Em 1979, por ocasião do andamento do Projeto Tiras a editora Abril lançou uma edição especial do seu orgão interno, o Jornal da Abril, com informações sobre o projeto e uma entrevista com seu editor, Wagner Augusto, que poderá ser lida a seguir, junto com as outras matérias do veículo.
Os autores e seus personagens. Da esquerda para a direita, no alto: Paulo Paiva (Inseto City); Izomar (Zé Pessimista); Ruy Perotti (Sujismundo); Igayara (Florisvaldo, o vagabundo); Renato Canini (Tibica); Jorge Kato (Tuca); Henrique Farias (Giba); Verde (O Saturniano). Abaixo: Wagner Augusto; Claudino (Inseto City); Primaggio (O Veterinário) e Avalone (Carrapicho).
"Autor de quadrinhos é uma raça em extinção"
Um apaixonado pelas histórias em quadrinhos. Desta maneira, Wagner Augusto, 27 anos, editor do Projeto Tiras, da Divisão de Publicações Infanto-Juvenis, se define em relação à arte que, há quase um século, conquistou adultos e crianças, e que, a cada dia, ganha novos aficcionados. O Jornal da Abril dá o seu perfil e suas opiniões sobre os quadrinhos no texto abaixo. Acompanhe.
Jornal da Abril - Como você começou nos quadrinhos?
WAGNER - Comecei como desenhista, com 16 anos de idade, na Editora Pan Juvenil*, que hoje tem outro nome (Edrel), fazendo cartuns, caricaturas. O pessoal lá de casa não gostava muito da coisa, eles achavam desenhista um marginal, aquela coisa toda. Aí transei uma faculdade. Fiz Belas-Artes até o 3º ano, tranquei matrícula e nunca mais apareci por lá. Ao mesmo tempo, dava aulas de desenho em colégios. Parei tudo, fui fazer Publicidade e Propaganda na Alcântara Machado, FIAM, concluí e abri um estúdio de assessoria de propaganda, além de exercer um pouquinho, em agências, meus últimos conhecimentos. Daí fiz Jornalismo e fui trabalhar em jornal de empresa, o jornal da Agroceres, mas não parei de fazer quadrinhos, desta vez para o O Diarinho, suplemento do Diário de São Paulo (publicado em 1975, no qual colaborava com reportagens, entrevistas e resenhas relacionadas aos quadrinhos).
*Sobre isso, Gonçalo Jr. em seu livro "Maria Erótica e o clamor do sexo" (Editora Peixe Grande - 2010) escreveu: "A Edrel, nesse começo (1967), publicaria os primeiros cartuns do futuro jornalista e editor Wagner Augusto, então um adolescente que queria fazer quadrinhos".
JA - Os quadrinhos sempre como um “bico"...
WAGNER - Mais ou menos, pois organizei congressos e encontros sobre quadrinhos nacionais várias vezes, editei uma revista em quadrinhos no Rio de Janeiro, a Klik (publicação da EBAL, Editora Brasil-América, da qual fui editor em uma das suas fases, em 1976), que conseguiu ir às bancas por três vezes. O sucesso foi relativo, já que estava uma situação engraçada: éramos um grupo de desenhistas paulistas fazendo humor para os cariocas. Mas, em 1977, o Perotti me convidou para trabalhar na Abril, no Centro da Criação. Comecei como assistente de redação; depois, finalmente, passei para o Projeto Tiras como editor. E aqui estou.
O personagem Giba já aparecia na revista Klik da Ebal, com editoria de Wagner Augusto, em 1977.
JA - Melhor impossível! Conte-nos uma coisa: como surgiram as histórias em quadrinhos?
WAGNER - Nasceram em jornais, já faz quase um século, através do personagem Yellow Kid (garoto amarelo), de autoria de Richard F. Outcault, um americano muito louco. Foi assim: os caras estavam testando cores nos jornais, e escolheram o boneco do Outcault para testar o amarelo. Pegou, fez sucesso e o resto a gente sabe
JA - Todo mundo começou a fazer também.
WAGNER - É, foi a febre dos quadrinhos.
JA - OK. E quanto à passagem dos personagens das tirinhas de jornais para revistas?
WAGNER - Bem, cresceu o número de leitores das historietas. O espaço das histórias, uma página completa, diminuiu para caberem mais autores e mais personagens, daí nascendo as tiras. Veja só: todas as histórias em revistas que não passaram, pela fase dos quadrinhos, foram frustradas. Em termos de Abril, temos o exemplo do Saci Pererê, Satanésio, Sacarrolha e Cacá e sua turma. Os bonecos do Maurício, para confirmar o que eu digo, são o sucesso que são, mas começaram em tirinhas.
JA - Não é isso que o Projeto Tiras pretende?
WAGNER - Exatamente: criar novos personagens, de autores nacionais, para publicação em tiras diárias de jornais, para, depois de difundidos, se tornarem revistas. É quase um processo natural, mas obrigatório.
JA - O humor em tiras tem que ser curto. Em dois ou três, no máximo quatro quadrinhos, a graça tem que ser dada. O de revistas não, pode ser mais alongada. É melhor para o personagem, para o seu sucesso, a tira ou a revista?
