terça-feira, 17 de julho de 2018

Maurício de Sousa - Entrevista - 2015 - 1ª parte

Entrevista inédita dada por Maurício de Sousa aos pesquisadores Luigi RoccoWorney Almeida de Souza (WAZ) e José Alberto Lovetro (JAL) em 14 de abril de 2015 nas dependências da Maurício de Sousa Produções.

O propósito da entrevista era falar sobre a série de tiras distribuídas por Maurício ao jornal Última Hora de São Paulo em 1966/1967. Como foi um período muito curto de publicação, cerca de 6 meses, o que é um tempo bastante pequeno dentro de uma carreira de quase 60 anos nos quadrinhos, é normal que Maurício não se lembre de todos os detalhes da ação.

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Começamos perguntando sobre o cartunista Otávio e sua série Canarinho.

Tira do Canarinho.

LR: ...ele trabalhava, ele era funcionário do Última Hora.

Maurício: É, ele era funcionário do Última Hora.

LR: Mas a história saiu com crédito da Maurício de Sousa...

Maurício: Foi gentileza de alguém... As vezes o pessoal recebia algumas tiras da MSP e vinha do mesmo jeito, vinha do mesmo lugar, e achava que era da Maurício, mas não era... Eu não distribuí*.

*Foram publicadas 85 tiras do personagem Canarinho, todas com o copyright da Maurício de Sousa Produções.

LR: Canarinho, não?

Maurício: Não, Canarinho, não! Distribuía Getulio Delphin*, distribuí um lá...

*As tiras de Getulio Delphin para o Última Hora foram: Comandos, Ficção e Miguel Rei.

Tira do personagem Miguel Rei.

Tira da série Ficção.


LR: Osvaldo Talo?

Maurício: Talo, não!

LR: Osvaldo Talo* também não? Porque tem três tiras, duas ou três tiras, que eram Paula, Caramuru...

*Questionado sobre o assunto, Osvaldo Talo disse que fazia as tiras para o Maurício e entregava para o secretário dele (do qual não lembra o nome) e esse secretário pagava e dava nota fiscal. Lembou-se também que fora apresentado a Maurício de Sousa por Gedeone Malagola.

Caramuru por Osvaldo Talo.

Maurício: Saíram algumas tiras com o selo da Maurício de Sousa Distribuições que não era eu quem distribuía!

WAZ: Quer dizer que dessa página o Mug era seu, a Caixa Alta era sua também?

Maurício: Caixa Alta era minha.

Tira da série Caixa Alta. Além da personagem título, aparece nesse episódio, o então diretor do Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo, Américo Fontenelle.

WAZ: Quer dizer que o material de aventura não era seu?

Maurício: Não! Eu tinha material de aventura, mas não esse.

WAZ: O que saiu no Última Hora não era seu?

Maurício: Não!

WAZ: Quer dizer que o jornal compunha a página com material seu e de outros autores, é isso?

Maurício: Sim, mas não é meu. Vai saber porque...

WAZ: Você se lembra do Otávio comentar alguma coisa sobre esse personagem, o Canarinho?

Maurício: Esse não.

LR: Mas ele conversava com você? Você tinha contato com ele?

Maurício: Sim, no jornal. A gente se encontrava no jornal, lá, e conversávamos sobre as coisas todas de histórias em quadrinhos, os problemas da política, da vida (risos)...

LR: Não devia ser fácil nessa época, todo mundo começando...

WAZ: Essa página de tiras começou em dezembro de 1966, eles até publicaram na primeira página um anúncio falando disso. Então quer dizer que pro Última Hora você só mandava a Caixa Alta e o Mug?

Maurício: Sim!

LR: Bom, tem uma tira chamada Professor, assinada por Dudu (Alberto Djinishian), que eu acho...

Professor, por Dudu.

Maurício: Era um roteirista meu!

LR: Mas você distribui esse material?

Maurício: Não!

LR: Tá certo...

JAL: Esse é o problema, porque daí depois, históricamente, você vê um negócio, você acha que... falta a informação!

Maurício: Distribuir, eu distribuía o Vizunga...

Vizunga de Flavio Colin.

LR: O Gaúcho, do Shimamoto...

Maurício: O Gaúcho, do Shimamoto, sim, então, eu tentei distribuir, era um sonho, mas depois eu desisti, porque veio uma crise aí, na época da ditadura, começou a vir uns problemas. Veio aquela campanha pela nacionalização das histórias em quadrinhos, eu criei um sindicato, um sindicato não, uma associação...

O Gaúcho, por Júlio Shimamoto.

WAZ: Você era o presidente da ADESP.

Maurício: Sim, ADESP, a Associação, e como presidente eu levei a breca!

JAL: Perdeu o emprego, né?

