sábado, 1 de julho de 2017

Adolfo Aizen - Entrevista - 1972

Esta é a entrevista com Adolfo Aizen publicada n'O Pasquim em março de 1972.

AS AVENTURAS DE ADOLFO AIZEN

Qual a idade das Histórias em Quadrinhos? Os mais eruditos acham que tem 31.972 anos (foi mais ou ­menos nessa época que os paleolíticos rabiscaram uns troços na gruta de Pech-Merle), mas o certo mesmo é 77, porque só em 1895 surgiu a primeira história em quadrinhos com as características básicas do gênero: Yellow Kid (O Garoto Amarelo), de Outcault. Ah! - dirão vocês - O PASQUIM está comemorando os 77 anos dos quadrinhos. Nada disso. O nosso bolo marca 38 anos.

Ah! - dizemos nós - a nossa festa é pra comemorar os 38 anos das histórias em quadrinhos no Brasil. Foi em 1934 que um baiano de Juazeiro, chamado Adolfo Aizen, lançou o Suplemento Juvenil. Aizen está hoje com 64 anos e ainda acredita que o Super-Homem existe (o que não é vantagem, porque nós - com a idade variável entre 25 e 40 anos - também acreditamos que Robin se chama, na realidade, Maria Montez.

Além de Adolfo Aizen e comensais menos expressivos; como Mandrake, Flash Gordon, Fantasma, Espírito (foi impossível evitar os penetras), nossa festa tem outro convidado de honra: André Le Blanc, um dos maiores desenhistas de quadrinhos do Brasil e do mundo - e, claro, o melhor do Haiti -, que muito fez, e vai continuar fazendo, por essa glória da cultura ocidental que é o gibi.

A esta altura, vocês estão curiosos pra saber por que estamos comemorando uma data fora de época (por que não esperar os 40 anos?, por que uma semana de atraso se o primeiro número do Suplemento Juvenil saiu no dia 14 de março e hoje já é 21?). Coincidência: nós também não sabemos. 

Sérgio Augusto - Há 38 anos, você lançou o Suplemento Juvenil no jornal A Nação. Como é que surgiu a idéia de fazer o Suplemento?

ADOLFO AIZEN - Eu trabalhava, nessa época no jornal A Ordem, do Mattos Pimenta, onde comecei como repórter e depois passei a secretário, e ainda como redator d'O Malho e Tico Tico. Já no Tico Tico eu achava que as histórias que eles publicavam eram muito infantis e que havia um público juvenil a ser aproveitado. (1)

Ziraldo - Já havia então histórias em quadrinhos no Brasil antes de 1934 ou era só no no Tico Tico?

AIZEN - Não. Havia histórias para crianças. Havia o Juquinha. Houve uma tentativa do Cômico Infantil, que não foi pra frente. Os desenhistas da época, como Max Yantok, Storni e outros, faziam histórias infantis. Mas faltavam as histórias de aventuras para o público juvenil. Nem mesmo nos EUA havia histórias de aven­turas. Quando eu fui a Nova York, em 1933, a época áurea dos quadrinhos estava começando.

Ziraldo - Você foi pros EUA por causa disso ou por outras razões?

AlZEN - Eu fazia parte do Comitê de Imprensa do Touring Club do Brasil e o Touring a me arranjou uma excursão aos EUA. Chegando lá eu encontrei o Flash Gordon em grande parada e aí me ocorreu publicar suas histórias no Brasil. Eu visitei a redação do Daily News e outros jornais do grupo Hearst e voltei com a ideia dos quadrinhos na cabeça. Chegando aqui procurei o Luís Peixoto, pra que ele me levasse ao João Alberto, que era dono do jornal A Nação, e o João Alberto me deu  plena liberdade pra eu fazer o que quisesse. Aí então eu tive a ideia de fazer os suplementos semanais. Um deles era o Suplemento lnfantil, que passou depois a Juvenil.

Ziraldo - E como é que foi feita a importação das histórias?

AIZEN - Havia aqui um representante da King Features, (2), o Arroxelas Galvão, que ti­nha todas aquelas histórias jogadas no escritório e ninguém queria publicá-las. Quando eu o procurei, ele me deu todo o estoque que tinha ­- mais de três anos de histórias de Flash Gordon, Mandrake - todas de graça, contanto que, dali em diante, eu pagasse a ele 20 mil réis por página.

