A Livraria Gibi foi, provavelmente, a primeira gibiteria do Brasil, inaugurada em 1969 por Ademário de Mattos. Teve vários endereços, todos em São Paulo - Capital, mas o primeiro deles foi na rua Conselheiro Crispiniano.
Ademário, amante dos quadrinhos, tinha um escritório de despachante, começou comercializando seus próprios gibis mas frequentemente levantava um empréstimo bancário, comprava o acervo de algum colecionador e vendia picado em seu estabelecimento. Em 1980, passando por dificuldades financeiras, José Mojica Marins, o Zé do Caixão, encarregou Ademário, já em seu terceiro endereço, na rua Xavier de Toledo, de vender sua coleção!
A livraria foi importantíssima para o desenvolvimento do cenário dos quadrinhos no Brasil, aglutinando em suas dependências, além de colecionadores, artistas e estudiosos da 9ª arte.
Além de revistas antigas tinha também fanzines, como o Pica-Pau de Armando Sgarbi e a lendária revista Balão, de onde surgiram nomes como Luiz Gê, os irmãos Caruso, Laerte e Angeli e o que havia de mais moderno no mercado internacional dos quadrinhos, que naquele momento passava por um a grande efervescência, com os álbuns adultos europeus, o resgate de clássicos do passado, das décadas de 1930 e 1940 e a aceitação dos quadrinhos como uma nova e importante linguagem de comunicação.
Em 1970, os originais da primeira aventura de Flash Gordon estavam desaparecidos. Durante o Congresso Internacional de Histórias em Quadrinhos realizado no MASP - Museu de Arte de São Paulo, Ademário surgiu com um exemplar do álbum do herói publicado pelo Suplemento Juvenil em 1937. A publicação foi rapidamente adquirida por Claude Moliterni, que participava do evento, e serviu de base para todas as publicações europeias da aventura que foram editadas em seguida.
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Em 1971 a Ebal publicou na contra capa da revista Mindinho nº 23 o seguinte texto:
"Cercado por livros raros do Fantasma, Flash Gordon, Príncipe Valente; cartazes de Super-Homem, recortes de tudo quanto é publicação de histórias-em-quadrinhos e um álbum raro, da Década de Ouro, O Guarani, publicado pelo Correio Universal, aparece nesta foto o Ademário de Mattos, proprietário da Livraria do Gibi, em São Paulo. Essa livraria está localizada na rua Conselheiro Crispiniano, 404, sala 502, bem no centro da paulicéia e vende tudo quanto é edição antiga de Suplemento Juvenil, O Globo Juvenil, Mirim, Gibi, Gazetinha, O Lobinho etc. Ademário foi o homem que apareceu no dia do encerramento do Congresso Internacional de Histórias-em-Quadrinhos e mostrou aos estrangeiros uma “avis rara": um exemplar autêntico e completo da primeira história de Flash Gordon no Planeta Mongo, publicada em 1937 pelo Suplemento Juvenil. Preço pedido pelo Ademário: 120 dólares americanos. E, imediatamente, o exemplar foi adquirido por Claude Moliterni, conforme a fotografia abaixo, vendo-se no grupo, entre outros, o Professor Alvaro de Moya, Rinaldo Traini (organizador dos congressos de Lucca), Rodolfo Zalla (desenhista de histórias-em-quadrinhos) e Floriano Hermeto de Almeida Filho (desenhista de O Judoka)".
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A revista Bondinho também fez em 1971 a seguinte matéria:
"A Casa do Gibi
Em 1969, Ademário de Mattos cansou de sua profissão de despachante policial, e transformou a sua pequena sala, na rua Conselheiro Crispiniano (404-502), em uma livraria especializada em histórias em quadrinhos, a Livraria do Gibi.
