sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Luiz Saidenberg - Entrevista - 2008

Clássicos de Terror nº 17. Editora Taika, 1961. Argumento de Ivan Saidenberg e desenhos de Luiz Saidenberg


Entrevista com o desenhista Luiz Saidenberg realizada em 29 de outubro de 2008 pelo jornalista Worney Almeida de Souza (WAZ) de modo presencial. 

Saidenberg é responsável pela criação de várias histórias de terror no início dos anos 1960 para a editora Outubro de São Paulo, além do álbum “Na trilha de Masamune” que foi lançada pela editora Opera Graphica em 2003. A entrevista é focada principalmente a participação do autor na ADESP (Associação dos Desenhistas de São Paulo) e na editora Outubro, no início da década de 1960. Aproveitem!

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Luiz Saindenberg: Nem eu lembrava da Associação, eu passei vários e vários anos sem sequer lembrar, a não ser muito vagamente que tinha tido a ADESP e tal. Você veja que a vida vai levando a gente por vários caminhos por aí, trabalho, correrias, problemas e tal. Então eu, que sou justamente conhecido por ter boa memória, por lembrar bem dessas fases de juventude, eu não lembrava quase nada da ADESP. Pode ser também um processo de rejeição, eu dei várias deletadas (risos).

Aí, conversando com o Shimamoto, ele me mandando essas fotos, esses velhos jornais aí, comecei a lembrar, não é? E isso vai levando, uma coisa puxa a outra. E você perguntou por que (a sede da Associação) seria no nosso estúdio? Porque não tinha outro lugar.

Worney Almeida de Souza (WAZ): Mas o estúdio quando que ele começou? Quando que vocês quatro se juntaram para abrir um estúdio? Foi em 1961?

Saidenberg: Não, foi em 1960. Eu também não tinha lugar, porque eu morava num apartamento pequenininho, com minha mãe e meu irmão, e era bastante desconfortável para desenhar. E eu trabalhei num estúdio de uma companhia de turismo que fazia flâmulas também, e dali eu tive algumas indicações. O dono da coisa, que gostou do meu trabalho. Eu trabalhei em desenhos animados, uma firma pequenininha, e teve um aluno dele, desse dono da empresa, que era o Almir Bortolassi, que trabalhava no SESI da rua do Carmo, alguma coisa dessas, e esse aluno de desenho dele, conhecia o Cortez, tinha feito algumas coisas pra editora e a coisa entrou. O Cortez gostou quase que imediatamente dos meus desenhos. Ele quis um teste de uma página, eu fiz e ele disse: Mas tu já trabalhaste nisso? Eu falei, não, imagina. Você vive muito o quadrinho mas não podia trabalhar, e aí eu passei a fazer, mas realmente não tinha lugar, e aí, conhecendo mais o pessoal da editora, eu ia algumas vezes lá, não que fosse sempre, aí o Lyrio Aragão, o Igayara e tal, eles estavam procurando também um lugar que pudessem desenhar sossegadamente e me convidaram, simpatizaram comigo, eu era tímido e bobão naquele tempo.


Histórias Macabras 43, Editora Outubro, 1965. Texto de Ivan Saidenberg. Desenhos de Luiz Saidenberg.

WAZ: Quantos anos você tinha? 

Saidenberg: Tinha 17 anos, 17 pra 18, por aí. Procuraram algum lugar que fosse barato, acessível, naquele tempo o acessível era no centro, e encontraram essa sala no prédio Martinelli, 1928. Uma sala bastante grande, essa sala aqui tem 30 metros, teria quase isso, três janelas, uma pra Libero Badaró, outra pra São João, e outra pro Anhangabaú, a janela central, que era um janelão.

WAZ: Era uma esquina do prédio?

Saidenberg: Era a esquina da Libero Badaró com a ladeira São João.

WAZ: Que andar que era?

Saidenberg: Décimo nono andar. Eu estive há pouco tempo lá, eu te contei, tirei umas fotos, infelizmente meu computador deu um tilt e perdi tudo. Eram fotos eletrônicas e não como as velhas fotos em papel dos bons tempos. 

WAZ: Você não gosta de foto eletrônica?

Saidenberg: É, mas elas têm suas vantagens, como teriam neste caso. E aí nós ficamos, estávamos já há um ano e tanto quando surgiu esse conhecimento que nós tivemos do Plano de Nacionalização (dos quadrinhos).

