A matéria a seguir foi publicada na revista Coletânea, da Editora Vida Doméstica, nº 49 de outubro de 1955. Aborda o desenhista Joselito já no auge de sua carreira, quando prestava serviço a várias revistas brasileiras. Leiam!
ERA UMA VEZ UM MENINO QUE DESENHAVA...
A professora desenhou no quadro negro uma dália e disse para os meninos:
— Vamos ver qual de vocês desenha melhor esta flor...
— Eu também sei.
Esta afirmativa partira de um guri de sete anos que não era ainda aluno da escola e que ali e que ali estava em companhia da mãe, precisamente para se matricular.
— Sabes, mesmo? perguntou a professora, admirada.
— Sei, sim senhora.
— Pois então vai desenhar a flor! e a professora, satisfeita com desembaraço do garoto, arranjou-lhe mesa, papel, lápis e borracha.
Se a professora estava admirada, ficou simplesmente estupefata quando viu o desenho acabado. A flor desenhada pelo menino era, de longe, muito mais perfeita que aquela feita a giz no quadro negro.
Não era primeiro desenho, mas foi o primeiro elogio que Joselito recebeu na sua vida de artista do lápis e do pincel.
Joselito de Oliveira Matos é hoje um desenhista consagrado. É apenas e somente o Joselito, aquele que, num simples traço, põe um boneco a rir ou a chorar, que dá às suas figuras a impressionante ilusão de se mexerem, de voarem, de saltarem do papel, tal a magia desses riscos negros ou coloridos, saídos mais da alma do que da pena ou pincel do artista.
Nesse tempo de garotinho, na longínqua Alagoinhas, do estado da Bahia, Joselito desenhou a dália e aprendeu depois a ler, escrever e contar. Terminou mesmo o seu curso primário, mas, filho de mãe pobre, pobrezinho como só ele, qual seria o futuro de Joselito? A rua, a bola, um empregozinho local e nada mais.
Na sua ingenuidade de criança, aos doze anos de idade e no quarto ano primário, certa vez correu a dizer à mãe:
— Mamãe, já tenho um bom emprego! E mostrava, contente, um talão do jogo do bicho.
A mãe explicou-lhe o que tinha de mau o vício do jogo, que aquilo não era emprego mas coisa muito feia, e o menino ficou novamente “desempregado”.
Mas existem "estrelas brancas" que brilham sobre a cabeça dos meninos, pequeninos ou grandes, e Joselito sentiu os seus influxos benfazejos na pessoa do Prof. Camargo, a quem não tinha passado despercebida a viveza do rapazinho.
Arranjou-lhe matrícula gratuita na Escola Normal de Alagoinhas, e Joselito de lá saiu professor, aos dezoito anos feitos. Não foi ensinar porque não tinha a quem. Empregou-se com o ordenado de cem mil réis mensais, mas o patrão começou a reparar que Joselito, estivesse onde estivesse, rabiscava papéis. Espiou, espiou, e um belo dia fez o flagrante. Os rabiscos eram desenhos!
Como o homem queria um empregado de balcão e não um desenhista, pos o rapaz na rua.
E agora? Bem dizia o padrinho de Joselito: “Este maluco vive a desenhar, como se alguém pudesse ganhar a vida com lápis e papel!”
Em Alagoinhas, talvez o padrinho tivesse razão, e Joselito, meteu na mala velha a pouca roupa que possuía, rumou para a capital do estado. Chegou a Salvador com 19 anos. Muita esperança, muita persistência, mas nenhum emprego.
Mas a Joselito, aquela estrela a que nos referimos nunca falhou. Ele próprio não esconde que em toda a sua vida a sente sempre, iluminando-lhe os íngremes caminhos da existência. Não conhece recuos em sua carreira. As coisas mais inacreditáveis, os acasos mais incríveis, ajudam-no sempre a galgar o degrau seguinte da escada do triunfo.
Em Salvador, Joselitto conheceu o Sr. Lauro Farâni de Freitas, diretor geral da Viação Leste Brasileiro. Fez-lhe o retrato de cor e surpreendeu-o quando lho ofereceu. Estava uma obra impressionante.
