Entrevista publicada na revista paranaense Nicolau, em 1989.
Flávio Colin: a vida na ponta do lápis
O traçado perfeito. A pureza do preto e branco. Artista e profissional. Coração andarilho. Flávio Colin retorna à Curitiba. Desejo seu. Sorte nossa. O traço, a arte, a mágica.
Colin é muito provavelmente, o mais importante quadrinista brasileiro. Enquanto a maioria dos nossos autores alardeia sofisticadas "influências", ele não assume senão uma remota estima pelo claro/escuro de Milton Canif nos inícios de sua carreira, influência já amplamente superada.
Seu desenho é inconfundível, visto em qualquer gibi do mundo: nada de "influências", só o tratamento firme e limpo das linhas, a composição elaborada e realista dos quadrinhos, sem a preguiça de desenhar fundo, que é uma das características do gibi produzido no Brasil.
Além das histórias e séries mencionadas na trevista, Colin produziu - já em Curitiba - vários trabalhos documentais importantes: Universidade dos Bairros, História de Curitiba em Quadrinhos, A Guerra dos Farrapos, para a L&PM e O Continente do Rio Grande, para a Ipiranga.
Hotel do Terror nº 01 - Ota Comix, 1994.
Colin é desses gnomos benfazejos em extinção: onde ele põe a mão, cria uma obra de arte. Desde as historinhas pseudo-terror até os épicos históricos. Não se fazem mais desses autores que curtem se afundar em pesquisas, em vez de produzir histórias "incríveis, piradíssimas".
Esta entrevista, realizada durante uma reunião que objetivava reativar a revista Casa de Tolerância, contou com a participação de Key Imaguire Júnior, Edson José Cortiano, Cláudio Seto, Humberto Boguszewski e Luís Bellenda.
Nicolau: Pelo que eu senti agora, você tem uma certa influência do Milton Caniff. Então eu queria saber como é que você começou a curtir quadrinho e quem te influenciou.
Colin: Entre o Alex Raymond e o Milton Caniff, eu preferia o Caniff, porque ele era mais desenhista. Você olhava um quadrinho do Caniff e ele tinha três, quatro, planos, o que era difícil de encontrar num desenho do Raymond, que trabalhava muito em cima da figura humana. E o Caniff não, ele botava um chinesinho lá (no fundo) de um aeroporto daqueles e o Terry, em primeiro plano. E ele não usava meio tom, coisa que eu sempre achei um recurso, uma regra meio baixa. Acho que história em quadrinhos é preto e branco. Então, por aí, pode ser que eu tenha sofrido uma influência do Caniff maior que a dos outros. Eu quero contar um caso de quando eu entrei na Rio Gráfica. Eu não sabia desenhar nuvem, que é um troço difícil de fazer: há uma diferença entre nuvem e poeira; então você desenha ou uma ou outra, não pode confundir. Tinha um desenhista da Rio Gráfica, o Gutemberg Monteiro, que era o papa da época. Eu não gostava do desenho do Goott, porque ele, por sua vez, tinha uma influência exagerada de um outro cara (um desenhista famoso, cujo nome agora não me lembro), que era um copista, e eu não admito copismo. Mas eu não sabia fazer nuvem, e então ia safadamente na mesa dos outros desenhistas para ver.
HQ é preto e branco, influência de Milton Caniff
E o Goott tinha uma solução pra nuvem. Eu não usei a solução dele, mas aprendi com ele como fazer. Porque o diabo é o seguinte: nós somos todos autodidatas, então você aprende olhando. Você não aprende numa aula, com professor e técnica. Ainda mais lá por 1953, 1954: não dava pra ter professor de nada.
Nicolau: Que outras influências você apontaria na sua carreira?