WAGNER - Existem realidades diferentes. Nos Estados Unidos há uma pesquisa que comprova que os leitores iniciam os jornais pelas histórias em quadrinhos. E há dois tipos de humor: o humor fechado, quando a graça é dada ali e no dia seguinte os bonequinhos estão em outra situação. E há o humor de sequência, como o Flash Gordon, Mandrake, Nick Holmes. Alguns autores conseguem a proeza de deixar um clímax em cada tira para “segurar” o leitor para a próxima tira, no dia seguinte. Lá, eles gostam do humor em sequência. No Brasil, o leitor lê, de preferência, a tira de humor fechado, quase um cartum dividido em quadrinhos, certo? Há, também, o detalhe da criatividade do autor, que escolhe um tema e faz 30 tiras sem cansar o leitor, e a si mesmo também. Brasileiro não lê quadrinhos em sequência. O próprio autor nacional tem consciência disso. Pra exemplo, vale citar que o Projeto Tiras ainda não tem nenhum boneco com histórias em sequência.
JA - Mas, e a entrada dos bonecos já em revistas, é perigosa?
WAGNER - Trata-se de um projeto maior, uma revista gasta mais que uma tira, entende? É perigosa também por isso, mas não se deve esquecer que, nas tiras, o boneco tem chance e tempo de se firmar. Nas revistas, direto, não.
JA - E o humor estrangeiro, como vai?
WAGNER - Vai bem. Entra no país por um preço barato e tem boa qualidade. Só que, respeitadas as exceções, não condiz com a nossa realidade. Vamos tentar mudar essa escrita.
JA - Vocês estão enfrentando concorrência estrangeira?
WAGNER - Sim. Só o Hagar, aquele viking valentão que tem medo da mulher, é publicado em 2.500 jornais apenas nos Estados Unidos. Quer dizer, ele chega ao Brasil por um preço quase sem lucro, o lucro já foi obtido lá fora. Mas as nossas tirinhas já estão em 17 jornais - 16 de São Paulo e 1 do Ceará - e pretendemos aumentar, e muito, esses números.
JA - Pra finalizar, a qualidade das tiras estrangeiras supera as das nacionais?
WAGNER - Muitos editores ou proprietários de jornais com quem conversei, simplesmente não sabiam que se fazia nacionais, exceção ao Maurício de Sousa. Autor de quadrinhos é uma raça em extinção. Se mudarmos isso, com o Projeto Tiras, poderemos superar a qualidade do humor estrangeiro, dando condições ao autor nacional.
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Apresentação
Certamente não existem pesquisas oficiais, no Brasil, do que os leitores leem em primeiro lugar nos jornais, mas caso fosse feita alguma, uma decisiva porcentagem certamente optaria por duas seções: horóscopo e histórias em quadrinhos.
Pois a Abril, entrando em um nova mercado (embora diretamente relacionado a uma de suas atividades mais importantes - quadrinhos), passa a descortinar e oferecer novas opções para os ávidos leitores que atualmente se divertem com os personagens estrangeiros que pululam em nossos jornais.
E essa fatia do mercado, além de tentadora, parece ser fascinante. Afinal, exceção (honrosa)feita a Maurício de Sousa, não existe nenhum outro tipo de estrutura que permiia a criação e manutenção de personagens eminentemente tupiniquins. Felizmente, parece que essa situação começa a ser mudada: 12 novas (simpáticas) figurasjá começam a invadir o mercado dos quadrinhos (mais precisamente, as tiras) no Brasil, assentando um pouco mais os nossos costumes e cultura nacionais e abrindo novos pólos de trabalho aos artistas brasileiros, até então forçosamente marginalizados pela invasão das tiras alienígenas.
Esse novo campo - idealizado e desenvolvido pela Abril recebeu o nome de Projeto Tiras e tem sido espalhafatosamente abordado pela imprensa que reconhece, mais do que um novo mercado, um autêntico filão culturalpara a afirmação do nome do artista brasileiro. Prova disso foi a matéria publicada pela revista Visão, e abordando o Projeto Tiras.
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Projeto Tiras: a operação de sucesso!
Em setembro do ano passado, Ruy Perotti, diretor de criação do Centro de Criação e Produção das Publicações Infanto-Juvenis, formou uma equipe com o objetivo de oferecer uma alternativa aos autores de histórias em quadrinhos nacionais e seus personagens: o Projeto Tiras, com a finalidade de colocá-los em jornais diários e, no futuro, dependendo de seu sucesso, transformá-los em heróis de revistas em quadrinhos.
Segundo Wagner Augusto, editor do Projeto, “o próprio mercado não oferecia condições de trabalho para o autor nacional, uma raça em extinção. Mas agora, com o Projeto, ele terá condições de fazer, apenas, quadrinhos. E viver disso”. Essa falta de condições citada por Wagner também abrange o fato dos quadrinhos estrangeiros chegarem ao país por um preço muito baixo, em função de já ter auferido lucros no exterior. “Para se ter uma idéia”, completa Wagner, "basta lembrar que o Hagar, aquele viking violento que apanha da mulher, só nos Estados Unidos é publicado em 2.500 jornais".
Em novembro do ano passado, a equipe saiu a campo, esperançosa, com uma pesquisa para descobrir o potencial de interesse que o Projeto despertaria nos editores de jornais diários. O resultado foi animador e, em janeiro deste ano entrou, defmitivamente, em operação no mercado o Projeto Tiras. Hoje, os personagens estão em 17 jornais do país.
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Quem é quem no Projeto Tiras
Ruy Perotti Barbosa é o diretor de arte e criador do Projeto Tiras. O editor é Wagner Augusto; Irene Valéria Ribeiro Scheel é secretária de produção; Natanael Aleixo Soares é o letrista e paste-up; Sueli Aparecida Mazze é a revisora. Na parte comercial, Luis Carlos Corrêa é contato junto ao Depto. Comercial, do qual o gerente é Nivaldo Montingelli Jr.
Jornal da Abril - Publicação interna do Grupo Abril - Ano 6 - nº 130 - primeira quinzena de junho de 1979
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