Como resultado prático Joselito conseguiu na Estrada um lugar como desenhista técnico. Emprego modesto que simplesmente chegava para manter-lhe os sonhos e esperanças em coisa melhor.
Vivia em pensão na cidade alta; o emprego era na cidade baixa. A pensão era tão modesta, que a chuva gotejava no quarto e Joselito passava a noite puxando a cama de cá para lá, de lá para cá... Mesmo assim — com cama e comida a preço baixo — pagando a hospedaria e retirando os cinquuenta cruzeiros que mandava à mãe, sobrava apenas dinheiro para subir no elevador Lacerda; a descida, manhã cedinho, tinha de ser mesmo a pé.
Essa vida apertada não duraria muito tempo. Juntamente com os desenhos técnicos, Joselito ia ilustrando os artigos do conhecido escritor Zoroastro Figueiredo, colaborador da revista Vida Doméstica, na Capital Federal. O escritor e amigo, impressionado com a habilidade incomum do jovem desenhista, trouxe, numa visita ao Rio de Janeiro, vários desenhos de Joselito que muito agradaram a Antônio Haddad, diretor daquela revista, que prometeu não esquecer do artista baiano, pedindo, ao mesmo tempo informações sôbre os seus conhecimentos em trabalhos a guache.
Joselito recebeu o recado e ficou embaraçado. Que era o tal de guache? Informando-se, teve de responder que ia tentar fazer...
Mesmo com esta resposta vaga, Antônio Haddad resolveu experimentar o jovem desenhista, prontificando-se a ajudá-lo nas despesas de viagem de vinda e de volta, caso os ares cariocas não lhe fossem
propícios.
Não foi preciso, contudo, o espontâneo oferecimento. Joselito é dos raros artistas que, simultâneamente, é homem poupado. Tendo visto, de perto, a carantonha da pobreza, não a quer ver outra vez. Em Salvador, mesmo com as descidas forçadas pela Ladeira da Montanha — ou por isso mesmo — economizou o suficiente para viajar à sua custa.
Chegou ao Rio em abril de 46. No cais do porto esperava-o o diretor de Vida Doméstica, que, subindo a bordo, pôs-se a perguntar a todo o mundo por Joselito. Encontrou-o, finalmente. Meio acanhado, com um rosto redondo e corado de criança crescida, Joselito viu-se acarinhado, alojado e com um emprego permanente em Vida Doméstica. Encontrara ums sincero e duradouro amigo. A estrela brilhara mais uma vez.
Ficou ilustrando uma seção infantil no grande magazine, e foi nela que esteve quase aparecendo, pela primeira vez, o famoso Pituca, o macaquinho endiabrado, hoje enlevo de dezenas de milhares de crianças.
Quando a Sociedade Gráfica Vida Doméstica, em 1949, resolveu lançar a revista Vida Infantil, Joselito rejubilou-se. Era aquilo mesmo com que sempre sonhara; e nessa belíssima revista é, ainda hoje, o principal elemento.
Joselito, a seguir ao Pituca, lançou na Vida Infantil a famosa dupla Lourolino e Remendado. E sua fértil imaginação criou ainda para outras revistas os engraçados Budika, Zulu, Salomão, Xixico, Kanduca, Junga e Birunga.
Desenha e escreve o texto dessas histórias em quadrinhos, das mais perfeitas e sadias do gênero. Desenha de forma vertiginosa, quase não utilizando a borracha. A mão firme, em traços rápidos, dá a todos os animais ou aves que desenha uma expressão de vida e um halo de poesia.
Pascoal Carlos Magno escreveu certa vez, que Joselito, se não fosse desenhista, seria poeta. Parece-nos que Joselito é desenhista e poeta ao mesmo tempo, porque é da sua alma sensível de poeta que vem o encanto e a ternura de seus desenhos, verdadeiras lições de arte, como afirmou Brício de Abreu.