Colin: A de um amigo argentino, que fugiu das peripécias do Perón. Veio um bando de argentinos pro Brasil, excelentes gráficos e artistas, que se piraram com a derrocada do Perón. Meu amigo era o Guillermo Ares. Ele não era um grande desenhista, brilhante, criativo, mas como tinha aquela escola argentina, sabia muito de técnica, e eu aprendi com ele também. Por exemplo, aprendi a fazer uma mão. O desenho dele era até feio. Posso mostrar uma enciclopédia que era feita na Rio Gráfica e tem os meus primeiros desenhos e também os do Guillermo Ares, onde dá pra ver que usei a técnica dele. Eu sou um fã do claro/escuro, acho que na história em quadrinhos, usar o meio tom, a retícula é um recurso. Não quero xingar quem usa. Quando usa, está bem usado, mas pra mim é uma aberração, eu não uso. Uma coisa curiosa, todo mundo diz: você tem uma certa influência do Milton Caniff, e eu digo: é possível, devido à admiração que eu tinha pela sua colocação em preto e branco... e depois, era uma aula de desenho.
Nicolau: Você tem o Anjo, o Vizunga, o Nicanor de agora. É isso? Ou tem outros personagens?
Vizunga, Folha de S. Paulo - 1965.
Colin: Sim, tem o Vigilante Rodoviário, que foi feito e o Jayme Cortez deixou morrer, porque é incompetente, besta. O Jayme Cortez tinha uma mina de ouro e deixou morrer por... não vou dizer incompetência, que o cara não merece isso, mas deixou aquilo avacalhar e perdeu a mina de ouro. Então tinha o Vigilante Rodoviário, que era uma série de televisão, e a respeito dele tem uma coisa curiosa: o Shimamoto, que eu considero o melhor quadrinho (é um cara que faz exatamente aquilo que eu acho que um desenhista de histórias em quadrinhos deve fazer: ele manda pras bananas a anatomia - não que ele fuja do negócio - mas ele deforma, ele constrói), chegou e disse: Colin, você faz aquele cachorro do Vigilante Rodoviário, eu não sei desenhar bicho e você faz isso bem. Realmente eu desenho, e eu gostava de desenhar o Vigilante por isso: tinha o cachorro, era interessante... mas infelizmente, como tudo nesse país...
Almanaque Vigilante Rodoviário, editora Outubro - 1964.
vale deformar, construir, não copiar anatomia
Nicolau: O Cortez e aquele outro argentino, o Zalla, vieram nessa corrente que você mencionou?
Colin: Não, o Cortez é anterior ao Zalla. O Cortez, é português de Lisboa, é alfacinha - e é mais antigo que a Sé de Braga, é um artista muito antigo...
Nicolau: Era esse o adjetivo que você estava procurando: ele é português...
Colin: É, o Jayme era isso mesmo, era o que eu queria dizer. O Cortez é um cara meio maroto em relação aos outros profissionais; disso não há dúvida. Realmente, ele publica álbuns, e eu devo algumas promoções a meu respeito ao Cortez. Afinal, neste Brasil, foi o único que fez a porra dum álbum de ilustradores, depois mais ninguém. Então o português tem que ter um mérito e eu não posso lhe negar isso. De sorte que também não posso avacalhar com o cara: se eu caí na última página do álbum dele, não foi porque ele quis, foi porque eu mandei o material atrasado, essa é a verdade.
A Técnica do Desenho, editora Bentivegna, década de 1960.
Nicolau: Entrou o Vizunga lá, né?
Colin: Entrou o Vizunga, entrou o que eu tinha, e eu não tinha nada, eu nunca tenho nada, sou um desperuchado. O cara me pede um desenho e vai esperar quinze dias até eu fazer um? Então não foi culpa do Cortez, eu é que não tinha material pra dar pra ele, vamos deixar isso bem claro...
Nicolau: Esse que você está falando é o Mestres da Ilustração?
Colin: É, acho que é.
Nicolau: Ele tem três: o Mestres da Ilustração, a Técnica do Desenho e o Manual do Ilustrador.
bom é quem investe nas H.Q. ao invés de numa fábrica
Colin: Isso é dele, né? Para o Manual do Ilustrador eu ainda tinha alguma coisa pra dar pra ele, aquelas histórias de far-west que eu fazia e alguns personagens, mas para o outro..., aí eu já não tinha mais nada; mandei uns negócios de última hora, ele teve até que repetir a página, ampliar, fez uma mágica. O Cortez tinha a Editora Outubro, que naquela época pra nós significava mais ou menos o que seria a Grafipar, a salvação da lavoura, né? Mas acabou tudo em uísque e Rum Merino. Agora, o Zalla é recente; eu não o conheço pessoalmente, mas soube que ele herdou uma grana e como é um excelente desenhista, resolveu abrir uma editora, investiu o dinheiro dele nisso, e vai levando. Talvez esta seja a razão de eu até hoje trabalhar pra ele a preço de miséria: eu gosto do cara que poderia investir numa fábrica de desentortar banana, num negócio qualquer de open-market, mas jogou em cima das histórias em quadrinhos. Eu colaboro com ele até hoje, não pelo que ele paga, e sim pelo que representa. Mas é muito posterior ao Cortez, eu já tinha deixado de fazer o Anjo.