As revistas não são baratas mas são raras e o freguês não precisa ser um freguês. Quem não pode pagar 10, 20, 50 ou 300 Cr, pode simplesmente conversar com seu Ademário e ficar lendo ali mesmo. Ele conhece como ninguém (porque gosta dos quadrinhos, mesmo, e não é apenas um "teóríco") a história da HQ no Brasil.
Os Suplementos com as histórias famosas começaram a aparecer no Brasil na década de 30. Em 14/3/34, o jornal "A Nação“ lançou o “Suplemento Juvenil“, aos domingos, com histórias de Lee Falk, Phil Davis, Alex Raymond e outros. No 150º número, deixou de ser um dos suplementos para ser uma edição trissemanal, vendida separadamente.
Mais tarde, o mesmo grupo lançou o “Suplemento Juvenil Mensal“ e “O Lobinho". "No "Lobinho", estavam o Tarzan, de Hal Foster; Joe Sopapo, de Ham Fisher; os Escoteiros Heróicos, de Ray Powers; Ana, A Pequena Orfã, de Harold Gray; Buck Rogers, de Dick Calkins e nas edições mais recentes, O Espírito.
Nos fins de 1939, o “Globo Juvenil" ganhou os direitos autorais de todos os personagens do “Suplemento Juvenil", e o Consórcio Suplementos Nacionais Ltda. teve de transferir os personagens de “O Lobinho" para o “Suplemento Juvenil” (a vendagem era maior). No dia 17 de novembro de 1939, em seu 950º número "O Lobinho" deixou de circular.
Na Casa do Gibi o preço do Lobinho é 30 Cr$ e do Suplemento Juvenil - com histórias em série - é de 10 Cr$. No final do último capítulo, era lançado o álbum com a história completa - o Suplemento Juvenil, Edição Especial. O primeiro álbum foi "Flash Gordon no Planeta Mongo", de Alex Raymond, desenhada em 34, publicado no Brasil em 37, e vendida por 300 réis. Seu preço atual, na Casa do Gibi: 400 Cr$. Outra história de Alex Raymond, Jim das Selvas, publicada em 37, está à venda por 300 Cr$. O mesmo preço “A Viagem ao País de Savessá", de Mandrake (Lee Falk e PhilDavis). Seu Ademárío tem, ainda, a segunda história do Fantasma, “Os Piratas do Céu" - do tempo em que a patrulha da selva de Bengala não confiava no herói. É de 1937, preço: 100 Cr$. Outros álbuns: “As Três Aventuras de Bill, o Agente X-9”, de Alex Raymond: 200 Cr$.
A partir de 1939, e por toda a década de quarenta, as edições do Globo Juvenil reúnem quase todos os grandes heróis (preço atual: 10 Cr$)".
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Em 1974 Sebastião Seabra ilustrou a capa do Boletim/Convite para a inauguração do novo endereço da livraria.
Quando se mudou para um novo endereço, na avenida Brigadeiro Luís Antônio, a livraria lançou um fanzine/convite com o seguinte texto:
"A livraria Gibi cresceu!
Raro é o leitor ou connaisseur de quadrinhos que nunca tenha entrado na livraria Gibi, até poucos dias atrás uma modesta sala no 6º andar do Edificio Rex... um esconderijo onde muitos sotãos, muitos porões, muitas arcas deixaram aparecer os seus tesouros. Tesouros que levaram o incansável Ademário, a viagens de centenas de quilômetros para trazê-los à luz. E agora a Livraria Gibi cresceu. Motivada por uma necessidade muito grande: o crescente número de interessados e a diversificação destes.
Nos primeiros tempos de 1970, quando a Livraria Gíbi e os interessados tiveram seus primeiros encontros, assim como ela se encontrava, era o bastante. Foram os saudosistas os primeiros a aparecerem. Buscavam as raridades maravilhosas dos anos dourados que foram o fim da década de 30 e o início da de 40. Mas com o tempo, muitos apareceram em busca das reedições americanas, dos livros sobre seriados, dos livros de sonhos de Hollywood dos posters dos heróis, dos posters feitos por traços famosos como o de Frazetta e até dos cobiçados undergrounds americanos. E para atender a tudo e a todos só havia uma solução: A Livraria Gibi precisava crescer e por isto ela cresceu.
