quinta-feira, 14 de maio de 2020

Os Bandeirantes - Diário do Povo - 1976

A série Os Bandeirantes foi criada por Moretti e Nicoletti (Ilha Bela, SP, 22 de agosto de 1948 - Cotia, SP, 28 de janeiro de 2022) em 1973 para o Suplemento Quadrinhos da Folha de S. Paulo. Com um desenho de ótima qualidade e histórias longas com roteiros formidáveis, era apresentada semanalmente em aventuras coloridas.

A série foi publicada no Suplemento até 1976, mas no final apresentava apenas histórias curtas ou gags de uma página.

Nesse mesmo ano, Os Bandeirantes ganharam tiras diárias no jornal Diário do Povo de Campinas. Eram histórias longas serializadas, apresentadas em preto e branco, com distribuição do informalmente chamado Clube do Gibi, um grupo artistas que se reuniam na antiga Livraria Gibi em São Paulo e que iniciaram uma pequena agência distribuidora de tiras para jornais do interior. Do grupo participavam vários autores como Moretti e Nicoletti (Os Bandeirantes / Estevão Piro), Franco e Seabra (Capitão Caatinga / Pilotonto), Novaes (As Coisas da Vida), Brenda Chilson (Boca de Esgoto), Paulo Paiva (Cia & Cia), Munhoz (Chico Peste) e Ricardo Dutra.

A agência conseguiu relativo sucesso, emplacando tiras em jornais como Diário do Povo (Campinas), Tribuna de Santos, Dia e Noite (São José do Rio Preto) e Viver Domingo.

Sobre Os Bandeirantes, a Folha de S. Paulo publicou, quando de sua estreia em dezembro de 1973, o seguinte texto:

"Uma nova história - Varenga é o novo personagem de histórias em quadrinhos que dois publicitários — Durvaly Nicoletti e Gastão Moretti criaram em outubro deste ano e que agora será publicada pela Folha de S. Paulo todos os domingos, a partir de amanhã.

Varenga pertence a um grupo de personagens chamados Bandeirantes e vive no século XVII em terra paulista. A escolha dessa época histórica foi por este motivo, segundo eles: 'São personagens 'virgens'. Nenhum desenhista tentou fazer qualquer coisa assim. A gente faz apologia do paulista, nós temos o Brasil às custas deles, eles que expandirem o país'.

Eles consideram seus personagens muito importantes entre as histórias em quadrinhos publicadas no Brasil: 'Estamos tentando tirar a influência do bang-bang americano. O brasileiro conhece um cheiene, um sioux mas não conhece um aimoré, um carijó etc.

Gastão fez estágio durante oito meses com o desenhista Mauricio, de quem diz que teve boa influência — e cita ainda Henfil entre os autores que o influenciaram.

Para Durvaly, suas principais influências foram Hanna-Barbera é Johny Hart".

Em 1974, quando a série completou um ano foi publicado o seguinte texto:
 
Os Bandeirantes no Suplemento Quadrinhos.

"Os Bandeirantes, um ano na FOLHA.

Há um ano, Gastão Fernando do Amaral Moretti e seu colega de Banco, Durvaly Odilon Nicoletti, não sabiam como colocar, num jornal, as histórias em quadrinhos que estavam há algum tempo criando em conjunto, Os Bandeirantes. E, apesar de conhecerem as dificuldades naturais que as historietas nacionais encontram, não permitiram que suas criações, a exemplo de tantas outras, morressem nas pranchas dos estúdios improvisados, por absoluta falta de apoio.

Apresentaram as histórias à FOLHA DE S. PAULO, que, encampando-as, deu a Moretti e a Nicoletti a oportunidade que precisavam. Agora, Os Bandeirantes estão comemorando seu primeiro ano seguido de publicação dominical no suplemento em quadrinhos da FOLHA. Amanhã, uma edição especial, totalmente dedicada aos personagens dos dois ex-bancários, vai homenagear as figuras tipicamente brasileiras de Moretti e Nicoletti.

Durante um ano, os dois produziram cerca de 500 páginas para o suplemento de quadrinhos, criando 4 histórias que desenvolveram segundo as variações que, nesse período, os personagens, sofreram. Os Bandeirantes nasceram como nasce a maioria das historietas; da certeza de que o que o quadrinho não é apenas um simples passatempo infantil, nem tampouco 'um delírio absurdo de adultos que, como se costuma dizer, ainda não sairam da infância ou da adolescência. É um meio de comunicação que hoje envolve os psicólogos em acalorados estudos sobre o fenômeno. O gibi de ontem, mero instrumento para leitura ligeira, transformou-se em matéria de análises e absorve, no Brasil, um grande número de jovens criadores que estão utilizando os balões e toda a onomatopéia característica das HQs como um dos mais eficientes meios de comunicação de massa.

Obcecados por Asterix, pelos personagens de Disney, pelas histórias do velho Oeste, pelo Pererê de Ziraldo e pelo humor sarcástico de Henfil, Nicoletti e Moretti foram buscar a base de Os Bandeirantes na História do Brasil.

'A saga das Bandeiras, que saiam dos centros em formação para o desbravamento dos sertões, nos fascinou. Decidimos então, depois de muitas pesquisas, utilizar os bandeirantes como centros de uma história que pretende, e tem conseguido, transferir para a nossa época, para a nossa realidade, o comportamento e as situações que aqueles viviam. Pudemos, assim, satirizar inclusive a sociedade atual', diz Moretti.

O personagem central de Os Bandeirantes é Varenga, uma espécie de criatura caricatural que impõe um fio de sarcasmo e de sátira às situações, embora a intenção dos dois autores seja de ressaltar, sempre que possível, a epopéia das Bandeiras e a coragem e o espírito de aventura dos desbravadores que as constituiam.