Nicolau: Quanto tempo durou o Anjo?
Colin: Na minha mão, uns dois ou três anos.
O Anjo nº 20, editora Rio Gráfica - RGE.
Nicolau: Na tua mão como? A gente sempre associa o Anjo com você, tem mais alguém?
Colin: Depois o Kid (Juarez Odilon) fez, o Valmir Amaral continuou fazendo.
Nicolau: O Vizunga você já disse que durou pouco, também. O Vizunga ficou interessante por causa daquela história do Maurício de Sousa distribuir. Como foi isso, exatamente?
Colin: Foi o seguinte: depois do Anjo, eu fazia, em São Paulo, aquelas histórias de terror que, aliás, às vezes tinham textos ótimos. Um dia o Maurício chegou lá em casa e disse: Flávio, eu estou na Folha de São Paulo e quero lançar umas tiras lá; você não quer fazer uma? Nós vamos distribuir pro Brasil inteiro, vai ter royalties, Nessa voz de royalties, eu disse que fazia e bolei o Vizunga. Aí mandei quinze tiras pra ele levar ao jomal e ver se agradava. Fiquei na expectativa do resultado pra ver se o jornal comprava aquilo ou não. Só que recebo um telefonema dizendo: as tiras estão rodando, manda brasa. Pô, quinze tiras não é nada, a uma por dia, dá duas semanas. Aí me vi louco, pari aquele Vizunga de tudo quanto era jeito, sempre na expectativa de que aquele negócio rendesse royalties, viesse pra cá, pra Porto Alegre, Manaus, Belo Horizonte: royalties brasileiros... Mas não deu nada, o negócio ficou ali na Folha. O Maurício tirava a parte dele e me pagava o restante. E aquela era uma história que levava pesquisa, dava trabalho, porque eu fazia com um amor desgraçado; era a minha paixão. Era uma coisa que eu gostava, era didática.
o Vizunga era a maneira de passar o pouco que sei
Eu acho que na nossa história em quadrinhos - e acho que vou morrer com essa mágoa -, a gente não pode passar nada do que está aí. A história em quadrinhos é um veículo espetacular pra você passar as coisas, mas nesse país não dá. Você imprime o óbvio: pornografia, erotismo, terror (um terror de merda, que não assusta ninguém), mas as coisas que a gente tem - folclore, fauna, cultura -, nada disso a gente consegue passar. Isso morre e a nossa história em quadrinhos fica sem esse conteúdo; sem essa mensagem. Fica aquele troço chato,seco, didático, quando a gente podia transformar nossas coisas numa tremenda história em quadrinhos. Não falta episódio, não falta nada. Isso me irrita, porra. E o Vizunga, eu ia usar pra passar História, eu ia usar pra passar tudo nele, através das caçadas. Ia botar o Vizunga tomando caldo com um índio, ia botar no tempo dos bandeirantes. O Vizunga era isso: a maneim que eu tinha de passar o pouco que eu sei. Mas nessa época eu fui pra McCann. Ganhei um concurso lá e os caras me chamaram. Eu ganhava mais fazendo story-board que história em quadrinhos, daí acabou o Vizunga.
Nicolau: Mas o Vizunga teve uma longa história...
Colin: Eu não sei se ele chegou a quatrocentas, mas a trezentas e tantas tiras chegou. Eu queria fazer um anti-herói, tanto que o Vizunga era um cara careca com uma barbicha, e minha intenção era contar uma históna, parasse onde parasse. Quem quiser suspense, que vá ler Fantasma e Mandrake.