Não ficou, todavia, confinado à Vida Doméstica o artista baiano, irmão, pelo espírito, de seu conterrâneo Dorival Caími — artistas que são artistas porque nasceram artistas, com a ajuda de Deus e sem lições dos homens.
A estrela, brilhando sempre no alto dos céus, já tinha resolvido levar Joselito a outras atividades artísticas.
Vejamos como essa espécie de fada preparou as coisas.
Joselito vai à atriz Alma Flora um artigo de Zoroastro Figueiredo, por ele ilustrado. Encontra no camarim da artista o fotógrafa Halfed, que procurava, precisamente, um desenhista para o Teatro Recreio. No Teatro Recreio, Joselito encontra Mara Rúbia que o leva a César Ladeira, empenhado nesse tempo em “Café Concerto”, com Renata Fronzi, e que precisava de um decorador original. E assim, com matemática precisão, Joselito começa a desenhar cenários, a criar figurinos, a fazer decorações, lançando-se num meio de múltiplas possibilidades para seu talento.
Houve, contudo, uma dificuldade: Joselito, nos primeiros tempos, não se avistava tom Valter Pinto. Entregava os seus trabalhos e retirava-se. Sentia um medo horrível do empresário. Não queria vê-lo. Para ele, Valter Pinto, o animador daqueles formidáveis espetáculos cênicos, tinha de ser um homem fantasmagórico, com qualquer coisa de mágico mefistofélico.
Quando se encontraram, por fim, o grande animador de figuras vivas e o grande animador de figuras desenhadas, fizeram-se logo amigos indispensáveis. Toda aquela sinfonia de cores e figurinos revolucionários que passam como risonho turbilhão em Eu quero é me Badalar” são de autoria de Joselito. Até os exóticos trajos confeccionados em Paris nasceram da sua inspiração. Joselito é hoje o figurinista exclusivo de Valter Pinto. O super empresário não quer outro.
E do antigo garotinho que desenhou a dália perante os olhos espantados da professora primária na longínqua Alagoinhas foram também, nalgumas temporadas, as decorações de Casablanca, do Teatro Jardel, do Teatro Follies, de Monte Carlo, dos cenários das produções de Carlos Machado, de dezenas de residências particulares, estúdios e consultórios infantis, além das dezenas de desenhos, duas vêzes por mês, da sempre amada Vida Infantil, de tantos outros na revista Sesinho, das capas dos longplaying Musidisc, de livros de grandes autores infantis como Vicente Guimarães e Jocélia Buricá, ou ainda inúmeros outros para a John Jaffet Propaganda.
Sempre modesto, sem qualquer espécie de vaidade, ingênuo e simples como os seus bonecos, bom amigo e bom camarada, Joselito vive feliz a sua vida de artista. É um criador de fantasias, o mais belo dos reinos. É um desses homens que embelezam a vida, com seus quadros bucólicos, suas figurinhas gentis, seus bichos, borboletas e flores.
Se a vida lhe tem sorrido, ele tem sorrido para a vida. Nunca vimos Joselito triste. E por que havia de ser triste Joselito? Sente o inesgotável da sua imaginação, a firmeza de suas mãos, o frescor de seu espírito; sente o carinho de sua mãe, que vem, seis meses por ano, de Alagoinhas, passar com ele no Rio; sente o aconchego da sua casa, bem merecidamente sua; sente amizades e admirações sem conta à sua volta.
Alma jubilosa de criança grande, Joselito faz da sua alegria um hino de louvor a Deus e aos homens.
Que seja sempre assim, Joselito, o grande artista baiano, o grande artista brasileiro.
Para ler uma entrevista com Joselito clique aqui.
Agradecimentos ao amigo Ranieri Andrade.
ERA UMA VEZ UM MENINO QUE DESENHAVA...
Luís Celso Machado
A professora desenhou no quadro negro uma dália e disse para os meninos:
— Vamos ver qual de vocês desenha melhor esta flor...
— Eu também sei.
Esta afirmativa partira de um guri de sete anos que não era ainda aluno da escola e que ali e que ali estava em companhia da mãe, precisamente para se matricular.
— Sabes, mesmo? perguntou a professora, admirada.