WAZ: Mas vocês quatro, o serviço básico de vocês era produzir pra (editora) Continental?

Saidenberg: Pra Outubro, não era mais Continental, era Outubro. E eram histórias de terror. O Shima (Júlio Shimamoto) veio mais tarde, ele ficava em Vila Luzita, em Santo André e nos convencemos ele que ele ficava muito isolado do mundo, nosso trabalho já era uma coisa meio isolada do mundo, imagine só você morando em Vila Luzita, que ficava há três horas de São Paulo!

WAZ: No começo era você, o Igayara e o Lyrio?

Saidenberg: E o Lyrio. E aí, com custo, convencemos o Shima e o Shima veio.

WAZ: E era muito caro o aluguel?

Saidenberg: Não, acredito que não, viu Worney. Porque senão nós não teríamos condições de pagar. A nossa condição de quadrinhos era pequena, era pouca coisa. A gente tava aprendendo, né? Nós estamos sempre aprendendo, mas naquele tempo, realmente, e queríamos fazer a coisa bem feita, o que era muito difícil, dado às condições financeiras. O único cara que faturava uma bela grana com isso aí era o Gedeone. Ele tinha o processo de cópia por projetor e tudo o mais e produzia uma quantidade enorme de quadrinhos de várias espécies.

WAZ: Mas você, por exemplo, naquele período, você se lembra quantas páginas você produzia por mês?

Saidenberg: Não lembro muito bem não, mas vamos dizer que uma por dia talvez eu conseguisse fazer. Você ainda tinha que bolar o roteiro, não seria muito mais de 20 páginas. Nem sei quanto que faturava, quanto que dava pra ganhar por mês.

WAZ: Mas além de quadrinhos vocês faziam mais outras coisas, material de publicidade, mais alguma coisa?

Saidenberg: Não, não! Quadrinho. Publicidade era um mistério. Houve algumas tentativas. O Shima foi a agências de propaganda e tal, e o que ele tinha pra mostrar era quadrinho e não aceitaram e ele ficou indignado. Então, no meio desse processo, apareceu essa notícia de que havia uma tentativa de nacionalização e que essa tentativa partia por parte do governo Jânio Quadros.

WAZ: É, e pelo que eu entendi, parece que três deputados apresentaram um projeto de lei.

Saidenberg: Apresentaram. Você tem o nome todos deles aí. Não vou lembrar o nome de todos agora.

WAZ: Um é Aarão Steinbruch, José Alves e Elói Dutra. Pelo que entendi eles apresentaram um projeto, um texto e o governo se interessou, mandou aquele Fábio B. Giannini pra fazer um contato com os desenhistas. A partir daí eu não entendi. Ele levou um texto pra vocês darem um parecer?

Saidenberg: É, o que eu acho que faltava ao governo. Ele tinha boa intenção mas tinha desconhecimento da causa. Não havia ninguém nesse projeto aí que tivesse se envolvido alguma vez com história em quadrinho. Nem sei se tinha lido história em quadrinho. Então, o Miguel penteado, que era uma pessoa muito arguta e também muito consciente, ele pegou essa coisa no ar e repassou pra nós, e mais especificamente pro Mauricio (de Sousa). E o Mauricio já naquele tempo, ele era um cara muito articulado, tinha, o que nós não tínhamos, bem mais velho, e bastante mais mais experiência da vida e das suas dificuldades também. Tinha sido repórter policial na Folha (de S. Paulo), acho que era por aí. E o Mauricio imensamente ambicioso aí, de inteligente, então, realmente pra nós era a pessoa certa. Agora, como a gente poderia colocar essas coisas? Onde poderia fazer por nós? O único lugar disponível, porque os outros desenhistas, quando não tinham outro emprego, desenhavam em casa mesmo. E o nosso estúdio, de certa forma, meio que automaticamente, foi conduzido pra ser a sede do movimento.

WAZ: Eu não entendi uma coisa, esse Fábio aqui ou antes, o pessoal apresentou o texto do projeto pra vocês ou não?

Saidenberg: Não, eu não li esse texto. Se o Mauricio chegou a ler, talvez!

WAZ: Mas esse contato que ele fez, esse Fábio, ele chegou no estúdio e disse vamos nos reunir?