Quem entendeu onde parou o papo, compra outrra porque quer a continuação daquilo. Vou me preocupar com o suspense pra quê? É uma conversa, tanto que o Vizunga era dividido em duas características, em dois níveis: ele era acadêmico, quando explicava que estava na África, na Índia ou no Brasil (em que cidade, qual a população), e quando ele começava a contar a caçada ou a pescaria, a coisa virava cartum, uma sátira a caçador e pescador ("peguei um peixe deste tamanho"; "matei um veado de quarenta chifres"). Era pra dar chance a "a pegada do elefante era do tamanho dessa sala" que era o que divertia.
deve-se informar nas H.Q., não se limitar a aventuras
Nicolau: Mas as informações que passava eram corretas?
Colin: Claro, a informação que ele dava era correta, porque eu comprei mapa da Índia, da África, do mundo inteiro. Aleghanis, nos Estados Unidos, Montanhas Rochosas, Punjab, o negócio era nessa base. Porque eu acho que isso é que é válido na história em quadrinhos: é você informar, não só fazer uma porra de uma aventura, ou um protesto. Você tem que informar, essa é a razão da história em quadrinhos. O americano nos encheu o saco de way of life pra ter essa porcaria. Antes da televisão e do cinema ele já estava mandando brasa em cima da gente: então você conhece todas as tribos americanas, todos os cow-boys da vida e não é através de cinema, é através de história em quadrinhos. E por que nós, que somos um país continental, não podemos fazer essa coisa? Vender chimarrão pro paraense e vender tucupi pro gaúcho? É isso que temos que fazer. Estamos nos desconhencendo, e não é jornal, é história em quadrinhos que faz isso, mesmo falando de África, de Índia, de Canadá. Mas o Vizunga era um cara milionário, que vivia na beira da praia, que tava contando a história dele pra uma platéia de jovens. Como era o Vizunga, nenhuma editora comprou. Não campraram nem o Carga Pesada, que era um negócio de televisão, mascado, pronto, feito: os caras mandaram capar. Então, como o Maurício deu tira, foi tira. Tira é um negócio engraçado, grave: pra quem gosta da fruta, tem que encarar. Não é o ideal, fazer tira. O ideal é fazer uma revista. O Vizunga era pra ser uma revista, tipo Anjo. Mas quem compra? A Folha compra tiras? Tiras...
Universidade dos Bairros nº 02 - Fundação Cultural de Curitiba - 1985.
O ideal não é fazer tira. O ideal é fazer uma revista
Nicolau: Você já falou numa porção de gente, mas quem você acha que são os melhores autores (brasileiros)?
Colin: Olha, vou dizer uma coisa: eu poderia citar muita gente, mas infelizmente eu separo o artista do profissional. Quando eu falo num artista, eu gosto que ele seja um profissional. Artista tem aos montes, profissionais é que são poucos. Artista profissional mesmo tem muito pouco no Brasil. Eu não quero ofender nem omitir ninguém. Não vou dizer que são os meus preferidos, mas são os que eu conheço. Tem aqui o meu amigo, o professor Seto, tem o Shimamoto...
Carga Pesada nº 03, no traço de Flávio Colin - RGE - 1980.
Nicolau: Mas só tem japonês?!...
Colin: É, por enquanto estamos no Japão. O Shimamoto é uma máquina de fazer quadrinhos. E aquele menino que eu admiro muito, o Mozart Couto, um cara que tem um traço que está muito perdido nesse Brasil. Pra absorver o Mozart Couto, tinha que ter uma editora. Tem o Walmir, da Rio Gráfica, é o Kid, dos mais antigos. Dos novos tem muita gente boa: aqui o mestre Cortiano e esse pessoal. Mas da velha guarda mesmo, está lá o Walmir, o Shimamoto, os outros sumiram, porque é muito difícil, no Brasil. Eu poderia citar o Watson também, mas é um artista, não é um profissional. O profissional é o cara que realmente encara o trabalho que está fazendo. O Watson tem lá o traço dele, tirou não sei de quem, fez não sei o quê, é habilidoso, mas é aquele cara que fica lambendo uma história em quadrinhos, uma página, outra... Isso é muito bonito, dá um efeito magnífico, mas não é aquele sujeito... Então o difícil no quadrinho é isso, e estou citando esses camaradas de primeira hora. Poderia citar o Ziraldo, que fez o Pererê, e o Estevão, que era um profissional. E esse era bom: ele fazia aquilo na marreta, metia o cacete, era um cara! E sumiu, porque é aquela história: a gente não tem estrutura. Um Carlos Estevão na Europa...