— Sei, sim senhora.
— Pois então vai desenhar a flor! e a professora, satisfeita com desembaraço do garoto, arranjou-lhe mesa, papel, lápis e borracha.
Se a professora estava admirada, ficou simplesmente estupefata quando viu o desenho acabado. A flor desenhada pelo menino era, de longe, muito mais perfeita que aquela feita a giz no quadro negro.
Não era primeiro desenho, mas foi o primeiro elogio que Joselito recebeu na sua vida de artista do lápis e do pincel.
Joselito de Oliveira Matos é hoje um desenhista consagrado. É apenas e somente o Joselito, aquele que, num simples traço, põe um boneco a rir ou a chorar, que dá às suas figuras a impressionante ilusão de se mexerem, de voarem, de saltarem do papel, tal a magia desses riscos negros ou coloridos, saídos mais da alma do que da pena ou pincel do artista.
Nesse tempo de garotinho, na longínqua Alagoinhas, do estado da Bahia, Joselito desenhou a dália e aprendeu depois a ler, escrever e contar. Terminou mesmo o seu curso primário, mas, filho de mãe pobre, pobrezinho como só ele, qual seria o futuro de Joselito? A rua, a bola, um empregozinho local e nada mais.
Na sua ingenuidade de criança, aos doze anos de idade e no quarto ano primário, certa vez correu a dizer à mãe:
— Mamãe, já tenho um bom emprego! E mostrava, contente, um talão do jogo do bicho.
A mãe explicou-lhe o que tinha de mau o vício do jogo, que aquilo não era emprego mas coisa muito feia, e o menino ficou novamente “desempregado”.
Mas existem "estrelas brancas" que brilham sobre a cabeça dos meninos, pequeninos ou grandes, e Joselito sentiu os seus influxos benfazejos na pessoa do Prof. Camargo, a quem não tinha passado despercebida a viveza do rapazinho.
Arranjou-lhe matrícula gratuita na Escola Normal de Alagoinhas, e Joselito de lá saiu professor, aos dezoito anos feitos. Não foi ensinar porque não tinha a quem. Empregou-se com o ordenado de cem mil réis mensais, mas o patrão começou a reparar que Joselito, estivesse onde estivesse, rabiscava papéis. Espiou, espiou, e um belo dia fez o flagrante. Os rabiscos eram desenhos!
Como o homem queria um empregado de balcão e não um desenhista, pos o rapaz na rua.
E agora? Bem dizia o padrinho de Joselito: “Este maluco vive a desenhar, como se alguém pudesse ganhar a vida com lápis e papel!”
Em Alagoinhas, talvez o padrinho tivesse razão, e Joselito, meteu na mala velha a pouca roupa que possuía, rumou para a capital do estado. Chegou a Salvador com 19 anos. Muita esperança, muita persistência, mas nenhum emprego.
Mas a Joselito, aquela estrela a que nos referimos nunca falhou. Ele próprio não esconde que em toda a sua vida a sente sempre, iluminando-lhe os íngremes caminhos da existência. Não conhece recuos em sua carreira. As coisas mais inacreditáveis, os acasos mais incríveis, ajudam-no sempre a galgar o degrau seguinte da escada do triunfo.
Em Salvador, Joselitto conheceu o Sr. Lauro Farâni de Freitas, diretor geral da Viação Leste Brasileiro. Fez-lhe o retrato de cor e surpreendeu-o quando lho ofereceu. Estava uma obra impressionante.
Como resultado prático Joselito conseguiu na Estrada um lugar como desenhista técnico. Emprego modesto que simplesmente chegava para manter-lhe os sonhos e esperanças em coisa melhor.
Vivia em pensão na cidade alta; o emprego era na cidade baixa. A pensão era tão modesta, que a chuva gotejava no quarto e Joselito passava a noite puxando a cama de cá para lá, de lá para cá... Mesmo assim — com cama e comida a preço baixo — pagando a hospedaria e retirando os cinquuenta cruzeiros que mandava à mãe, sobrava apenas dinheiro para subir no elevador Lacerda; a descida, manhã cedinho, tinha de ser mesmo a pé.