No dia 10 de Janeiro a Livraria Gibi abrirá pela primeira vez,as portas do seu novo endereço para receber os amigos e clientes em um coquetel, nesta opurtunidade os presentes poderão se encontrar com os tesouros escolhidos para esta reabertura, querem uma amostra? Mirins encadernados do nº 16 ao 599: (comuns sexta-ferinos e mensais de 37 a 42) Gazeta Juvenil nº 1 a 15; Gibi e Globo Juvenil (mensais 43 a 45); Suplemento e Globo Juvenil (semanais de 37 a 49); Seleção Colorida nº 1 a 17.
Todos os heróis vão estar presentes podem ter certeza: Pato Donald, Brucutu, Príncipe Valente, Ferdinando, Jim Gordon, Nick Holmes, Fantasma, Mandrake, Raio, Pequeno Sheriff, Flash Gordon, Capitão César, Brick Bradford,
Também não foram eaquecidas as revistas que fizeram e contam a história e a moda das anos dourados: Cruzeiro, Cena Muda, Fon-Fon, Mundo Ilustrado, A Noite Ilustrada, A Cigarra, A Carioca, A Careta,
E pare Contentar os Fãs das edições americanas do Spirit, da Vampirella, das edições Famosas, dos undergrounds, dos posters, dos livros de cinema, a Livraria Gibi tornou-se importadora: (portanto o que não for encontrado lá e só falar com o Ademário que logo logo tem...)".
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A seguir, alguns depoimentos de frequentadores da livraria:
"A Livraria Gibi foi ponto de encontro de desenhistas da velha e da nova guarda e foi essencial para que houvesse a troca de conhecimentos na área de quadrinhos e humor gráfico. Ficava na galeria da Brigadeiro Luiz Antônio quase esquina com a avenida Paulista. O Ademário, dono da loja, conseguia muitas revistas que não se encontravam nas bancas, como a National Lampoom, revista americana de sátiras que acabei comprando uma coleção naquela loja.
Mas os encontros eram de sábado à tarde e o maior frequentador era o Jayme Cortez. Tinha uma paciência total com os novos desenhistas que levavam seus trabalhos para serem analisados pelo editor e grande desenhista português radicado no Brasil. Mas outros desenhistas também apareciam como o Primaggio, então editor de quadrinhos da Abril, o Ruy Perotti, criador dos personagens Satanésio e Sujismundo, entre outros. Foi lá que conheci o Franco, Wagner Augusto, Brenda Susan, Louis Chilson, Cassiano Roda e que juntos produzimos a revista KLIK para a Ebal. Eu já conhecia o Gualberto Costa no 2º Salão Mackenzie de Quadrinhos e Humor Gráfico, que veio se juntar ao grupo. Foi muito importante para meu início de carreira pois comecei a entender melhor o mercado de trabalho e a editar.
Ademário incentivava esses encontros e sua loja era a principal naquela época. Depois mudou para um edifício perto do teatro Municipal no centrão, em algum andar. Nunca mais voltou a ter a mesma frequência. Bons tempos que me lembro sempre que pego nas mãos a coleção de National Lampoon e outras revistas que só na Livraria Gibi se podia encontrar".
"Conheci o Clube do Gibi através do Franco de Rosa, a livraria ficava na Rua Conselheiro Crispiniano, não lembro o numero nem o andar, o proprietário era o Ademário um conhecedor e hábil comerciante de revistas em quadrinhos nacionais antigos, depois a livraria se transferiu para a Rua Brigadeiro Luiz Antônio na galeria do cine Paulistano próximo a Avenida Paulista nesta época o Ademário tinha se associado ao Piter, com a dissolução da sociedade a livraria se mudou para a Rua Xavier de Toledo. A Livraria sempre foi frequentada por aspirantes a desenhistas em quadrinhos e mestres como o Maurício de Sousa, Jayme Cortez e Gedeone Malagola.