Saidenberg: Ele queria ideias.


Revista O Sobrenatural, anos 1960.

WAZ: Aí juntou todo mundo, cada foi falando alguma coisa?

Saidenberg: Isso, ele queria ideias do que poderia ser. De como poderia ser essa nacionalização. Proporções, possibilidades, veículos. Onde poderia ser veiculadas as histórias e tal. E a coisa começou bem! Ainda mais tendo em vista a nossa precariedade, da nossa falta de estrutura, da nossa inexperiência. Começou bem e marchou! Só que marchou de forma meio atabalhoada, nós mesmos não tínhamos muita noção do que fazer! 

O Mauricio queria fazer uma associação que englobasse todos os desenhistas. Uma associação que englobe desenhistas de quadrinhos já é uma coisa complicada, agora você imagine uma associação que englobasse desenhistas técnicos, desenhistas de publicidade ou seja lá o que for. A gente não tinha ideia de como era louco esse projeto.

WAZ: Aí é que tá, eu não entendi uma coisa, esse papo foi lá naquela reunião, que vocês se reuniram com ele, deram ideias, o homem anotou tudo, aí aconteceu uma reunião posterior, algum contato?

Saidenberg: Teve mais uma ou duas reuniões. Com o Fábio talvez mais uma que eu me lembre. Mas teve muitas reuniões com jornalistas, nós estivemos na TV Tupi.

WAZ: Isso que eu tô querendo saber, essa situação, reúne os desenhistas e tal, mas com o governo teve duas na prática?

Saidenberg: Teve duas, não teve mais que isso.

WAZ: Por que eu vi que a Associação, pelo que eu vi nos registros, vocês se reuniram de junho a setembro de 1961.

Saidenberg: Não, foi menos ainda! O Jânio renunciou em 24 de agosto, se não me engano. No mesmo dia que o Vesúvio explodiu e acabou com Pompéia! Renunciou e a coisa acabou, se esvaziou! O que houve foi um enorme desgaste da gente nesses poucos meses, principalmente meu e do Shimamoto. Nós éramos o braço direito do Mauricio e os caras que realmente botavam a mão na massa, em entrevistas, audiências, divulgação e seja lá o que for.

WAZ: Eu tô entendendo o seguinte: vocês fizeram a reunião com o tal do Giannini, então supostamente ele levou as informações, as reivindicações ao governo ou aos deputados, não sei exatamente. Aí depois desse período vocês passaram um tempo divulgando a ideia.

Saidenberg: Sim e atendendo pessoas.

WAZ: As pessoas estavam interessadas na situação.

Saidenberg: Sim, muitas pessoas, então, trabalho nem pensar. Era tanta gente que você tinha que ver portfólio, ouvir histórias, bons desenhistas, maus desenhistas, péssimos desenhistas, então nosso estúdio foi pro espaço em matéria de trabalho. Já não faturávamos muito passamos a faturar nada. Aconteceu outra coisa, as editoras que de certa forma tinham sido responsáveis por esse movimento, como a Outubro, começaram a ficar com medo. De repente aqueles bobocas lá, começaram a reivindicar coisas, eles que sempre ficavam quietos, aceitavam os preços e as condições sem ungir nem mugir, de repente começam a ficar reivindicativos. Aí eles cortaram nosso trabalho. Então, alegando excesso de estoque, as encomendas de quadrinhos foram cortadas.

WAZ: Foram dos quatro ou só de você?

Saidenberg: Foram dos quatro, mas afetou mais a mim porque nós não tínhamos a quem recorrer.

WAZ: Vocês também eram os mais novos.

Saidenberg: Éramos os mais novos! O Lyrio e o Waldir Igayara, por exemplo, eram investigadores de polícia, eles tinham o seu salário garantido pro resto da vida se fosse o caso. Então foi mesmo uma trabalheira, talvez por isso minha relutância em lembrar alguns fatos disso. Eu sei que com isso perdi trabalhos, perdi namoradas, perdi uma porção de coisas (risos). Haveria um belo ganho, sim, se ele fosse concretizado. Ao que parece o projeto foi aprovado!

WAZ: Mas aí é que está, eu tô achando que não!

Saidenberg: Mas eu acho que sim, viu Worney, por tudo que eu me lembro a coisa tinha sido aprovada. Agora, como que se encaminha o aprovado é que também eu não sei.

