Os Fradinhos de Henfil (Henrique de Souza Filho, 1944-1988) estrearam na revista Alterosa (MG) em julho de 1964. Com o surgimento de O Pasquim, em 1969, assumiram lugar de destaque na publicação semanal, sendo uma das seções mais importantes e divertidas do jornal.
Em 1973, Henfil, que era hemofílico, decide se mudar para os Estados Unidos para buscar tratamento médico, mas também com o firme propósito de ingressar com suas criações em algum dos grandes syndicates (distribuidores de material jornalístico) norte-americanos.
Apesar de não ter muitas perspectivas e nenhuma proposta concreta, Henfil estava bastante animado com sua viagem e, numa longa entrevista concedida à revista O Grilo nº 48 antes de sua partida, deu as seguintes declarações:
"Não, para os Estados Unidos eu vou em condições muito adversas porque eu vou sem nada, não sei o que me espera lá, não sei falar inglês, não tenho onde morar e vou com o dinheiro que eu ganho no Brasil, que lá nos Estado Unidos não significa nada. (...) Eu vou para lá como um cara que vai para as redações mostrar o desenhinho, como um cara que está começando. (...) Então esse aspecto me preocupa demais. E mais ainda, eu já falei nisso: eu quero atingir todas as cidades brasileiras com o Zeferino, por exemplo, ou com o Fradinho. Como é que vou enfrentar a concorrência da King (Features Syndicate)? Eu tenho que ir pra King. Ela implantou um esquema, que só mudando muita coisa pra conseguir tirar, a não ser que haja uma lei muito forte de proteção de história em quadrinho nacional que obrigue a publicar entre dez tiras de desenho estrangeiro uma nacional, como tem o desenho animado, e ainda assim a King ainda seria a maior. Ela ainda teria as dez; é a única. Então eu vou lá para a King porque aí eu vou atingir qualquer cidade brasileira. Então há um plano maior por detrás disso tudo, inclusive pra realizar tudo desenho animado, tiras em quadrinho, histórias em quadrinho, charges. Os jornais publicam mais charges tiradas de jornais americanos do que charges publicadas no Brasil, feitas por brasileiros. Cito o exemplo concretos no Jornal do Brasil eu fazia uma charge sobre os Estados Unidos, o Jornal do Brasil tinha o maior problema pra publicar e acabava não publicando, mas publicava três charges muito mais violentas saídas dos Estados Unidos, tiradas de jornais norte-americanos. Eu não entendia. Então vou pros Estados Unidos, faço essas charges e mando pro JB. Precisa ter a chancela do New York Times debaixo. Esse problema é sério e tem que ser enfrentado, e rápido, porque eu não tenho sessenta anos de vida pela frente pra chegar e lutar contra um esquema desse, fundar um sindicato de história em quadrinhos pra conseguir não sei o quê, em condições adversas".
Com o contato de um dos donos do Universal Press Syndicate nas mãos, Henfil conseguiu ser aprovado pela distribuidora com as tiras de Os Fradinhos (Mad Monks em inglês). Apesar do trabalho de Henfil ser muito mais sarcástico e violento do que a média das tiras distribuídas por todos os outros syndicates, a Universal Press tinha a intenção de conquistar mercado com materiais diferentes e inovadores, daí a aceitação dos Fradinhos pela empresa.
Henfil preparou dezenas de tiras, e embora muitas tivessem sido devolvidas por serem consideradas impublicáveis, The Mad Monks estreou em dez jornais norte-americanos, entre eles o Chicago Tribune, o Philadelphia Enquirer, o Detroit News e o Toronto Sun do Canadá, em 13 de novembro de 1974. O Fradim Cumprido recebeu o nome de King Size e o Fradim Baixinho passou a chamar-se Runt (Nanico).
Mas, apesar da aparente boa recepção das tiras, os leitores dos jornais sentiram-se indignados com o material de Henfil, classificando-o como antiamericano, anti Deus e outros adjetivos desabonadores. Os jornais foram pouco a pouco cancelando a publicação dos Mad Monks, e dos dez jornais iniciais, dois deles sequer chegaram a publicar as histórias por considerarem-na "doentia". A série deixou de ser publicada em fevereiro de 1975, apenas dois meses depois de seu lançamento (o contrato era de dez anos, mas em média os cartunistas assinavam um contrato para 22 anos.
Pouco a vontade com a proposta do syndicate de tentar uma outra tira ou uma charge editorial, Henfil rescindiu seu contrato e, desgostoso com as expectativas frustradas, retornou ao Brasil.
Acima, estreia dos Fradinhos na revista Alterosa, 1965.
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Em um depoimento à revista O Bicho nº 2, de março de 1975, Henfil mostrou um contrato padrão apresentado aos cartunistas pelos syndicates e que pode ser lido a seguir:
O CONTRATO
Este é um resumo do contrato "standard” que os sindicatos oferecem aos seus cartunistas:
1. O cartunista entregara ao Sindicato 6 tiras semanais em preto e branco e 1 em cor para as edições dominicais. Deverá ser mantido, durante a duração do contrato, a qualidade e o padrão do trabalho que foi submetido e aceito pelo sindicato.