Mas os encontros eram de sábado à tarde e o maior frequentador era o Jayme Cortez. Tinha uma paciência total com os novos desenhistas que levavam seus trabalhos para serem analisados pelo editor e grande desenhista português radicado no Brasil. Mas outros desenhistas também apareciam como o Primaggio, então editor de quadrinhos da Abril, o Ruy Perotti, criador dos personagens Satanésio e Sujismundo, entre outros. Foi lá que conheci o Franco, Wagner Augusto, Brenda Susan, Louis Chilson, Cassiano Roda e que juntos produzimos a revista KLIK para a Ebal. Eu já conhecia o Gualberto Costa no 2º Salão Mackenzie de Quadrinhos e Humor Gráfico, que veio se juntar ao grupo. Foi muito importante para meu início de carreira pois comecei a entender melhor o mercado de trabalho e a editar.
Ademário incentivava esses encontros e sua loja era a principal naquela época. Depois mudou para um edifício perto do teatro Municipal no centrão, em algum andar. Nunca mais voltou a ter a mesma frequência. Bons tempos que me lembro sempre que pego nas mãos a coleção de National Lampoon e outras revistas que só na Livraria Gibi se podia encontrar".
JAL - José Alberto Lovetro - cartunista e presidente da ACB
"Conheci o Clube do Gibi através do Franco de Rosa, a livraria ficava na Rua Conselheiro Crispiniano, não lembro o numero nem o andar, o proprietário era o Ademário um conhecedor e hábil comerciante de revistas em quadrinhos nacionais antigos, depois a livraria se transferiu para a Rua Brigadeiro Luiz Antônio na galeria do cine Paulistano próximo a Avenida Paulista nesta época o Ademário tinha se associado ao Piter, com a dissolução da sociedade a livraria se mudou para a Rua Xavier de Toledo. A Livraria sempre foi frequentada por aspirantes a desenhistas em quadrinhos e mestres como o Maurício de Sousa, Jayme Cortez e Gedeone Malagola.
Foi uma época muito boa em que conheci o tradutor das publicações Disney da editora Abril o José Fioroni Rodriguez, Sergio Pereira (colecionador), Sebastião Seabra (desenhista do Capitão Caatinga e inúmeras publicações da Grafipar), Reinaldo de Oliveira um dos responsáveis pela primeira exposição de quadrinhos no Brasil juntamente com o Álvaro Moya (ocasionalmente frequentava a livraria) e muitos outros colecionadores como Valdo Vieira (dono da maior coleção de quadrinhos nacionais que conheci até os anos 1980, segundo a lenda ele tinha em sua coleção o Action Comics com a primeira aparição do Superman, além do maior acervo do que havia sido publicado no Brasil) o Otacílio Costa d'Assunção Barros da revista Mad da editora Vecchi.
A livraria me permitiu fazer ótimas amizades e tomar conhecimento dos inícios das publicações em quadrinhos no Brasil.
Abraço".
Giovanni Danilo Voltolini - pesquisador e tradutor de quadrinhos
*Agradecimentos ao amigo João Antonio Buhrer pelo envio das imagens e a todos que gentilmente deram seus depoimentos.
2 comentários:
FASCINANTE!! o Sr. Ademário deve ser colocado no Hall dos Grandes Heróis das HQs brasileiras!!
Abrir uma livraria especializada em quadrinhos,numa época em que tal mídia era vista como "Cultura Inútil", "Coisa de crianças,analfabetos ou retardados mentais" é,sem sombra de dúvida,um feito heroico!! só esqueceu de explicar: A Livraria Gibi acabou, ou ainda está na ativa??
Salve, Dyel. Ademário faleceu em meados dos anos 1980 vítima de problemas cardíacos. A livraria se foi com ele. abs
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