WAZ: Porque é assim: o projeto ele é apresentado pros deputados e tem que passar por algumas comissões, análise de texto, esse lance de conveniência ou não. E o tempo pra se fazer isso, por exemplo, se tivesse sido apresentado no começo de junho, por exemplo, até agosto, digamos assim, eu acho muito pouco tempo pra ser aprovado. tem aquele projeto que era do tempo do Jango (o presidente João Goulart, que assumiu após a renúncia de Jânio), mas eu tô achando que não era o mesmo projeto.

Saidenberg: Não, não é o mesmo. Esse é posterior.

WAZ: O que eu tô imaginando, eu vou ter que tentar fazer uma pesquisa lá na Câmara dos Deputados, eu quero ver esses três deputados aqui, até se algum  está vivo, por exemplo, não sei, mas ver se esse projeto foi pra frente, porque eu tô achando que não foi aprovado.


A tira  O Bandeirante também foi publicada como O Caçador de Rebanhos no jornal A Nação (SP) em 1963. A história era a mesma mas os desenhos foram refeitos.

Saidenberg: A notícia que eu tive é que tinha sido. 

WAZ: Mas essa notícia que você teve foi naquele período mesmo?

Saidenberg: É, foi naquele período mesmo. Como nós éramos bastante inocentes, então, certamente essa notícia hoje em dia não me satisfaria, assim sem maiores detalhes, sem mais nada, mas a notícia era que realmente tinha sido aprovado e isso foi em agosto. Passaram-se poucos dias e o Jânio renuncia.

WAZ: Mas aí é que está, se tivesse sido aprovado, mesmo ele renunciando a lei está lá!

Saidenberg: É, alguma coisa não tá casando bem no meio, tá meio gozado. Foi aprovado até que ponto? Talvez alguma instância, uma primeira instância e depois a coisa, quando da renúncia dele, foi desconversada. Talvez tenha sido alguma coisa assim.

WAZ: Não virou uma lei.

Saidenberg: É, não virou, senão independeria da renúncia dele.

WAZ: E agora eu quero ver se eu consigo achar o texto disso, o texto original.

Saidenberg: Seria ótimo se você achasse. Talvez o Mauricio possa te esclarecer melhor o encaminhamento do negócio. Ele que era, afinal de contas, o encarregado da parte política.

WAZ: Você fala do Mauricio. Ele ia nos  programas? Dava coisas pra imprensa?

Saidenberg: Com certeza!

WAZ: Ele tinha mais contato com o governo que vocês?

Saidenberg: Não, não creio que tivesse, não. Ele tinha mais contato com os meios de comunicação.

WAZ: Mais pra divulgar a ideia, não muito pra influenciar ou interferir no governo.

Saidenberg: Acho que nada pra interferir. Mesmo hoje em dia, acho que mesmo com toda a sua fortuna e o império que construiu, ele também não teria poder pra interferir em coisa nenhuma no andamento do processo.

WAZ: Eu estava vendo pela lista de nomes que vocês tinham de 20 a 30 pessoas, que pagavam ou não pagavam etc. Esse era o número de pessoas que participaram desse processo? Tinha muito mais gente?

Saidenberg: Não! Muito pouca gente participou realmente do processo, além de mim e do Shima e evidentemente o Mauricio, as outras pessoas se afastaram. Elas queriam se beneficiar do movimento mas não estavam dispostas a se envolver em coisa nenhuma.

WAZ: É sempre aquele negócio, algumas pessoas até que colaboram, pelo que eu vi.


A tira  O Bandeirante também foi publicada como O Caçador de Rebanhos no jornal A Nação (SP) em 1963. A história era a mesma mas os desenhos foram refeitos.

Saidenberg: Sim, colaboraram monetariamente.

WAZ: Mas nas reuniões, vocês faziam reuniões? Tirando essa reunião com o cara do governo, vocês faziam algumas reuniões que apareciam as pessoas pra conversar? Pra decidir alguma coisa?

Saidenberg: É, apareciam, aparecia muita gente. Mesmo sem reunião as pessoas costumavam aparecer lá pra ter notícia, os desenhistas. Você vê que tem essa lista de colaboração que é extensa, tem um monte de gente, nomes bastante variados. Então haviam algumas reuniões. Mas não foram muitas não, viu Worney? Foram poucas! Muito barulho por nada em muito pouco tempo!