Jaguar - Quando você esteve nos EUA conheceu pessoalmente o Alex Raymond? (3) 

AlZEN - Conheci ele ali na redação, traba­lhando com todo aquele grupo que fazia o serviço. Os outros desenhistas, né?

Sérgio Augusto - O Suplemento, como suplemento do jornal A Nação, teve 15 números. Depois, ele passou a sair independentemente, em tamanho maior e a cores. Essa jogada sua, pessoal, contribuiu como semente da EBAL?

AlZEN - O Suplemento, como suplemento de A Nação, durou esses 15 números e vendia mais que o próprio jornal. O jornal era comprado nas bancas, colocado de lado e o Suplemento era Ievado pra casa. Quando me separei do jornal, levei comigo todos os suplementos: o Infantil, o Policial e o de Humor, que era, na época, um concorrente do PASQUIM de hoje. Tínhamos grandes humoristas como o Théo e o Nássara. Saí com os suplementos e formei uma empresa comercial com o nome de Consórcio Suplementos Nacionais.


Chico Forófia por Théo.

Ziraldo - E o João Alberto continuou também na jogada, não?

AIZEN - O João Alberto veio comigo. Ele e mais uns três amigos. O João Alberto foi sempre muito compreensivo, e via que o Maciel Filho, que era diretor d'A Nação queria o Suplemento. Mas ele criou amor pelo Suplemento e muita mais por mim, por isso, ele ficou comigo.

Ziraldo - E aí a venda do jornal caiu? 

AIZEN - A Nação fechou algum tempo depois e o Supemento Juvenil continuou mundo afora. Mas ainda sobre o João Alberto eu queria dizer mais coisas. Ele era sobretudo um homem de negócios que sabia ser diplomata. Foi o primeiro embaixador do Brasil no Canadá. Era um homem muito grande. Ele fez uma missão que ficou famosa e também fundou uma cidade no interior do Brasil, Aragarças. Ele quis entrar pelo Brasil adentro, depois pacificou índios. Foi um bandeirante fora do tempo.

Jaguar - E aí então você ficou só com os três suplementos ou mais algum?

AlZEN - Não, cinco suplementos: um por dia. Mas as coisas não estavam boas pros outros suplementos. O único que estava bem - bem mesmo - era o Juvenil, que já era Juvenil naquele tempo.

Ziraldo - E qual era a tiragem? 

AIZEN - 70 mil, a 200 réis.

Ziraldo - Quantos anos durou o Suplemento Juvenil?

AlZEN - 10 anos. 

Fortuna - Ele revelou logo desenhistas brasileiros ou começou só usando estrangeiro? 

AlZEN - Eu fiz um concurso pra desenhistas brasileiros e apareceram muitos, e entre eles, foi escolhido o Fernando Dias da Silva, que hoje está nos EUA. Eu mandei buscar ele no Maranhão. Mandei passagem e tudo. Ele trouxe a mãe dele, móveis, tudo. O prêmio do concurso era de 500 mil réis. Nesse concurso também se revelou o cunhado dele, e ainda o Celso Barroso e o Antonio Eusébio.




Ziraldo - E o Sálvio (Correia Lima de Negreiros)?

AIZEN - É, o Sálvio. Ele fazia história de aventuras. Mas eu procurava fazer mais. Sempre fui contra a criação de personagens brasileiros, quer dizer, de aventuras. Eu achava, e ainda acho, que o desenhista brasileiro deve desenhar coisas brasileiras. Por isso que eu publico aqui as grandes figuras do Brasil, os fatos históricos do Brasil e os romances brasileiros. Eu acho que nossos meninos devem fazer coisas nossas e deixar que essas coisas de Tarzã, Flash Gordon, sejam feitas no estrangeiro.




Ziraldo - E o herói mascarado brasileiro, ninguém acredita muito nele, né?

AIZEN - Não creio, não creio.

Jaguar - Já imaginou o Fantasma morando em Nova Iguaçu?

Sérgio Augusto - E usando uma fantasia impermeável e sanforizada comprada na Casa Tavares! Num dá...

