizia antigamente o pessoal, vai seguir a procissão, ou o enterro, pior ainda. No nosso caso o jovem está se recusando. Eu sinto isso através da rapaziada que chega aqui, que eu conheço por aí. O jovem está tentando ainda levantar a bandeira e passar por cima desses problemas todos. Eu penso que isto significa, ou isso dá o sinal, de que realmente este é o país que tem que confiar na força jovem, no pessoal jovem. Porque o pessoal que já veio aí, que já fez o que tinha que fazer, a gente não pode esperar muita coisa.

WAZ: Eu queria saber como é que você começou a montar essa equipe também com mulheres e até que ponto elas interferem, ou ajudam, no desenvolvimento dos personagens. 

Mauricio: Numa empresa como a nossa, que lança a Mônica, que de certa maneira é um protótipo da mulher independente, que não leva desaforo pra casa, que consegue resolver os problemas com seus próprios recursos, eu não podia fazer diferença entre homem e mulher, eu teria realmente que abrir as portas aqui pra profissionais que chegassem e contratar quem quer que fosse, que estivesse bem em desenho, bem em arte final, quer fosse homem, quer fosse mulher. Acontece que realmente em alguns trabalhos, tipo arte final, a mulher tem uma mão mais delicada, mais macia, pra alguns trabalhos mais delicados a mulher tem mais paciência, um traço mais sofisticado até. Então, na nossa empresa eu não pergunto quem quer fazer o quê. A gente vê realmente quem tem um estilo mais adequado pra determinada história ou até às vezes uma história de um mesmo personagem, conforme o tratamento que deve ter, deve sr direcionada pra um arte finalista homem ou mulher, conforme o jeitão, conforme o estilo em que a história foi concebida e desenhada. Acho que nós temos hoje um empate entre homens e mulheres na parte de desenho, na parte de arte final também estamos empatados, e acho que eu gostaria de ter mais mulheres, porque, veja bem, a mulher, quer nós homens queiramos ou não, ela realmente tem uma sensibilidade mais à flor da pele. Ela está mais espiritual, sempre, do que o homem. Tanto que quando eu tenho uma dúvida quanto a um roteiro de história, eu acho que um roteiro que um dos nossos roteiristas tenha criado, contém alguma coisa que eu ainda não concordo muito, que eu acho que é meio agressivo, alguma coisa assim, se eu tenho dúvida eu mando passar pelas moças da empresa, pra elas analisarem. Se elas acham que está tudo bem, a história sai, se as mulheres vetam é porque o negócio não está bom. É porque ou está agressiva, ou está grosseiro, ou está de mau gosto, ou coisa que o valha. Então eu costumo ouvir muito as profissionais nossas aqui em todos os sentidos, e acho que a contribuição delas é excepcional. Sem as nossas artistas mulheres provavelmente nós estaríamos ainda caminhando pra chegar na metade de onde chegamos.

WAZ: Apesar de existir um rodízio, cada profissional pega um personagem um determinado tempo, existe algum personagem que as mulheres especificamente trabalham ou não? 

Mauricio: Não, não há. Exatamente pra evitar que o pessoal se defase, que haja uma defasagem no estilo. Nós, de alguma maneira, a revista toda, todas as nossas publicações têm um determinado estilão. Um desenho mais solto, mais aberto, um traço bem objetivo, direto, sem muito rebuscado. Se alguém ficar só numa história, começar a se desenvolver só naquela história, a tendência será ela começar a se transformar, a ter um estilo totalmente diversificado. Não dou dois anos, pra todos os efeitos, a história dar a impressão de que foi feita num estúdio de outro país, de outro lugar, de outro autor e assim por diante. Então nós fazemos com que todos os desenhistas façam o mesmo tipo de trabalho. Lógico, alguns fazem melhor um material do que o outro. Há arte finalistas que gostam de histórias mais sofisticadas, de aventuras, outros gostam de mais brancos e vazios, e assim por diante, mas nós fazemos realmente esse rodízio. Alguns desenham bem mulheres, melhor do que outros. Já houve casos em que, principalmente nas tiras de jornal, um desenhista fazia os homens, outro desenhava as mulheres, daí então saia um equilíbrio. No começo quando eu criei a Tina cocota, a Tina bonitinha, eu demorava, assim, vamos dizer, dez vezes mais tempo pra desenhar uma Tina do que uma Mônica, porque eu não estava acostumado a desenhar aquele tipo de forma. A gente vai treinado e vai saindo. A mesma coisa acontece com os outros desenhistas também. Hoje eu voltei de novo, eu desenho pouco Tina. Ontem mesmo um garoto me pediu: desenha a Tina, eu desenhei, mas enquanto eu desenho uma Mônica em alguns segundos, a Tina demora um minuto, dois, pra sair bonitinha. 

WAZ: Última coisa: você se lembra, algum tempo atrás, faz uns cinco ou seis anos, na Folha de S. Paulo, começou a aparecer alguns desenhos que eram, creio que eram do seu estúdio, mas eram personagens com um desenho bem diferente, inclusive a Mônica e o Cebolinha, com roupas diferentes, roupas de criança. Isso foi feito por mulheres ou não? Eram personagens bem redondinhos, inclusive no Pelezinho tem muitos personagens assim.

Mauricio: Isso é nossa linha Baby, a nossa linha que aqui no estúdio a gente chama linha Baby, a gente usa pra merchandising às vezes, principalmente no merchandising ligados a produtos bem infantis, tipo chupeta, mamadeira e tudo o mais, nós usamos a linha Baby, é uma linha que inclusive os super-heróis têm, tem os super-heróis minizinhos, tem o Archie minizinho, e não é impossível que saia também uma linha Mônica Baby em quadrinhos.

WAZ: É que tem alguns personagens, alguns desenhistas em que o personagem é bem mais redondinho, mais fofinho. No Pelezinho* tinha muito disso e em algumas histórias da Mônica. 

*Worney está se referindo às ilustrações e histórias desenhadas por José Márcio Nicolosi (ilustração abaixo). 

  

Mauricio: Alguns dos desenhistas têm uma tendência a arredondar, outros não tanto, então, o material vem pra mim e eu sugiro até onde vai o arredondado, até aonde deve ir, então nós damos uma média, mas a linha Baby nós usamos mais pro merchandising ou às vezes ilustração, como você mencionou, na Folhinha, num jornal infantil vai bem, numa revista fica cansativo você fazer tudo pequenininho, redondinho, fica cansativo, então a gente dá uma dosagem pra não ferir. Mas temos dezenas de maneiras de apresentar o personagem, temos dezenas de maneiras de apresentar a fórmula, a fôrma dos personagens, tanto em duas dimensões, desenhados, como em três dimensões. O que precisa analisar aqui é como é que o público em cada setor, em cada canal de comunicação, vai receber. 

WAZ: Última coisa, quando é que sai essa revista da Tina, tem previsão?

Mauricio: Está sendo programada agora. Quando a gente programa, geralmente um ano, seis meses, pra sair. Acho que lá pras férias. 

WAZ: E seria quinzenal? 

Mauricio: Nós vamos sair com um almanaque primeiro, testar, e daí conforme for sair com uma revista periódica. 

WAZ: Ah, tudo bem, é isso. Obrigado.