Nicoletti e Moretti acreditavam que o público brasileiro teria, diante de criaturas como Varenga, frei João, o índio Oiaba, o porta bandeira Eugênio e o puxa cavalo Jão, um contato com personagens que representam um conjunto de fatos e acontecimentos exclusivamente inspirados na História Nacional, e que, assim, poderiam servir como pontos de influência cultural a uma legião de leitores identificados, principalmente, com o quadrinho estrangeiro e todos os seus heróis.

Na primeira história de Os Bandeirantes eles apresentaram, então, essas criaturas ao leitor, um cenário brasileiro e situações que constituam todo um painel da saga do desbravamento. Inspirados nas pesquisas em torno do chamado “ciclo da mineração” vivido pelos bandeirantes, jogaram com o aventureiro e com o índio, com os colonizadores e com os religiosos.


Varenga
, descendente típico dos colonizadores portugueses - simboliza a aventura. Não é, como um bandeirante real, um obcecado pelo ouro, mas um líder nato, um rebelde quando o chamam de 'baixinho. Um ser humano normal, com seus defeitos e virtudes, bom apreciador de vinho. 'Ele reflete todos os bandeirantes, representa um século inteiro de bandeirantismo' — diz Moretti.

Borda é meio inspirado em Borba Gato. Um organizador: cuida do pessoal, encarrega-se dos pagamentos. Poliglota, é um tipo meio afrancesado, de longos bigodes, astuto, hábil na pontaria, era camelô antes de ingressar na Bandeira, uma profissão que se reflete no esmero com que subsitui Varenga no comando, quando é necessário'.

Frei João é o religioso que não podia faltar a uma história que teve a inspiração dos fatos reais de um período fartamente documentado. Sua missão é catequisar os indígenas, o que nem sempre consegue, primeiro, por ser meio imprevisível; segundo, porque às vezes é atrapalhado por Varenga e
Borda, que se miscuem na sua missão de salvar almas. 

Oiaba, índio carijó — na época eles andavam em paz com os paulistas — faz parte do grupo por diletantismo. Simplesmente gosta da Bandeira e a acompanha. Tem o espírito de aventura natural no indígena, é um mestre em atirar flechas e jamais despreza um gole do bom vinho de Borda. 

Há, ainda, o Eugênio, criado para atrair o público infantil. É um rapazola que se apegou aos bandeirantes. E o porta bandeira do grupo. Meio desastrado, coloca os amigos em perigo em algumas ocasiões, embora tenha sempre uma desculpa e a benevolência do perdão; 

Jão é um ex-soldado da colônia e se encarrega do transporte da carga. Um tipo tranquilo que vive muito melhor quando conversa com Eduardo, seu cavalo, do que com os bandeirantes.

Nicoletti e Moretti lançaram na FOLHA, há um ano, a primeira aventura desses personagens, intitulada “Guerra Ibitirâmica”, baseada na chamada ''Guerra Guaranítica”, conflito que envolveu os colonizadores portugueses e espanhois com os índios guaranis, em consequência de divergências na demarcação de terras. Hoje, os dois autores crêem que as criaturas já têm força suficiente, e a receptividade necessária, para que façam parte de uma revista mensal que pretendem lançar no próximo ano e onde entrarão, além de Varenga, frei João, Borda e os outros, personagens ainda inéditos como o escravo Canela, dois marcianos que criaram e que são semi-inéditos; e Pilotonto, um oficial de Força Aérea não identificada, caricato, que pretende simbolizar o universo de oficiais e soldados dentro de uma base.
Há, inclusive, em gestação, uma série espacial com desenho anatômico, que também deverá ser publicada no suplemento de quadrinhos da FOLHA, no início de 75.

Nicoletti e Moretti acabaram, em função dos resultados de Os Bandeirantes, deixando a profissão de bancários para se dedicarem exclusivamente à produção dos desenhos que já são também, utilizados em alguns outros jornais diários. Acham que essa foi a maneira mais correta de poderem valorizar sua criação e impô-la num mercado ainda dominado pelos personagens importados.

'É preciso levar a criação de quadrinhos a sério, deixar de ver a historieta apenas como um hobby. Tentamos isso e estamos conseguindo resultados que chegam, apesar das dificuldades, a compensar o abandono de uma profissão de muitos anos para uma dedicação exclusiva aos Bandeirantes. Antes de qualquer decisão, ouvimos muitos desenhistas mais esperientes e de renome, como Mauricio de Sousa, Zélio, Perotti e Jayme Cortez, que acreditaram também no sucesso dos nossos personagens e nos apoiaram'".

Ao nosso blog Moretti declarou:

"Quero acrescentar que a ideia original da Moretti & Nicoletti era produzir tiras diárias dos Bandeirantes (tiras fechadas). Em 1973, fizemos meia dúzia e levamos à Folha de São Paulo cujo editor era Rui Lopes. Ele gostou do projeto e nos pediu histórias de oito páginas coloridas para o suplemento dominical Quadrinhos que pretendia lançar em dezembro. Rapidamente produzimos as páginas em preto e branco e usamos lápis de cor sobre folhas de papel manteiga com indicação de números das cores da tabela da fotomecânica da Folha. Os Bandeirantes estrearam com Guerra dos Ibitiramas (imagem abaixo) em 16 de dezembro de 1973.

As tiras diárias perderam-se no túnel do tempo. As publicadas no Diário do Povo eram páginas de O Tesouro de São Vicente remontadas em tiras sequenciais e distribuídas pela Agência do Clube do Gibi que você citou".


2 comentários:

Adauto Minoru disse...

https://www.4shared.com/rar/pVUAWIudba/Os_bandeirantes-_Moretti-_Nico.html

Luigi Rocco disse...

Obrigado pelo link, Adauto.