AlZEN - Vejam vocês: já naquela época, eu fazia sempre temas brasileiros pra mostrar a capacidade do desenhista brasileiro. Se eu faço hoje um concurso dando como tema livre, qualquer coisa, eles me fazem só histórias de faroeste! Então, as histórias de faroeste são cópias uma das outras. Agora mesmo eu falava aqui com o Sérgio Augusto sobre um concurso que nós fizemos a propósito da Independência do Brasil. Oferecemos um prêmio de 5 mill cruzeiros pro primeiro coIocado. O tema, claro, é a lndependência do Brasil. Ele pode fantasiar a história como quiser, mas eu faço questão que ele se atenha à Independência, àquela época, aos seus costumes. 

Ziraldo - Agora, em que data você fez aquele famoso concurso sobre o tema da Retirada da Laguna, em que apareceram aqueles meninos todos: o Antonio Eusébio, o Fernando? Con­vém informar aos leitores que eu conheci Fer­nando, Sálvio e Celso, junto com Monteiro Fi­lho - que são os quatro maiores ilustradores que já apareceram depois na publicidade brasi­leira. Tirando Monteiro, todos ficaram na publicidade, né? Sálvio parece que ficou em São Paulo e não está mais mexendo com isso. Mas Celso e Fernando estão nos EUA, sendo que do Fernando eu recebi um folheto uns anos atrás chamando ele de The Golden Brush, "O Pincel de Ouro", hoje ele é um dos grandes ilustradores dos EUA. Mas, Aizen, em que ano eles começaram?




AIZEN - Eu acredito que o concurso tenha sido em 1940 porque foi na época da guerra, logo no primeiro ano. Tanto que o Sálvio e o cunhado dele só conseguiram chegar ao Rio vindo pelo interior em cima de caminhões.

Ziraldo - E aquela história dos meninos do Pedro II?

AIZEN - Ah! eu quando fiz o Suplemento Juvenil, independente, eu percebi um movimen­to. Aí veio aquela meninada do Pedro II se ofe­recendo pra trabalhar comigo, assim, voluntariamente. E desses meninos todos sobressaiu o Renato De Biasi. E vários outros que hoje são engenheiros e médicos, né? Me lembro do Edson Garcia, que é médico, e do Rosólio de Azevedo, que é engenheiro.

Ziraldo - E teve ainda o (Francisco) Acquarone, que de­pois ficou famoso no rádio. O Hélio Soveral, também. E o Pedro Anísio aqui presente.


O Guarany por Francisco Acquarone - 1937


AIZEN - E até hoje o Pedro Anisio escre­ve histórias pra gente. Só de assuntos brasileiros.

Caulos - Esse concurso da Retirada da La­guna foi feito uns seis anos após o lançamento do Suplemento Juvenil. O que eu quero saber é o seguinte: até que ponto esses desenhistas revelados pelo concurso foram influenciados pelos estrangeiros? Digo isso porque o ganhador, por exemplo, é muito influenciado pelo Alex Raymond.

AlZEN - Sim, influenciado. O Fernando era muito influenciado pelo Raymond. Eu tenho até o primeiro quadro que o Fernando desenhou pro Suplemento Juvenil, a óleo. Você precisa ver que beleza, feito ainda em 1939, 40, mais ou menos por aí. Era uma ilustração da Guerra Holandesa pra um livro que eu tinha mandado fazer.

Sérgio Augusto - Convém lembrar aqui que, além de todos esses desenhistas, o Suplemento Juvenil, que publicava não apenas quadrinhos, mas também contos e crônicas, revelou muita gente famosa, como autor de contos, historietas, ou simples leitores. O Naumin fez uma pesquisa a respeito e descobriu gente como Pedro Bloch, Emilinha Borba, Bidu Reis, Lidia Matos, Mário Brazini, Nathalia Timberg (que trabalhou numa peça patrocinada pelo Suplemento, A Nova Gata Borralheira), e até Dalton Trevisan, premiado por um conto. Chuta Fortuna!

Fortuna - Aizen, quais foram os principais heróis lançados pelo Suplemento?

AlZEN - Começamos com Flash Gordon, Mandrake, Brick Bradford, Tarzan, Tim & Tom.

Fortuna - Boa. Os clássicos das histórias em quadrinhos me parece que eram seus e depois passaram pra Rio Gráfica. O que que houve nisso aí?

AlZEN - Essa é uma história muito complicada. Deu muito bode naquela época. Hoje está esquecida, ultrapassada. Mas naquele tempo aconteceu o seguinte: eu fui pros EUA e fiz umas reportagens pr'O Globo. Eu me dava muito com o Roberto Marinho. Quando voltei de lá, eu disse a ele que tinha vontade de fazer uma revista. Nova. Só pra crianças. No gênero que eu estava calculando o Suplemento Juvenil. Ele me disse que isso não interessava ele não.