profissional é aquele que encara o trabalho que faz
Nicolau: Essa geração do Nico Rosso, Colonnese, o Jayme Cortez, esse pessoal - bem, do Cortez você já falou -, o Edmundo Rodrigues, tudo isso chega a formar uma época no quadrinho brasileiro, né?
Colin: Realmente, formar, forma. Com perdão da má palavra, Edmundo Rodrigues forma uma... também faz parte do folclore, não vou dizer que não. Agora, infelizmente, nós somos uma geração perdida, porque com exceção da minha parte, talentos maravilhosos foram jogados pro espaço, por influência das multinacionais, dos copyrights da vida. Nos sufocaram, e eu fico revoltado quando vejo esses caras. Veja o Nico Rosso, um homem antigo e está lá firme.
A gente tem que respeitar um cara desses, mas quem é Nico Rosso? Taí pra nós, que conhecemos o assunto, mas esse cara devia ser um expoente e não é. Porque nunca deram pro Nico Rosso o valor que ele tinha, nunca lhe deram o que fazer. Isso é um crime que se comete contra uma geração, contra uma inteligência. Além do fato de a gente ser miseravelmente autodidata, ainda por cima os desgraçados não nos imprimem. De repente, numa história, você nunca sabe o que fica pra você. É muito cômodo você ter um personagm, o Mandrake, por exemplo, é seu e você bota ele onde quiser. E nós, que ficamos desenhando texto dos outros? Um bola um negócio na idade Média, outro bola um troço na China... te vira, cabôco! E você tem que desenhar aquilo na China, porque tem um desgraçado dum leitor chato que diz: isso é no Japão, esse cara aqui não é chinês, é japonês. Você tem que pesquisar, porque o cara te sacaneia depois, não quer nem saber. Ser desenhisla de quadrinho não é mole: você tem que ter referencias de Idade Média, de tudo. Eu, por exemplo, desenhava o Sepé, lá no Rio Grande. Isso é importante, e a gente nunca fala. Pra mim foi muito importanle desenhar o Sepé pro Brizola.
Sepé nº 01 - CETPA - 1962.
para desenhar texto dos outros precisa se virar
Nicolau: Mas como é isso, que a gente nunca ouviu falar? Todo mundo sabe como é a história do Sepé, mas você fez uma quadrinização disso?
Colin: Não, é o seguinte: o Zé Geraldo conseguiu chegar no Brizola e botar o problema do quadrinho na frente dele. Disse: olha, ninguém imprime, ninguém publica.... e o Brizola comprou a briga. Tinha aquele movimento do Jânio, formem aí como a Ordem dos Advogados... Mas o Jânio pediu o boné, tirou a escada e deixou todo mundo pcndurado na brocha. O Jango não ia comprar isso, que a cabeça dele era outra. Sobrou o Brizola. Então ele fez uma cooperativa no Rio Grande do Sul, chamava-se CETPA (Cooperativa Editora e de Trabalho de Porto Alegre), e lançou aigumas revistas, tudo com desenho e argumento brasileiros. Lançou o Aba Larga, que era aquela polícia montada do Rio Grande e quem fazia era o Getúlio Delphim, lançou o Saindenberg. Tinha umas quatro revistas, cujos nomes me fogem. E o Sepé, que era eu quem faria. Quem escrevia o Sepé era um professor de história lá do Rio Grande do Sul. O Sepé é um personagem folclórico. Em princípio foi revista, mas sabotaram, esconderam as revistas todas, tanto que eu tenho um numero só. Esconderam nas bancas, porque era um negócio de cooperativa, de comunistas, então não dava. Meteram lá pra trás, escamotearam o troço... Depois só em tira num jornal de lá, não tomei conhecimento. Mas isso foi importante. Na época não fui pra lá porque era casado, e tinha família no Rio de Janeiro, mas o Shimamoto e o Getúlio, que eram solteiros, foram. Fiquei mandando as tiras do Rio pra lá. Fui o único da patota que não foi para Porto Alegre. É mais fácil ir um cara só do que carregar a tralha. Eu recebia o texto do professor e fazia como a Grafipar: desenhava e mandava. E eu adorava aquele troço! Se bem que, claro, o cara, como professor de história - não que fosse verborrágico, mas ele queria passar alguma coisa. O Sepé fazia discursos do alto da coxilha e de repente não tinha espaço no quadrinho pra botar o Sepé... era tudo balão. Era um drama desgraçado pra botar a cara do Sepé a cavalo. Não cabia o Sepé, que dirá o cavalo... Porque o cara dava uma aula de justiça social lá naquela porra... Convencer o professor de que aquilo não era uma aula de história, era uma história em quadrinhos... Mas a coisa funcionou até que, infelizmente, veio a "Redentora" e acabou o papo.
