sexta-feira, 31 de maio de 2019

O Fogo Através dos Tempos - 1959

O Fogo Através dos Tempos foi uma série produzida pelo pioneiro cartunista potiguar Poti e apresentada no Diário de Natal (Orgão dos Diários Associados) em 1959, contando de forma lúdica a conquista do fogo pelos seres humanos. 

Segundo Gilvan Lira de Medeiros, em seu Trabalho de Conclusão de Curso na UFRN em 2015:

"A produção de histórias em quadrinhos no Rio Grande do Norte tem início em 1959, quando o jornal O Diário de Natal começou a publicar, às terças-feiras, uma página semanal de diversões, dedicada às crianças, com contos infantis, passatempos, poesias, curiosidades e até uma 'Enciclopédia Mirim'. O título desta página era 'Recreio', organizada por Serquiz Farkatt, diretor do Diário Oficial do RN, de 1959 a 1961, e com ilustrações de José Potiguar Pinheiro (1928), mais conhecido como Poti. E foi nesta página que o mesmo Poti começou a publicar uma História em Quadrinhos intitulada 'O fogo através dos tempos', narrando em tiras a história da conquista do fogo pelo homem. Era a
primeira HQ feita por um artista potiguar para um jornal local. Para Anchieta Fernandes (2005), essa é a primeira HQ genuinamente potiguar, publicada no RN".
Poti, no decorrer dos anos, apresentou outras séries nas páginas do Diário de Natal, como por exemplo "O Vento e o Sol", baseada em uma fábula de Esopo.
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Em outubro de 1971 a página "Quadrinhos" publicou a seguinte matéria sobre Poti:

GRUPEHQ REDESCOBRE POTI, O PIONEIRO

É sabido que a cidade de Campina Grande, na Paraíba, foi pioneira para o Nordeste na publicação de revista em quadrinhos quando, com desenhos criados por artistas locais, ali circulou, em 1963, a revista com as “Aventuras do FLAMA”, o mesmo personagem que era divulgado em forma de radionovela numa estação de rádio campinense. Se Campina Grande foi assim pioneira em termos de revista especializada, no entanto Natal já tivera um precursor. O primeiro norte-riograndense a desenhar uma história em quadrinhos e publicá-la em um jornal da cidade.

No ano de 1950 o DIÁRIO DE NATAL publicava, às terças feiras, uma página semanal de diversões, dedicada às crianças, apresentando contos infantis, passatempos, poesias, curiosidades e até uma Enciclopédia Mirim. O título desta página era RECREIO, desenhado em alto estilo com o uso do normógrafo, e a coisa era organinada por Serquis Farkatt e com ilustrações de POTI. E foi nela que o mesmo POTI desenhou a primeira história em quadrinhos feita pela prata de casa e publicada aqui mesmo: O FOGO ATRAVÉS DOS TEMPOS, narrando em episódios (tiras) a história da conquista do fogo pelo Homem. Ainda muito jovem na época, POTI, muito embora seu traço fosse hesitante, já demonstrava fértil imaginação, oscilando entre a narração e a ilustração documentária, a sua versão do progresso tecnológico da humanidade é bastante original, partindo do presente eufórico (o homem fumando um cigarro) para o passado de dificuldades (o homem tentando adquirir fogo, a muito custo). Une então espaço-temporalmente, já no segundo quadro, o presente ao passado, fazendo com que as duas figuras do homem pré-histórico e do homem contemporâneo se confrontem no mesmo quadro. E isso sem precisar de apelar para nenhuma magia futurológica de “máquina do tempo”, porque sai-se inteligentemente no enredo, ao adotar uma lógica própria, desvestindo no terceiro quadro o homem contemporâneo de suas roupas do século XX e tirando-lhe o cigarro. E é aqui também que se pode notar o recurso/surpresa do desenhista pedindo desculpas ao personagem por tirar-lhe o cigarro da boca, porque era algo que não poderia haver na idade da pedra. Muito bem bolado, como se vê, o ritmo narrativo de nossa primeira história em quadrinhos, publicada em jornal da cidade no velho sistema de estereotipagem e clicheria.