Maurício: É! Perdi o emprego... a Folha me mandou embora... os jornais aí, do outro lado, me chamavam de comunista, e eu não tava lá brigando por por política, eu tava defendendo a classe. Eu lutava por aquilo, naquele tempo, por uma coisa que agora tem nome, que era a cota. Eu brigava pela cota! Pra ter mais desenhistas brasileiros nos jornais e fiquei na rua da amargura porque me mandaram embora. E entrei pra uma lista negra, distribuída aos jornais, pra nenhum jornal publicar nada meu a partir daquele tempo! Eu fiquei gramando, aí, mais de um ano sem publicar nada porque eu tava proibido, estavam proibidos, né? De contratar nosso material! Eu parei, e daí todos os desenhistas também pararam, porque a Associação, que eles criaram lá em Porto Alegre, ficou com a gente, e veio a ditadura e daí acabou tudo!

O último trabalho da Maurício na Folha de S. Paulo, antes de ser dispensado, saiu em 20/06/1961. A aventura de Piteco permaneceu incompleta.

Enquanto isso, eu tava vendendo minhas historinhas, o que restava das minhas historinhas, em forma de clichês, alugando pra jornal de bairro e do interior, em algumas cidades, em sistema de rodízio. Uma vez por semana, mais ou menos, eu levava os clichês pro jornal, deixava uma parte lá, ia pro outro jornal, levava outros lá, com isso ia salvando o leite da criançada, até as coisas mudarem de rumo e depois de algum tempo, quando o sistema que eu criei pra redistribuir, desse jeito meio pré-histórico, começou a dar resultado porque outros jornais começaram a ver as tiras, e eu fiz um prospecto, fiz um folheto, e mandei pros jornais que eu achava que podiam se interessar. No começo eu mandava pros jornais só a cem quilômetros de Mogi das Cruzes, que é onde eu estava. Eu me enfiei, me exilei em Mogi das Cruzes, que era minha terra. Lá pelo menos tinha meu pai, minha vó, minha madrinha, que podiam me emprestar dinheiro pra mim tomar o ônibus...

JAL: Cem quilômetros dava pra pagar... (risos)

Maurício: E a partir de Mogi... Tava tudo parado, ninguém fazia mais nada, os desenhistas tavam fugindo lá de Porto Alegre, que não deu certo. Eu fiz um círculo de cem quilômetros pra poder visitar os jornais naquele círculo. Até ali dava pra eu chegar de ônibus. Mais longe eu não tinha o dinheiro pra voltar, então, até lá eu podia chegar. E lá, nessas cidades que eu ia, tinha os jornais pequenos e eu distribuia meus clichês. 

Fiz um prospecto, folder, mandei pros jornais que tavam na minha lista, daí mais distante um pouco, duzentos quilômetros, já peguei algumas capitais, Rio de janeiro inclusive, e daí começaram a chegar os cupons que eu mandava, preenchidos, com pedido de material. Aí já deu certo! Então comecei a trabalhar, trabalhei com Rio de Janeiro, Tribuna da Imprensa, lançaram o Piteco lá. Quando lançaram o Piteco, que já vinha pela Tribuna da Imprensa, que era um jornal do Carlos Lacerda, considerado direitista, o pessoal de São Paulo falou: Ah, então ele não era comunista! Então vamos chamá-lo pra fazer essa tranqueira aqui! E a Folha me chamou pra fazer a Folhinha de S. Paulo. E daí meu projeto da Folhinha, que nasceu dois anos atrás, eu pude botar em linha de novo. Contratei mais uns rapazes pra me ajudarem, pra aumentar minha produção, e em quatro anos a partir disto, eu já estava em trezentos jornais do Brasil.

Maurício na Tribuna da Imprensa (RJ) em dezembro de 1962.

WAZ: Isso em que ano mais ou menos?

Maurício: 1965, 1966?...

LR: A Folhinha começou em 1963, quatro anos depois você já tinha vencido essa barreira!

WAZ: Você se lembra como você entrou em contato com o Última Hora, pra publicar o Mug e a Caixa Alta?

Maurício: Tava no meu caminho! Eu morava em Mogi das Cruzes, o ponto final do ônibus que era em Mogi ficava a quarenta metros de lá... (risos)

LR: Tá certo, por que não aproveitar? É só um problema de mobilidade!

Maurício: (Última Hora) era no Anhangabaú, debaixo do viaduto. Por sinal, era um tempo difícil, antigamente, né? Eu entregava o material no Última Hora no fim da noite. Saia da Folha, que era o meu quartel general, passava lá, deixava o material, e meu último ônibus pra Mogi das Cruzes saia à meia-noite, ali, a cinquenta metros da porta do Última Hora. Daí, uma noite, saí de lá, deixei o material, saí correndo pra não perder o ônibus, daí, tava no meio do caminho, vinte metros, trinta metros, escutei um barulhinho, uma explosão, bum!, senti um bafo no ar, um deslocamento de ar..., fui empurrado, mas aí aproveitei o empurrão, corri no ônibus e peguei (risos). Olhei pra trás, tava pegando fogo, pegando fogo, não, tava esfumaçado, vidro quebrado. Tinham estourado uma bomba na porta do jornal, escapei por pouco! Saí correndo, a bomba não estourou perto de mim!

