segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Joselito - Entrevista - 1972

Em fevereiro de 1972 o jornal O Poti, Natal - RN, em sua página Quadrinhos, a cargo do GRUPEQ (Grupo de Pesquisa em História em Quadrinhos) publicou uma entrevista com o quadrinhista Joselito. Leiam a seguir:

Joselito: "Quadrinho no Brasil nunca teve valor"

Debruçado sobre a mesa de trabalhos estava ele. Cabelos grisalhos, costeletas compridas e uma serenidade de gênio, rabiscava o papel preparando o layout de uma capa de disco. Pergunta: ''Joselito, porque você abandonou os quadrinhos?” Resposta: Por que não dava mais pra viver deles". A resposta curta e seca, dita sem nem sequer levantar os olhos, exprimia toda a decepção e angústia de um artista que há tempos atrás foi considerado como um dos maiores desenhistas de histórias em quadrinhos do Brasil: Joselito de Oliveira Matos, baiano, 47 anos, solteiro, criador de personagens conhecidíssimos e amados por toda a infância e juventude de uma década, como PITUCA, LOUROLINO, REMENDADO, ZULU e tantos outros, publicados pela revista Vida Infantil (da Sociedade Gráfica “Vida Doméstica”) e Sesinho (do Serviço Social da Indústria).
JOSELITO: QUADRINHOS NÃO DÁ.

QUEM É JOSELITO

De estatura mediana, muito calmo, voz macia, atitudes sofisticadas, Joselito é também possuidor de uma particularidade: pouco fala e raramente sorri. Isolado em seu luxuoso apartamento que também lhe serve de estúdio de Desenho e Fotografia, na Avenida Mem de Sá, no Rio de Janeiro, ele produz capas de discos para quase todas as companhias gravadoras do Brasil, tendo inclusive já ganho prêmios nos Estados Unidos e Inglaterra. Foi em seu apartamento que dois jovens do GRUPEHQ, Emanoel Amaral e Lindberg Revoredo, foram encontrá-lo e trazer para os leitores de O POTI e amantes das Histórias em Quadrinhos, suas declarações sobre esta arte, para que todos saibam o que ocorre com ela no Brasil.

COMEÇO DE CARREIRA
Joselito na Vida Infantil, 1947, à direita a estreia de Pituca.

GRUPEHQ: Como foi que você começou sua carreira de desenhista?

JOSELITO: Bem, não me lembro a idade em que comecei. Sei apenas que sempre gostei muito de desenhar. Minha carreira profissional começou, contudo, quando vim ao Rio à procura de emprego. Cheguei em 1946 e comecei a trabalhar na Sociedade Gráfica “Vida Doméstica” como desenhista. Em 1949 comecei a desenhar histórias em quadrinhos para a revista “Vida infantil” da mesma Editora.

GRUPEHQ: Quais os personagens que você criou nessa época?

JOSELITO: Pituca, Remendado, Lourolino e Zulu.
Pituca no Almanaque Vida Infantil, 1957.

GRUPEHQ: Quando você entrou para o Sesinho?

JOSELITO: Desde a sua fundação em 1948, e lá permaneci até o seu extermínio em 1961. No Sesinho eu desenhava Champanhota, Puga, Gigi e o Coelho... (Joselito coça a cabeça, ajeita os óculos, parece não se lembrar o nome de seu personagem. Depois de um instante de hesitação, continua). Ora! Ora! Sei lá o nome do raio do coelho!
Joselito no Sesinho, 1951.

GRUPEHQ: Você já fez algum curso de desenho?

JOSELITO: Sim. Fiz um curso rápido na Escola de Belas Artes, logo que cheguei ao Rio em 1946. Fiz seis meses de desenho e pintura.

GRUPEHQ: Quer dizer que você não chegou a terminar o curso? Por quê?

JOSELITO: O próprio professor me aconselhou a abandonar o curso, insinuando que o meu gênero era outro. O meu negócio era quadrinhos.

VENDO A REALIDADE

GRUPEHQ: Por que foi que você abandonou os quadrinhos?

JOSELITO: Porque não dava mais pra viver deles.

GRUPEHQ: Como assim?

JOSELITO: Quando eu fazia quadrinhos, trabalhava dez vezes mais do que agora e recebia dez vezes menos. Como veem, abandonei os quadrinhos por questões puramente financeiras.
Joselito nas capas da coleção Disquinho da gravadora Continental.

GRUPEHQ: Essa sua nova atividade criativa lhe traz grandes lucros?

JOSELITO: Ah, sim! Faço capas de discos para quase todas as companhias de discos do Brasil, como a ODEON, MUSIDISC, EQUIPE, TEPICAR, SIDNEY, CIA INDUSTRIAL DE DISCOS CONTINENTAL e outras. Isto me dá um tutu bem satisfatório.

GRUPEHQ: Você gostaria de voltar a desenhar histórias em quadrinhos?

JOSELITO: Não.

GRUPEHQ: Por quê?

JOSELITO: Porque, infelizmente, no Brasil quadrinho nunca teve o merecido valor. O desenhista que se dedicar a esse ramo quase sempre entra pelo cano, com raríssimas excessões, como é o caso de Mauricio de Sousa que, segundo me consta, foi o único a vencer até agora.
Joselito desenha os slides do projetor Cine Barlan.

GRUPEHQ: Mas você gosta de desenhar quadrinhos, não é mesmo?