QUEM É POTI 

Naquéles bons tempos, em que o DIÁRIO DE NATAL custava apenas Cr$ 4,00 (quatro cruzeiros antigos, valor não compatível com a atual moeda brasileira, pois equivale a menos da metade de Cr$ 0,1 (um centavo), a menor fração do nosso cruzeiro, hoje) os leitores habituais se acostumaram a identificar a produção de POTI, não só nas páginas RECREIO como também nas charges dominicais n'O POTI. Por trás daquela original assinatura — de olhos formados com as letras "e" e "i" e nariz com as letras "p" e "t" — estava o bancário de hoje, José Potiguar Pinheiro, 43 anos, casado, três filhos, professor de desenho no Ginásio “Amphilóquio Câmara” e no “Winston Churchill” (além de ter sido professor de igual matéria no “Sete de Setembro” e outros estabelecimentos) e trabalhando no BANCALDO (Banco Comércio e Indústria Norte-riograndense S.A.). Mas fora dessas atividades é o mesmo POTI de sempre.

Tendo desde menino se interessado pelos quadrinhos, deve ser mencionado o fato de que ele já foi possuidor de verdadeiras preciosidades.

Aos 12 anos (1940) se deixava empolgar pela leitura das histórias de Ferdinando, Mandrake, O Rei da Polícia Montada, O Espírito — personagens que eram publicadas no SUPLEMENTO JUVENIL, no MIRIM, no GLOBO JUVENIL e outras revistas que ele adquiria na AGÊNCIA PERNAMBUCANA, já existente na época e já de propriedade de Luis Romão. Acha agora que aquelas publicações eram mais bem feitas, mais bem cuidadas na apresentação que as de hoje. E cita o fato de que as histórias atuais são vítimas do que se chama, em linguagem técnica, do “drop” — a redução ou sintetização em poucas páginas (duas ou três) para um argumento que antigamente
levava no mínimo dez páginas com mais lógica. Teve de possuir um álbum de FLASH GORDON, uma raridade, de dimensões enormes que, para poder lê-lo, ele estendia-o no chão. Aliás considera Alex Raymond (o criador de FLASH GORDON) o melhor autor em  quadrinhos que já existiu até hoje, gostando, por outro lado, de toda a obra em caricatura de PÉRICLES DO AMARAL (o criador de AMIGO DA ONÇA).

Fomos procurá-lo para um bate-papo e uma tentativa de associá-lo ao GRUPEHQ. Em sua casa da rua Sachet compreendemos porque ele pode falar “de cadeira” sobre o assunto: cercado de livros técnicos sobre desenho, tais como as obras de Andrew
Loomis (“Ilustração Criadora” e “Como se Harmonizam as Cores”) ou obras biográficas sobre o grande criador brasileiro Renato Silva e outros, ele foi elogiando de entrada a iniciativa do GRUPEHQ, “algo diferente no ambiente rotineiro da pravíncia. O suplemento de vocês no jornal está bom. Precisa apenas de mais valores, o que virá com o tempo. Gostei muito do Super Cupim e de DOM INÁCIO, porque não publicaram mais?”.
GRUPEHQ. UM ESTÍMULO

Atualmente, POTI está parado, praticando apenas caricatura nas horas vagas. Mas, pensa em fazer uma história em quadrinhos. “Idéias já tive muitas, mas faltava o apoio dos veículos, a perseverança de luta em equipe que vocês estão tendo. Há anos atrás eu tinha começado a desenhar uma história. Parei num dos quadros e pensei: “Para que estou fazendo isto?”. Agora não. Com o estímulo de vocês do GRUPEHQ o bonde vai tocar pra frente. Já tou bolando aí uma história cujos personagens são um gafanhoto, uma aranha e um saguim, moradores do Morro de Mãe Luíza, e que se juntam a um vagalume faroleiro para, um dia, darem um passeio na praia e conhecerem a cidade. Travam então uma batalha contra um grupo de contrabandistas a aranha se servindo de todas as pernas e patas ao mesmo tempo, uma para jogar faca, outra para atirar de revólver, outra para segurar o braço do inimigo etc. Por fim, montam numa lambreta e sobem de volta ao morro”.

Ao nos despedirmos de POTI, a sua simpatia e seu papo nos convenceu que sua verve e sua criatividade são indestrutíveis em sua personalidade.

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