Essa vida apertada não duraria muito tempo. Juntamente com os desenhos técnicos, Joselito ia ilustrando os artigos do conhecido escritor Zoroastro Figueiredo, colaborador da revista Vida Doméstica, na Capital Federal. O escritor e amigo, impressionado com a habilidade incomum do jovem desenhista, trouxe, numa visita ao Rio de Janeiro, vários desenhos de Joselito que muito agradaram a Antônio Haddad, diretor daquela revista, que prometeu não esquecer do artista baiano, pedindo, ao mesmo tempo informações sôbre os seus conhecimentos em trabalhos a guache.
Joselito recebeu o recado e ficou embaraçado. Que era o tal de guache? Informando-se, teve de responder que ia tentar fazer...
Mesmo com esta resposta vaga, Antônio Haddad resolveu experimentar o jovem desenhista, prontificando-se a ajudá-lo nas despesas de viagem de vinda e de volta, caso os ares cariocas não lhe fossem
propícios.
Não foi preciso, contudo, o espontâneo oferecimento. Joselito é dos raros artistas que, simultâneamente, é homem poupado. Tendo visto, de perto, a carantonha da pobreza, não a quer ver outra vez. Em Salvador, mesmo com as descidas forçadas pela Ladeira da Montanha — ou por isso mesmo — economizou o suficiente para viajar à sua custa.
Chegou ao Rio em abril de 46. No cais do porto esperava-o o diretor de Vida Doméstica, que, subindo a bordo, pôs-se a perguntar a todo o mundo por Joselito. Encontrou-o, finalmente. Meio acanhado, com um rosto redondo e corado de criança crescida, Joselito viu-se acarinhado, alojado e com um emprego permanente em Vida Doméstica. Encontrara ums sincero e duradouro amigo. A estrela brilhara mais uma vez.
Ficou ilustrando uma seção infantil no grande magazine, e foi nela que esteve quase aparecendo, pela primeira vez, o famoso Pituca, o macaquinho endiabrado, hoje enlevo de dezenas de milhares de crianças.
Quando a Sociedade Gráfica Vida Doméstica, em 1949, resolveu lançar a revista Vida Infantil, Joselito rejubilou-se. Era aquilo mesmo com que sempre sonhara; e nessa belíssima revista é, ainda hoje, o principal elemento.
Joselito, a seguir ao Pituca, lançou na Vida Infantil a famosa dupla Lourolino e Remendado. E sua fértil imaginação criou ainda para outras revistas os engraçados Budika, Zulu, Salomão, Xixico, Kanduca, Junga e Birunga.
Desenha e escreve o texto dessas histórias em quadrinhos, das mais perfeitas e sadias do gênero. Desenha de forma vertiginosa, quase não utilizando a borracha. A mão firme, em traços rápidos, dá a todos os animais ou aves que desenha uma expressão de vida e um halo de poesia.
Pascoal Carlos Magno escreveu certa vez, que Joselito, se não fosse desenhista, seria poeta. Parece-nos que Joselito é desenhista e poeta ao mesmo tempo, porque é da sua alma sensível de poeta que vem o encanto e a ternura de seus desenhos, verdadeiras lições de arte, como afirmou Brício de Abreu.
Não ficou, todavia, confinado à Vida Doméstica o artista baiano, irmão, pelo espírito, de seu conterrâneo Dorival Caími — artistas que são artistas porque nasceram artistas, com a ajuda de Deus e sem lições dos homens.
A estrela, brilhando sempre no alto dos céus, já tinha resolvido levar Joselito a outras atividades artísticas.
Vejamos como essa espécie de fada preparou as coisas.
Joselito vai à atriz Alma Flora um artigo de Zoroastro Figueiredo, por ele ilustrado. Encontra no camarim da artista o fotógrafa Halfed, que procurava, precisamente, um desenhista para o Teatro Recreio. No Teatro Recreio, Joselito encontra Mara Rúbia que o leva a César Ladeira, empenhado nesse tempo em “Café Concerto”, com Renata Fronzi, e que precisava de um decorador original. E assim, com matemática precisão, Joselito começa a desenhar cenários, a criar figurinos, a fazer decorações, lançando-se num meio de múltiplas possibilidades para seu talento.