Brizola comprou a briga e lançou H.Q. brasileiras
Nicolau: Só pra constar: o Shima diz que o Brizola alugou um andar pra turma, um ficava numa puta salona: o Shima numa, onde só tinha a prancheta dele, o Getúlio Delphim, numa outra...
Colin: Mas era mesmo, era pra botar pra quebrar, porque aí é que está o interessante do negócio. Por isso que eu sou Brizola e votei nele - e, talvez tenha que transferir o meu titulo pra cá, se eu ficar em Curitiba (e gostaria muito de ficar, porque adoro Curitiba), se não eu volto pra lá e voto nele outra vez. Pelo seguinte, ele é um desinformado a respeito do assunto, mas quem não é? Pelo menos ele botou um salão: sei lá o que o cara precisa, eu não entendo, é melhor botar no salão que confinar no galinheiro, bota logo numa sala, sei lá o que o cara quer...
Nicolau: Essa história termina mais ou menos assim: dois anos atrás, na Grafipar, estávamos dando uma estudada nesse problema de cooperativa e encontramos uma nota num fanzine do Rio Grande do Sul, a Historieta, o cara metendo a boca no Brizola porque ele proibiu a entrada de Batman e Super-homem naquele Estado, naquele período. Bem feito que foi expulso do país, um troço mais ou menos assim. Como a gente que trabalhava na Grafipar conhece o funcionamento do mercado das distribuidoras, fica fácil saber que se o Brizola não deixava entrar quadrinho da Ebal, da Abril, da Rio Gráfica no Rio Grande do Sul, está na cara que os quadrinhos dessa cooperativa não iam entrar nunca no resto do Brasil, que existe uma máfia aí.
Colin: Isso que o Seto falou agora foi a razão do fracasso. Isso eu aceito, é uma explicação inteligente. Não como aquele cara que tem lá no Rio Grande do Sul, aquele alemão que faz aquela revista (Historieta), o (Oscar) Kern. Porra, um dia eu recebo uma revista do Kern sacaneando o Sepé. Eu li aquele troço e escrevi uma carta pra ele esculhambando: Olhaqui, rapaz, eu fiz o Sepé com muito orgulho, porque de repente peguei um troço brasileiro pra fazer. Fiz com muito orgulho e lamento que o esquema e o status tenham acabado com a cooperativa. Uma carreira perdida. Aí ele mandou: Carreira perdida por quê? Não entendi! Carreira perdida porque você não pode combater o distribuidor, a multinacional, aquilo que o Seto falou muito bem, no raio das bancas. Não há força pra isso. Agora, daí menosprezar o trabalho como o Kern estava querendo fazer... Depois ainda andou publicando lá: Colin diz que fez o Sepé com 'muito orgulho', botou o muito orgulho entre aspas. Não sei porque entre aspas, eu falei no duro mesmo, não tinha nada entre aspas. Fiz porque o negócio era mesmo bacana. Aí, não vão me interpretar mal, fiquei chateado com o alemão, que vá tomar banho. Quis reeditar o Vizunga, eu disse: Vá editar o Vizunga na Baviera.