JAL: Caramba, podia ter virado a história! Quanto pesava essa mala de clichês que você levava?

Maurício: Clichê é pesado! É chumbo!

JAL: Uns dez quilos?

Maurício: Repuxava todos os músculos! Sei que eram uns trinta clichês!

WAZ: Esse personagem, a Caixa Alta, você se lembra como é que você construiu ele?

Maurício: Bem, eu tava buscando temas, personagens, falando coisas diferentes. Naquele tempo, eu não me considerava, não pretendia e nem pensava em ser autor de tiras infantis. Eu escrevia pra jornal e jornal é adulto! E então, tava no mundo adulto, era repórter policial, então buscava temas sociais. Caixa Alta, também criei os Dez Ajustados, que era uma família que morava num cortiço na rua Augusta, e era toda a problemática social da vida deles. Mas tudo cômico!

WAZ: Esses Dez Ajustados, ele durou mais tempo, né?

Maurício: Um pouquinho mais. Foi no Correio Paulistano.

WAZ: É, então, porque eu achei essas tiras na Tribuna de Santos.

Maurício: É, Tribuna de Santos. Criei o Boa Bola, no Diário da Noite.

LR: No caso do Mug, como é que foi isso?

Maurício: O Mug nasceu por que eu tava tentando fazer uma história em quadrinhos do Roberto Carlos e falei com o pessoal que cuidava disso, que era uma agência onde estava o Prosperi...

Tira do Mug.

JAL: Não era o Carlito Maia?

Maurício: O Carlito. Eram três que tomavam conta disso (agência Magaldi, Maia & Prosperi). Eles falaram: Maurício, nós queremos lançar um produto, um bonequinho, que é do Wilson Simonal, e nós queremos sugerir que esse produto, esse boneco, dá sorte. Você não quer fazer uma história em quadrinhos com esse produto? Eu disse: Faço! Inventei uma história seriada com o Mug. Inventei a história toda!

LR: Ele lutava contra os fajutos, que eram os Mugs piratas!

Maurício: Foi muito divertido!

JAL: Porque você sabe, né? Porque os piratas, começa a fazer sucesso, todo mundo copia!

WAZ: Na verdade, eles lançaram o produto e montaram uma campanha junto com o quadrinho pra alicerçar o produto, foi isso?

Maurício: Sim!

WAZ: Ah, que interessante!

Maurício: E foi o maior sucesso!

JAL: O pessoal lá do estúdio, as dezoito horas, eles tem uma gravação marcada...

WAZ: Deixa eu perguntar uma coisa, Maurício, você trabalhou com várias turmas diferentes. Vários ambientes diferentes de personagens, alguns não foram pra frente, mas eles não foram pra frente por que você já não conseguia desenhar tanto ou por que o roteiro, o ambiente deles, você achou que não seria mais adequado pra continuar?

Maurício: As duas coisas. Uma que realmente a musa eu sentia que não tinha força, eu criava, criava, empurrava, empurrava, nem eu mesmo gostava muito. E outros eu sentia que tinha mas ás vezes esbarrava com o jornal, que não se interessava em continuar com o processo. Então, foram as duas coisas, eu brigava de todo jeito! Era duro chegar nos jornais! Cada redator-chefe, cada diretor de jornal tinha uma cabeça. Eu tinha que vender o peixe, falar bem do meu material. No jornal esquerdista eu falava que a minha história era pra enfrentar o material americano e no jornal de direita eu falava que o meu material era tão bom quanto o americano. Daí, vamos ver!

JAL: É tinha um certo sentido!

FIM da primeira parte...

4 comentários:

Unknown disse...

Como é bom ler estas entrevistas históricas o Maurício! Parabéns mais uma vez pelo belo trabalho de desgaste e preservação da memória dos Quadrinhos Nativos!

Dyel disse...

Fascinante esta entrevista com o Maurício,sobre a sua "louca aventura" de tentar criar um Sindycate,uma agência distribuidora nos moldes dos gigantes Norte - Americanos,como o King Features Sindycate e o United Features Sindycate.
Espero pela parte II,e gostaria de ver matérias sobre outras duas tentativas frustradas de se criar um Sindycate 100% nacional,respectivamente nos anos 1980 e 1990: a AGÊNCIA FUNARTE,e o PACATATU,idealizado pelo Ziraldo.

rodineisilveira disse...

Não esquecendo que a equipe do Maurício produziu várias raridades em termos de tirinhas, como: Zé Munheca, Niquinho, Fogaça, Boa Bola e Os Dez Ajustados.

rodineisilveira disse...

Não podemos nos esquecer também do danadinho do Nico Demo.