WAZ: Na verdade vocês se preocuparam mais em divulgar a situação, né? Porque você falou da Associação e tem uns recortes (de jornal) que falam que vocês se encontraram com o Fábio Gianinni e uma semana depois vocês se reuniriam pra constituir a Associação. Isso aconteceu mesmo?

Saidenberg: Aconteceu. E houve uma constituição mesmo! A coisa não foi registrada mas eu tinha o meu posto lá, não sei qual seria (risos)! Meu irmão (Ivan Saidenberg) era tesoureiro! Meu irmão e eu tínhamos postos, agora, qual a graduação que nós conseguimos ali no exército, não sei (risos)! Não lembro mais qual que eram, mas existiam postos. Mas tinha muita gente e pouca gente disposta a fazer alguma coisa. Bom, dando dinheiro já se fazia bastante, ajudava bastante.

WAZ: Lá diz que vocês tinham um vizinho que ajudava vocês!

Saidenberg: Até o vizinho! Era um amigo nosso, um japonês cego que era negociante de produtos de limpeza, e ele conseguiu fazer um certo dinheiro com isso. Ele tinha o escritório dele e tinha seus apaniguados ali que vendiam os produtos por ele, que já não cuidava mais disso. E era uma ótima pessoa, e ele, veja só, ele até hoje parece que continua amigo do Shima, de vez em quando se telefonam. Ele esteve no Rio de Janeiro, em Jacarepaguá, na casa do Shima e com isso ele se reencontrou depois de quase 50 anos, conseguiu descobrir o telefone do Shima, alguma coisa assim. Mas até ele colaborou, veja só, não tinha nada a ver com desenho, com quadrinho, com a nossa organização, com coisa nenhuma, foi como amizade. Então, houve mesmo uma... acho que porque todo mundo percebia que eram necessários melhores dias, né? Você sabe que todo mundo queria contunuar nos quadrinhos. Eu com a esperança de que tudo melhorasse. Esse dilema a gente continua enfrentando até hoje, né? É muito complicado!

WAZ: Nesse período em que o estúdio esteve funcionando vocês chegaram a produziram tiras?

Saidenberg: Eu cheguei. Cheguei, mas acho que não no período do estúdio. Eu cheguei a fazer algumas tiras.

WAZ: Foi posterior?

Saidenberg: Foi posterior, foi após o período de Porto Alegre. Quando eu voltei pra São Paulo já trabalhava em publicidade. Então, o Barbosa Lessa me encomendou algumas tiras e o meu personagem não lembra mais o que era!

WAZ: Era um aventureiro.

Saidenberg: É, era um aventureiro, mas...

WAZ: Acho que era alguma coisa de bandeirante. Eu vi esse material no Última Hora*.

*N.E.: A tira chamava-se O Bandeirante, mas foi publicada também com o nome de O Caçador de Rebanhos.

Saidenberg: Acho que é O Bandeirante mesmo. Eu estava pensando em um gaúcho, mas não pode ser um gaúcho porque O Gaúcho foi o Shimamoto que fez! Então cheguei a fazer durante algum tempo e foi publicado no Última Hora (SP).

WAZ: E esse Barbosa Lessa, como é que era o contato com vocês? Ele tinha uma distribuidora de tiras? Porque também ele distribuía o material do Rodolfo Zalla, do José Delbó.

Saidenberg: Exato. Ele iniciou um projeto de distribuição, me parece que no começo a coisa foi muito bem mas depois não deu certo, não sei o porquê.

WAZ: E esse Barbosa Lessa que que ele era? Era uma pessoa ligada à imprensa?

Saidenberg: Era um jornalista, foi compositor também. Acho que aquela música, Negrinho do Pastoreio, é dele. Um escritor gaúcho, acho que escreveu livros também, embora eu não tenha lido nenhum deles. E acho que ele tinha naquele tempo alguma ligação com a imprensa e também com publicidade, tinha um escritoriozinho na avenida Nove de Julho, foi lá que eu fui algumas vezes. Depois, por causa de trabalho, não pude continuar fazendo o personagem. E acabou ficando por aí. O Shima tinha também tiras distribuídas pelo Mauricio, mas também não no período da ADESP, após a CETPA, de Porto Alegre.

