segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Marcio Sidnei - Entrevista - 1978

Matéria/entrevista inédita realizada pela ECAB (Editora Carneiro Bastos) em 1978 com o desenhista e editor Marcio Sidnei Ehrlich, colaborador da revista O Bicho da editora Codecri.

Marcio Sidnei – Entrevista - 1978

O problema da regulamentação das histórias em quadrinhos na imprensa brasileira é um assunto que preocupa sobretudo o artista nacional cujos trabalhos sofrem as maiores restrições impostas pelo cartum estrangeiro, com a conivência dos editores nacionais. Embora tenha sido regulamentado por decreto-lei assinado em 1963, a matéria continua sendo até hoje o grande "fantasma" que representa a importação de personagens do exterior simplesmente porque as empresas editoras não cumprem a sua obrigatoriedade.

Por Marcio Correia Lima

A Editora Carneiro Bastos - ECAB, especializada na distribuição de cartuns genuinamente brasileiros e que luta há mais de três anos para impor o artista nacional no hostil mercado local, estrangulado pela maciça importação de nomes estrangeiros, reuniu em mesa redonda dois grandes desenhistas do quadrinho nacional - José Menezes (entrevista no post anterior) e Marcio Sidnei Ehrlich - para debater a situação e de quebra ouviu o jornalista Henrique Caban, chefe da redação de um dos maiores jornais brasileiros (O GLOBO), em cujas páginas abrigam os mais famosos nomes do "cartoon" internacional, em detrimento do produto nacional.

O QUE DIZ A LEI E O QUE NÃO CUMPREM OS EDITORES

No dia 23 de setembro de 1963, o então presidente João Goulart assinava o decreto-lei 52.497 que foi submetido ao Ministério da Educação de Paulo de Tarso, o qual disciplinava (e a partir dessa data nacionalizava) a publicação de histórias em quadrinhos. Segundo o decreto, as empresas editoras deveriam publicar, no conjunto de suas edições, 30 por cento de histórias nacionais a contar de 12 de janeiro do ano seguinte. A percentagem que visava diminuir o afluxo de temas estrangeiros nas histórias em quadrinhos, seria aumentada para 40 por cento em 1965 e 60 por cento em 1966, sendo que os desenhos humorísticos e as ilustrações seriam exclusivamente nacionais a partir do próximo ano.

Mas, apesar dessas imposições, de lá para cá, parece que a lei não surtiu nenhum efeito ou não entrou totalmente em vigor, pois o que se vê publicado em quase todos os veículos nacionais, com raras exceções, é a maioria esmagadora de desenhos estrangeiros.

Marcio Sidnei Ehrlich editor de histórias em quadrinhos de O GLOBO, além de ser crítico especializado na matéria e um estudioso da comunicação, fala do custo de uma tira de quadrinhos americanos.

— Para nós que recebemos o produto já manufaturado e produzido em série, esse custo é relativamente barato. Mas para o "syndicate", que contratou o desenhista, esse mesmo custo sai muito mais caro. Em alguns casos, de desenhistas famosos, as vezes a tira fica por 10 mil cruzeiros.

Para a maioria dos cartunistas brasileiros, as portas dos principais veículos estão fechadas, as chances são mínimas de verem seus trabalhos publicados e os incentivos quase não existem.

Sobre esse tema Márcio Sidnei explica que não são muito boas as perspectivas de abertura para o artista nacional, e que isso decorre sobretudo, da situação acima exposta. Isto é, o fator econômico.

Como autor de quadrinhos que também é, e já tendo publicado inclusive durante alguns anos a série “Sir Lancelot", na Tribuna da Imprensa, e atual colaborador junto com o desenhista Adail da série "Aristeu, o Juiz", Marcio comenta que sempre defendeu a criação de uma cooperativa que cuidasse dos problemas de produção e distribuição. Segundo o editor de quadrinhos de O GLOBO, na realidade, tem sido muito difícil conseguir a união dos desenhistas, cujas principais causas ele próprio desconhece. Mesmo assim, ainda espero que a ideia venha a se concretizar. Interrogado sobre o que se tem feito em prol do desenhista brasileiro, responde:

Marcio Sidnei e seu personagem Sir Lancelot em 1975 na revista O Bicho.

— Sou a favor da criação de um sindicato nos moldes do existente nos Estados Unidos como única saída viável para regulamentação da situação do profissional no Brasil.

Marcio Sidnei Ehrlich acha que o desenhista brasileiro carece de uma melhor formação técnica, principalmente no campo das artes visuais e gráficas para que este possa entrar num mercado cada vez mais competitivo e exigente. É preciso ser muito profissional.

Quanto a não devida divulgação do artista e de seus trabalhos, Sidnei Ehrlich é da opinião de que se deve montar um esquema perfeito de distribuição de âmbito nacional, que permita o barateamento nos custos para os jornais interessados na compra das histórias. É praticamente impossível, afirma Marcio, para os veículos nacionais, pagar a exclusividade dos desenhistas, enquanto nos Estados Unidos existe a fórmula do "syndicate", que cuida da produção e distribuição das histórias para o mercado local e externo.

Entre os profissionais brasileiros, ele destaca Luiz Fernando Veríssimo, Jaguar, Chico Caruso, Ziraldo e Jô Oliveira, entre outros. Do lado internacional, aponta o Recruta Zero, no original, Beetle Bailey e Hagar; e os desenhistas Feiffer, Moebius e Quino, entre os melhores.

O jornal O GLOBO do Rio de Janeiro é o único veículo brasileiro que não publica uma só tira diária de artistas nacionais; por outro lado, em suas páginas diárias, como no suplemento dominical, são editadas 19 histórias estrangeiras, para uma nacional representada pelo "Sitio do Pica-Pau Amarelo".

Para o jornalista Henrique Caban, chefe da redação de O GLOBO e ferrenho defensor do "cartoon" importado, o desenhista nacional não existe, ou melhor, diz que só pode citar um: Mauricio de Sousa.

Com esse ponto de vista radical, Caban vai mais além e afirma que o artista nacional não tem mesmo chance. E acrescenta que esta só virá quando todos se unirem em torno de um órgão de classe, porque a união faz a força.

Embora sustentando a afirmação negativa de que o mercado vai continuar fechado para o desenhista brasileiro, Henrique Caban se contradiz e declara que tem tentado abrir as portas para os profissionais de casa, e que sim continuará fazendo.

Contra a argumentação de que o que se vê todos os dias nos jornais brasileiros só são historietas americanas, meio embaraçado responde que isso e apenas uma questão de preço.

Enquanto o custo for mais barato para o jornal, continuaremos dando preferência ao produto importado, afirma Caban.

(C) ECAB
Outubro/1978