Nicolau: Essa história termina mais ou menos assim: dois anos atrás, na Grafipar, estávamos dando uma estudada nesse problema de cooperativa e encontramos uma nota num fanzine do Rio Grande do Sul, a Historieta, o cara metendo a boca no Brizola porque ele proibiu a entrada de Batman e Super-homem naquele Estado, naquele período. Bem feito que foi expulso do país, um troço mais ou menos assim. Como a gente que trabalhava na Grafipar conhece o funcionamento do mercado das distribuidoras, fica fácil saber que se o Brizola não deixava entrar quadrinho da Ebal, da Abril, da Rio Gráfica no Rio Grande do Sul, está na cara que os quadrinhos dessa cooperativa não iam entrar nunca no resto do Brasil, que existe uma máfia aí.
Colin: Isso que o Seto falou agora foi a razão do fracasso. Isso eu aceito, é uma explicação inteligente. Não como aquele cara que tem lá no Rio Grande do Sul, aquele alemão que faz aquela revista (Historieta), o (Oscar) Kern. Porra, um dia eu recebo uma revista do Kern sacaneando o Sepé. Eu li aquele troço e escrevi uma carta pra ele esculhambando: Olhaqui, rapaz, eu fiz o Sepé com muito orgulho, porque de repente peguei um troço brasileiro pra fazer. Fiz com muito orgulho e lamento que o esquema e o status tenham acabado com a cooperativa. Uma carreira perdida. Aí ele mandou: Carreira perdida por quê? Não entendi! Carreira perdida porque você não pode combater o distribuidor, a multinacional, aquilo que o Seto falou muito bem, no raio das bancas. Não há força pra isso. Agora, daí menosprezar o trabalho como o Kern estava querendo fazer... Depois ainda andou publicando lá: Colin diz que fez o Sepé com 'muito orgulho', botou o muito orgulho entre aspas. Não sei porque entre aspas, eu falei no duro mesmo, não tinha nada entre aspas. Fiz porque o negócio era mesmo bacana. Aí, não vão me interpretar mal, fiquei chateado com o alemão, que vá tomar banho. Quis reeditar o Vizunga, eu disse: Vá editar o Vizunga na Baviera.
Nicolau: Acho que se devia colocar isso cronologicamente. Na verdade, o Colin falou em quinze anos de quadrinhos, e tudo misturado. Podia dar umas referências aí pra gente se situar.
Enciclopédia em Quadrinhos nº 5, RGE - 1956.
Colin: Primeiro, eu fiz a Enciclopédia em Quadrinhos. Daí me ofereceram pra fazer o Anjo. Então parti pras histórias do Jayme Cortez na Editora Outubro, em São Paulo, eram as histórias de terror. O Anjo foi de 1958, 1959, até sessenta e poucos. Daí já misturei com São Paulo, com a Editora Outubro, onde eu fiz terror e o Vigilante Rodoviário. Mas tem um lance antes: era uma revista de um cara chamado Ilo Iloy Lundi; sobre os pracinhas da FEB. Era da época do Anjo, um pouco antes. Eram histórias de sargentos e tenentes, que contavam suas experiências de guerra. Aquilo era "decupado" em quadrinhos e a gente ilustrava. Eu tenho essa revista lá em casa, é FEB, um negócio assim. Eu fazia ilustração pro Globo também. Depois veio o Como Fazer Histórias Infantis pra Vecchi. Depois acho que veio o problema da CETPA lá no Rio Grande do Sul, o Sepé, o Vizunga e aí acabou. Entrei pra publicidade e morreu o assunto. Surgiu então a Grafipar. Essa é mais ou menos a cronologia do negócio.
Coleção de Aventuras - Força Expedicionária Brasileira, editora Garimar - 1958.
2 comentários:
Muito obrigado... é sempre uma alegria poder ler mais uma entrevista de um dos Ases da HQ Nacional.Flávio Colin é dono de um traço altamente peculiar. Existem artistas cujo estilo de desenho é facilmente imitado,possuindo dezenas de seguidores. Colin fazia parte daquele seleto grupo de artistas,cujo traço é,até hoje,inimitável.
Certa feita,um jornalista,cujo nome não me lembro no momento,dizia que Colin não fazia HQs de Terror,Aventura,Comédia,Erotismo,etc.Colin fazia...COLIN! Ou,seja,um universo à parte.
Valeu, Dyel! Sempre presente!
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