WAZ: E essa história que você fez do Bandeirante, você finalizou algumas aventuras ou não?

Saidenberg: Olha! Veja só! Eu nem lembrava que eu tinha feito isso, mas aí o Rodolfo Zalla me mandou algumas tiras que eu fiz, acho que não foram muitas, não sei se cheguei a finalizar alguma coisa. Ele saiu durante algum tempo, não sei quantas também.

WAZ: Alguns meses.

Saidenberg: É, talvez uns dois meses.

WAZ: Mas a distribuidora dele durou muito pouquinho?

Saidenberg: Muito, muito pouco mesmo!

WAZ: Juntou só algumas pessoas no caso? Tinha até o José Delbó, a Gatinha Paulista. Aquela durou bastante.

Saidenberg: É, você veja que o Mauricio foi muito mais bem sucedido.

WAZ: Mas ele distribui só pelo Última Hora ou você se lembra de algum outro jornal?

Saidenberg: Só o Última Hora.

WAZ: Porque eram três tiras!

Saidenberg: Já o Mauricio foi pro lado da Folha. Que ele já tinha trabalhado lá anteriormente.

Saidenberg em 1961.

WAZ: Porque depois, em 1967, 1968, o Mauricio pegou metade de uma página (no Última Hora), que eram só as tiras dele. Uma parte eram tiras dele, que ele desenhava ou era já o pessoal do estúdio, acho que ainda não era estúdio ainda, e outros desenhistas nacionais.

*Mauricio ocupou durante alguns meses meia página vertical do jornal Última Hora com tiras de sua autoria e de outros artistas de seu estúdio entre 1966 e 1967.

Saidenberg: Não, já tinha pessoal no estúdio! Paulo Hamasaki naquela época já trabalhava pra ele. E ele sempre foi um gênio no marketing, na divulgação. 

WAZ: Um bom comerciante, sem dúvida!

Saidenberg: Foi muito bom, excelente comerciante, excelente marketeiro.

WAZ: E depois que vocês saíram do estúdio? Foi logo depois de setembro de 1961 que vocês dois saíram do estúdio, não foi?

Saidenberg: Nós fomos expulsos de lá! 

WAZ: Então, mas foi nesse período?

Saidenberg: Foi logo depois da renúncia do Jânio. Porque aí acabou havendo briga, o estúdio tinha ficado um lugar que não era mais um estúdio, era uma casa da mãe joana e os outros dois sócios não estavam nada felizes com isso. Com aquela invasão que tinha diariamente ali. Então nós acabamos discutindo e acabamos sendo expulsos de lá, acolhidos justamente por esse cego que eu falei, que era o vizinho, que é amigo do Shimamoto, botamos nossa prancheta lá, mas também não tinha trabalho pra fazer! Depois esse mal estar todo se desfez, as amizades foram refeitas. O período que eu tive em propaganda foi na McCann Erickson de São Paulo e eu estava naquele tempo em Porto Alegre. Eu tinha saído da CETPA, nós estávamos tentando fazer uma agenciazinha de publicidade, e a coisa começou bem depois foi indo muito mal, eu estava desesperado e de repente a minha boa sorte entrou em ação. O Lyrio me telefona me convidando pra fazer dupla com ele na McCann, fazendo storyboards e aí eu comecei em propaganda.

WAZ: Depois que vocês saíram o estúdio durou mais quanto tempo?

Saidenberg: Ah! O estúdio continuou lá, o estúdio continuou. O Lyrio acho que era o titular, e eu sei que continuou pelo seguinte, no ano passado uma pessoa me entrevistou, não lembro como ele chama, mas ele era fã do Aragão. É fã do Aragão! É um desenhista de Minas Gerais que tem um site. E no site dele eu vi que ele procurava informações sobre o Aragão, alguém que o tivesse conhecido. Ele não sabia nada! E aí eu contei a ele que eu era amigo do Lyrio, e contei algumas coisas da vida do Lyrio, e foi mais, procurei os filhos do Aragão.

WAZ: Marcos e Marcelo?