2. EXCLUSIVIDADE. PREFERÊNCIA.
O cartunista não poderá, sem licença escrita do Sindicato, desenhar, consentir que seja desenhado (sob seu nome ou outros nomes) ou assessorar a produção de qualquer trabalho similar (mesmo em aparência) com a tira contratada para publicação dentro dos EUA ou fora.
NOTA: Consegui tirar O Brasil da jogada.
O Sindicato terá preferencia sobre qualquer proposta que o cartunista receber para fazer outros trabalhos sindicalizáveis. O Sindicato terá 90 dias para se definir. Por um período de dois anos após a expiração do contrato. O Sindicato permanecerá com esta preferência.
NOTA: Consegui passar o prazo de 90 para 30 dias e se acrescentou: O cartunista não tem obrigação de aceitar uma proposta feita pelo sindicato.
3. DIREITOS CONCEDIDOS AO SINDICATO.
a) O Sindicato terá todos os direitos autorais, propriedade e direito de exploração do material (incluindo, sem limitações, os desenhos, continuidades, ideias, formato, temas, personagens e caracterizações). Tem também o direito exclusivo de copiar, imprimir, reinprimir (imprimir de novo, desculpem!) publicar (como agente ou principal) produzir, reproduzir, exibir (cinema, TV, teatro) este material em qualquer que sejam as formas ou os meios.
Mais: pode transformá-lo de uma forma para várias outras. Pode traduzi-lo para outras línguas. Dramatizá-lo. Transmitir por rádio, gravação, TV ou por qualquer outro meio e método de transmitir ou entregar ideias, sons, palavras imagens ou desenhos. Pode apontar um agente ou agentes para explorar um ou mais dos direitos concedidos. O cartunista deverá preparar todo o material que o Sindicato achar necessário para a execução disto tudo aí.
NOTA: O Sindicato esqueceu de uma coisinha só, mas eu não esqueci não, e taquei lá: estes direitos só serão exercidos com a aprovação do cartunista, que terá direito de veto.
b) O Sindicato atuará como exclusivo representante do cartunista nas "aparições" pessoais ou serviços pessoais, tais como entrevistas em rádio, TV e jornais, "aparições" em anúncios ou produtos etc.
Estas apresentações dependerão da aprovação do cartunista que não deverá se recusar irracionalmente ou arbitrariamente. Todo convite que o cartunista receber deverá ser comunicado ao Sindicato.
NOTA: taquei lá: tudo isto só se aplicará se se tratar de aparições referentes à tirinha Mad Monks.
c) USO DO NOME
O cartunista concede ao Sindicato ou seus apontados,agentes, sucessores, o direito de usar seu nome, foto e biografia pára promoção, comércio e propaganda da tirinha. Autorização do cartunista será pedida e esta não deverá ser negada arbitrariamente.
4. FALHA NA ENTREGA
a) Se o Sindicato achar que um desenho não estã apropriado para publicação este será devolvido para o desenhista que deverá revisá-lo e reapresentá-lo.
Em caso de inabilidade (devido a incapacidade, morte etc.) ou de falha do cartunista em submeter um trabalho apropriado para publicação, o Sindicato terá o direito de contratar outros para a preparação da tira. O Sindicato descontará da renda do cartunista todas as despesas feitas com o artista substituto.
NOTA: consegui colocar lá que o substituto teria que ser aprovado pelo cartunista. Não é nada, mas dá pra ficar desaprovando substitutos por anos...
b) O cartunista garante que o material submetido, desde o nome,diálogo, desenho etc., é novo e original. Garantirá ainda que seu trabalho não conterá libelos ou material contra leis.
Em caso de processo movido por pessoas prejudicadas, as despesas serão divididas pela metade. O cartunista não participará das despesas se o processo decorrer do material MODIFICADO pelo Sindicato.
6. PAGAMENTO AO CARTUNISTA
O Sindicato pagará ao cartunista no vigésimo dia de cada mês, 50% da renda líquida das vendas (deduzidos os custos dos direitos autorais, gráfica e outras despesas necessárias para a difusão e distribuição).
7. PAGAMENTO AO SINDICATO
O cartunista pagará ao Sindicato 10%, toda vez que receber por "aparições” pessoais ou serviços relacionados com a historinha.
8. TEMPO DE DURAÇÃO
a) Este acordo tem a duração de 10 anos e poderá ser automaticamente renovado por mais 10 anos, se nos últimos 2 meses dos primeiros 10 anos a renda bruta for em média 2 mil dólares.
NOTA: consegui mudar para 5 + 7 anos.
b) Se a renda do cartunista, em qualquer mês for menos de 200 dólares por semana (800 por mês), o contrato poderá ser cancelado por qualquer das partes. Mas o Sindicato poderá continuar o contrato, desde que complete os 800 dólares mensais necessários para o funcionamento do acordo.
d) Terminado o contrato, todos os direitos comerciais e autorais sobre a tirinha serão devolvidos ao cartunista.
Para saber mais sobre Henfil, clique aqui.
Agradecimentos aos amigos Quim Thrussel, Gazy Andraus e Allan Holtz.
Um comentário:
Genial!!! Henfil foi, e ainda é um gênio do humor gráfico brasileiro! Sem dúvida, entrar no mercado estadunidense de quadrinhos foi a aventura mais louca de sua vida!!! É uma lástima que os gringos não conseguiram captar a sutileza de sua obra.
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