JOSELITO: Sim. Eu gosto. Eu morro de rir com meus próprios desenhos. Quando começo a desenhar uma historieta, eu entro no mundo desta historieta e me transformo completamente. Se os personagens estiverem tristes eu também fico triste. Se eles estiverem alegres ou numa cena engraçada eu acho graça e vibro como se fosse um leitor de minha própria historieta. Esse também foi um dos motivos para eu ter parado de desenhar HQ. Se eu continuasse, teria que produzir bastante para ganhar mais e aí as historietas iriam sair malfeitas. Sempre fiz meus desenhos com muito cuidado e muitos detalhes. Nunca fui de matar um desenho, por isso abandonei os quadrinhos.

GRUPEHQ: Você participou do Movimento de 1964, que visava a criação de uma lei que protegesse os quadrinhos nacionais?

JOSELITO: Não. Veio uma turma aqui em casa me convidar para participar, mas eu não aceitei.

GRUPEHQ: Por quê?

JOSELITO: Olhe, eu gostei muito e admirei demais movimento deles. Mas, infelizmente o negócio é o seguinte: eu trabalho com capas de discos que me rendem muito bem. Toda hora tem serviço. Se eu paro um minuto pra fazer quadrinhos, deixo de ganhar muito e passo a ganhar pouco, entendeu?

GRUPEHQ: Suponhamos que você recebesse uma oferta para desenhar quadrinhos ganhando muito mais do que você ganha atualmente. Você aceitaria?

JOSELITO: Sim. Nesse caso aceitaria. Só que acho muito difícil isto acontecer.

SUAS PREFERÊNCIAS

GRUPEHQ: Fora o desenho, qual a outra atividade artística que mais admira?

JOSELITO: A Música.

GRUPEHQ: Que tipo de Música?

JOSELITO: Gosto muito de música romântica. Admiro Chico Buarque e Martinho da Vila.

GRUPEHQ: Gosta de ler?

JOSELITO: Não. Não tenho paciência pra enfiar a cara num livro e passar várias horas assim.

GRUPEHQ: Evidentemente, você deve gostar de ler histórias em quadrinhos, não é mesmo?

JOSELITO: Sim. Gosto muito de ler revistinhas. Gosto demais dos personagens de Walt Disney, do "Ferdinando" de Al Capp, do “Flash Gordon'' de Alex Raymond e do “Principe Valente”, de Harold Foster.

GRUPEHQ: Gosta de Cinema?

JOSELITO: Gosto demais. Tenho predileção. Aprecio qualquer filme bem feito, de qualquer gênero. Só não sou muito fã de cinema nacional.

"AO GRUPEHQ, SUCESSOS!”

GRUPEHO: Joselito, como nós já lhe explicamos, somos um grupo de jovens que luta pelos quadrinhos nacionais. Lá em Natal, publicamos no jornal O POTI, semanalmente, duas páginas de histórias em quadrinhos, críticas, comentários, reportagens e historietas. Publicamos também uma revistinha mensal (GIBI NOTÍCIAS), só sobre histórias em quadrinhos. Anualmente fazemos uma exposição de originais de historietas. A deste ano será em setembro. Para ela já conseguimos vários originais de desenhistas famosos como Flávio Colin, Gutemberg Monteiro, Henfil, Jaguar e outros. Gostaríamos também de receber um desenho seu. Será possivel?


JOSELITO: Claro! Só que eu não possuo nenhum original meu no momento, pois todos eles ficaram nas editoras em que trabalhei. Mas dá-se um jeito. (Joselito pega uma folha branca, um lápis e após alguns rabiscos rápidos surge da folha branca uma cena engraçada. Em questões de segundo passa o nanquim e oferece: “Ao GRUPEHQ desejando muito sucesso, Joselito”).

NOTA: Ao publicar este depoimento do grande criador em quadrinhos da década de 50, o GRUPEHQ acredita haver prestado um serviço aos quadrinhos nacionais: revelar concretamente a asfixia cultural em que se debatem os nossos desenhistas. Enquanto que nos Estados Unidos os autores de historietas quadrinizadas ganham salários altíssimos, pagos pelos sindicatos de produção; enquanto que na Europa existem editores especializados em quadrinhos, pagando muito bem aos desenhistas e roteiristas — no Brasil o gênero foi relegado à categoria de sub-arte, menosprezado, absorvido por uma estrutura cultural bacharelesca. Por isso mesmo que o GRUPEHQ existe: para criar consumo, para romper o falso tampão cultural que evitou se recompensasse como mereciam os autores de nosso quadrinho.

*Agradecimentos ao amigo João Antonio Buhrer pela imagem do slide Barlan e ao Marcos Massolini pela dica da entrevista.

4 comentários:

EdRod disse...

Excelente esta entrevista com Joselito. Sou fã dos seus desenhos na Vida Infantil, período que meu irmão Edmundo Rodrigues, também passou pela Editora Vida Doméstica, o mano na Vida Juvenil. Seus trabalhos infantis e coloridos eram lindos! Parabéns para equipe pelo trabalho! Brevemente, com a permissão de vocês, no meu No Mundo das HQ (NMHQ), fanzine digital que coloco no Facebook; vou utilizar esse material... sempre quis falar de Joselito, mas não encontrava nada sobre ele na internet! Um abração! Edno Rodrigues
P.S. Meu Email é: rodriguesedno@ig.com.br

Luigi Rocco disse...

Olá, Edno. Obrigado pela visita. abs

Pirajuí disse...

Fui grande admirador dos quadrinhos do Joselito na Vida Infantil. Finalmente consegui informações sobre ele.

Luigi Rocco disse...

Salve, Pirajui. A editora Noir pretende publicar um livro com a biografia completa do Joselito. Fique de olho! Abraço!