Saidenberg: Isso, isso. O Marcelo é um big, um poderoso aí da propaganda, tem agência de publicidade e tal. Então conversei com eles e eles contaram que o Lyrio, antes de sua morte, ele suicidou-se na passagem de 1969, de 1968 pra 1969, ele desaparecia de casa, a mãe ia procurar e encontrava ele lá no Martinelli sozinho, fechado no estúdio. Então continuou acho que até a morte dele provavelmente.

WAZ: Porque o Igayara em 1961, 1962 foi pra (editora) Abril, né? Foi trabalhar na Abril.

Saidenberg: Foi pra Abril.

WAZ: Supostamente ele deve ter saído do estúdio também.

Saidenberg: É, mas acho que de vez em quando ele fazia alguma coisa lá, e eles continuaram, eles mantiveram o estúdio. 

WAZ: Mantiveram o espaço.

Saidenberg: Eu que nunca mais voltei, a não ser depois de sua destruição.

WAZ: E você levou a prancheta pra casa ou não?

Saidenberg: Levei, levei tudo pra casa. Depois eu comecei a trabalhar em propaganda e já nem usava mais prancheta nenhuma.


Tira O Bandeirante - 1964

WAZ: Você se lembra o preço de página daquele período?

Saidenberg: Não lembro!

WAZ: Mas era razoável o preço?

Saidenberg: Não, sempre foi pouco, era baixo, sempre foi, viu, Worney! Antes, depois, agora, sempre foi a mesma coisa.

WAZ: O pessoal ganhava na produção, né? De fazer bastante.

Saidenberg: É, ganhava na produção, e aí você sacrificava a qualidade. Isso era complicado, até nós tentamos fazer um esquema desses. Aconteceu várias vezes isso. Como eu sempre fui muito rápido com esboço, eu esboçava as páginas e o Shimamoto passava a tinta! Mas olha, não dá! Não fica bom mesmo. Não é possível, não tem nada a ver.

WAZ: Eu lembro de uma história sua, daquela do elmo!

Saidenberg: Ah, sei, a do capacete! 

WAZ: Nossa! Aquela é muito legal!

Saidenberg: Acho que eu tenho aí uma cópia dela.

WAZ: Você chegou a trabalhar com o teu irmão? Como é que ele começou a fazer roteiro de quadrinhos? Ele começou nesse período?

Saidenberg: Começou! 

WAZ: Ele é mais novo que você?

Saidenberg: É, um ano e pouco mais novo.

WAZ: Ele começou a escrever nesse período os roteiros?

Saidenberg: Exatamente. Ele era bancário. Acho que era procurador do Banco Comércio e Indústria, e o sindicato dos bancários também era no prédio Martinelli, aliás é até hoje, não sei se era no segundo andar ou qualquer coisa e hoje fica no térreo, onde era antigamente o Banco Itaú América. Com isso ele comparecia de vez em quando ao nosso estúdio e ele sempre foi muito imaginoso, um cara muito criativo, então ele sacou que poderia fazer roteiros e fez mesmo muitos roteiros, e alguns muito bons pra editora Outubro. Aí depois, em outras circunstâncias ele voltou a trabalhar nisso na Abril. E aí sim, teve um belo período como roteirista porque ele era o melhor e mais produtivo roteirista de infantis da Abril. Ele fez, criou uma porção de personagens, o Morcego Vermelho, da turma Disney. Ele trabalhou acho que talvez dezoito anos pra Abril.

WAZ: Mas vocês dois fizeram dupla na Outubro ou não?

Saidenberg: Fizemos! Chegou a escrever alguns roteiros. Eu também escrevia, mas ele escrevia alguns. Eu tenho até um muito engraçado, poucas páginas e aí sim, é uma tripla, eu desenhei, Shimamoto finalizou e ele escreveu.

WAZ: Os três fizeram a mesma história, então?

Saindenberg: Fizemos. Eu tenho uma cópia dessa aí também. Não tenho muita coisa, tenho pouca coisa dessa época, e tudo também nessa base, esse amarelado, esfarelando.

WAZ: Você chegou a fazer capa para a (editora) Outubro?

Saindenberg: Não, só histórias, geralmente era o (Jayme) Cortez que fazia as capas, pra Outubro eu não cheguei a fazer. Naquele tempo eu mexia mais com traço não tinha quase experiência com o colorido. Até hoje eu sou muito mais do traço do que o colorido, apesar de eu ter pintado várias coisas, ilustrado várias coisas, eu tenho mais facilidade com o preto e branco.