Houve, contudo, uma dificuldade: Joselito, nos primeiros tempos, não se avistava tom Valter Pinto. Entregava os seus trabalhos e retirava-se. Sentia um medo horrível do empresário. Não queria vê-lo. Para ele, Valter Pinto, o animador daqueles formidáveis espetáculos cênicos, tinha de ser um homem fantasmagórico, com qualquer coisa de mágico mefistofélico.
Quando se encontraram, por fim, o grande animador de figuras vivas e o grande animador de figuras desenhadas, fizeram-se logo amigos indispensáveis. Toda aquela sinfonia de cores e figurinos revolucionários que passam como risonho turbilhão em Eu quero é me Badalar” são de autoria de Joselito. Até os exóticos trajos confeccionados em Paris nasceram da sua inspiração. Joselito é hoje o figurinista exclusivo de Valter Pinto. O super empresário não quer outro.
E do antigo garotinho que desenhou a dália perante os olhos espantados da professora primária na longínqua Alagoinhas foram também, nalgumas temporadas, as decorações de Casablanca, do Teatro Jardel, do Teatro Follies, de Monte Carlo, dos cenários das produções de Carlos Machado, de dezenas de residências particulares, estúdios e consultórios infantis, além das dezenas de desenhos, duas vêzes por mês, da sempre amada Vida Infantil, de tantos outros na revista Sesinho, das capas dos longplaying Musidisc, de livros de grandes autores infantis como Vicente Guimarães e Jocélia Buricá, ou ainda inúmeros outros para a John Jaffet Propaganda.
Sempre modesto, sem qualquer espécie de vaidade, ingênuo e simples como os seus bonecos, bom amigo e bom camarada, Joselito vive feliz a sua vida de artista. É um criador de fantasias, o mais belo dos reinos. É um desses homens que embelezam a vida, com seus quadros bucólicos, suas figurinhas gentis, seus bichos, borboletas e flores.
Se a vida lhe tem sorrido, ele tem sorrido para a vida. Nunca vimos Joselito triste. E por que havia de ser triste Joselito? Sente o inesgotável da sua imaginação, a firmeza de suas mãos, o frescor de seu espírito; sente o carinho de sua mãe, que vem, seis meses por ano, de Alagoinhas, passar com ele no Rio; sente o aconchego da sua casa, bem merecidamente sua; sente amizades e admirações sem conta à sua volta.
Alma jubilosa de criança grande, Joselito faz da sua alegria um hino de louvor a Deus e aos homens.
Que seja sempre assim, Joselito, o grande artista baiano, o grande artista brasileiro.
Para ler uma entrevista com Joselito clique aqui.
Agradecimentos ao amigo Ranieri Andrade.
3 comentários:
Obrigado meu amigo pela citação.
Seu trabalho é espetacular!
Prezado Luigi Rocco,
Conheci o TIRAS Memory há dias, ainda fiz poucas leituras, mas o que vi já é suficiente para parabenizá-lo pelo nível do blog e pela sua relevante intenção de dedicar-se "à recuperação histórica das tiras no Brasil".
Cheguei até você e ao seu blog na busca que venho fazendo com a intenção de resgatar a trajetória de Joselito Mattos e seu imenso talento, quase que inteiramente desconhecido, mesmo em meio aos numerosos admiradores das HQ e das "tiras".
Peço-lhe que, se possível, você me envie meios (ou contatos) que me façam chegar mais próximo a Joselito e sua tão rica produção.
Em 04.04.2023
Agradecimentos de
Fernando Meyer
ameyernascimento@gmail.com
Salve Fernando, uma pessoa que vem estudando o Joselito e inclusive já tem uma biografia dele pronta em uma editora para ser publicada é o Marco Massolini.
O blog dele é esse:
http://almanaquedomalu.blogspot.com/
abs
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