WAZ: E o teu irmão (Ivan Saidenberg), a participação dele na Associação (ADESP) foi até importante. Ele era tesoureiro

Saidenberg: Tesoureiro, ele é quem cuidava da arrecadação desse dinheiro.

WAZ: E ele participava das reuniões também?

Saidenberg: Participava!


FIM


Histórias Sinistras nº 21 - Ivan Saidenberg e Júlio Shimamoto - Editora Outubro.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Agente Secreto 000125 - 1997

Sátira às tradicionais aventuras de espiões da literatura e do cinema, Agente Secreto 000125 e um dos muitos personagens criado pelo personagem Roberval do cartunista Mário Latino, num gigantesco exercício de metalinguagem.

Sobre o espião o próprio autor das tiras, Mário latino, nos dá um depoimento:

"A tira do Agente Secreto 000125 foi paradoxalmente minha tira preferida. Ela surgiu como uma spin-off da tira Roberval, de 1997, que eu desenhava para um jornal de São Carlos. Roberval desenhava várias tiras, todas elas com protagonistas que na verdade eram o próprio Roberval. Aí surgiram "O Capitão Trovão e Faísca", uma tira de super-heróis, "O  Marshall Apple" e "O Agente Secreto 000125". Na verdade essas tiras eram um pretexto para eu poder desenhar meus gêneros preferidos. Então na produção desse material para o jornal eu alternava as tiras. Com o tempo e sentindo que a tira do Agente Secreto tinha um campo mais restrito para piadas me desafiei a fazer mais tiras dele. Como resultado fiquei quase 8 anos fazendo essas tiras. Nelas eu brincava com os filmes de James Bond (que eu amava até surgir o fenômeno Craig). Olhando para esse material, mais de mil tiras, sinto muitas vezes saudades e vontade de retomar as histórias".

Agente Secreto 000125 foi publicado também no jornal Graphic de 2006 a 2016.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Roberval - 1997

Roberval começou como um escritor de romances baratos, com o tempo virou cartunista e trabalha em casa de chinelos e bermuda, dando duro para ganhar uns trocados. 

Em uma típica family strip, Roberval foi gerado pelo cartunista Mário Latino e apareceu pela primeira vez no jornal Primeira Página de São Carlos (SP) em 4 de maio de 1997. Com o desenvolvimento da história, Roberval ganhou a companhia da esposa Regina, um funcionária de algum tipo de repartição e que vive dando broncas no marido; do filho Júnior e de toda uma gama de personagens criados pela mente criativa de Roberval.

Acostumado aos desenhos anatomizados, Roberval foi o primeiro personagem cômico desenvolvido por Latino.

O personagem foi publicado também no jornal Graphic a partir de 1998.

Mário Latino é um artista nicaraguense radicado no Brasil e mantém até hoje uma grande produção de tiras em quadrinhos nas redes sociais.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Libório e Betinho - 1993

Libório estreou no jornal Diário Popular de Pelotas (RS) criado pelo cartunista e professor André Macedo (o Alma) em 1993.

O personagem é um estereótipo do gaúcho do passado: machista, rude, mas também ingênuo. Os outros personagens a ele relacionados: Jurema, Betinho, Marta, Cusco e Uóchito são contrapontos a essas características. 

O pai do Libório fugiu de casa, pois não aguentava a ignorância do filho e da esposa. O Libório tem uma filha chamada Marta e três filhos adotados: Betinho, Tina e a vaca Monalisa. É proprietário de um bar chamado Cuia Monstro e tem um funcionário, o Uóchito.

Circulou em três jornais até 2013: Diário Popular de Pelotas, Correio do Povo de Porto Alegre e Jornal da Manhã de Ijuí.

Segundo o Guia dos Quadrinhos: "André Macedo é professor do curso de Cinema e Audiovisual e Cinema de Animação ministrando disciplinas como Direção para Animação e Stop-Motion. Além de docente na UFPel, André Macedo é um cartunista já bem conhecido dos pelotenses. Seus personagens Libório e Betinho por muito tempo habitaram as páginas do jornal Diário Popular e ganharam a simpatia do público integrando o universo cultural de Pelotas. As séries de tirinhas renderam ao autor a publicação de coletâneas dos seus personagens como as Curtas e Grossas do Betinho e do Libório".

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