Ziraldo - Foi quando?

AIZEN - 1933. Eu então falei com o João Alberto. Quando o Suplemento estava com 70, 80 mil exemplares - isso na venda avulsa, que era muito grande pra época (o Tico Tico tirava 15 mil exemplares e era grande tiragem) - então O Roberto Marinho mandou dizer que queria falar comigo. Eu fui à redação e ele me disse que soube que eu estava tirando de um jornal meu 70 mil exemplares e se era verdade. Eu disse que era. Então ele me disse que estava interessado em fazer também uma revista do mesmo gênero e perguntou se eu queria me aliar a ele. Eu disse que não porque já estava trabalhando com o João Alberto. Então ele me disse: "Bem, se você não pode, então eu vou fazer sozinho". E aí eu respondi: "Tá bem, eu vou até lhe ajudar''. A coisa chegou a esse ponto de eu querer ajudá-Io. Tanto que ele me perguntou depois o que eu achava do nome Rataplan. Eu disse que Rataplan era um nome bonito pra um jornal pra crianças. Mas, uma semana depois, o jornal O Globo noticiava que ia publicar O Globo Juvenil. Ora, a palavra juvenil tinha sido usada pela primeira vez, por mim. Porque na­quele tempo só se conhecia juvenil de futebol, né? Eu usei em imprensa. Tinha feito registro. Eu achei que era um desaforo esse negócio de usar o juvenil, justamente na hora em que o nosso suplemento se tornava conhecido.Mas ele publicou o Globo Juvenil e nós fizemos uma questão judicial.

Ziraldo - Você ganhou?

AIZEN - Não ganhei. Ficou sendo pra to­dos, né?

Ziraldo - E os personagens, ele ficou com outros ou com os mesmos que você publicava?

AIZEN - O Arroxelas Galvão, representante da King Features no Brasil, tinha feito contra­tos anuais daquelas histórias comigo. Ele sempre prorrogava o contrato naturalmente. Então, certa vez, quando terminou o contrato, ele me disse que ia passar o contrato pro Roberto Ma­rinho. Aí eu disse: "Isso não se faz''. E ele disse: "É, eu acho isso mesmo. Não se faz isso não. Se eu fizer um dia, você pode me dar um tiro". E voltou a fazer o contrato comigo. Mais um ano. Antes de terminar o ano, ele me pediu um dinheiro adiantado. 30 contos de réis. Queria completar o dinheiro pra compra de uma casa. Eu disse que não podia adiantar esses 30 contos. E O contrato passou, automaticamente, pro Roberto Marinho.


Carlos Arthur Thiré - O Gavião de Riff


Jaguar - Eu acho que não são 30 contos não. São 30 dinheiros.

Sérgio Augusto - Ah, um epísódio eminen­temente bíblico!

Ziraldo - Então você ficou com o Suplemento sem esses heróis?

AIZEN - Exato. Mas eu fui muito honesto no meu modo de agir, porque eu, sabendo que os leitores queriam a continuação daquelas his­tórias - de onde pararam comigo e passaram pro outro -, eu anunciei embaixo: "A continuação dessas histórias os leitores poderão encontrar no Globo Juvenil". Eu achei que os meus leitores mereciam isso.

Ziraldo - Mas o seu Suplemento caiu de tiragem com a perda desses heróis?

AlZEN - Não. Continuamos com outras coisas, inclusive o Super-Homem, que veio logo em seguida como novidade. Além disso, as histórias em continuação já estavam caindo de moda. Então nós passamos a fazer o Lobinho, continuamos com o Mirim, o Suplemento, o Suplemento Policial, Contos Magazine. Nessa época, já tinha oficina própria, na rua Sacadura Cabral, 43, onde hoje é o Bar Jardel uma coisa assim. Aquele edifício todo era nosso também. E tem um detalhe: o Lobinho foi a primeira revista de quadrinhos brasileira com histórias completas.

Jaguar - Foi você que descobriu esse nome de Lobinho?

AlZEN - Foi. Porque eu pensei que quando O Globo brigou conosco eles iam chamar a re­vista deles de Globinho. Então, antes que eles chamassem de Globinho, eu chamei de Lobinho. Eu registrei logo o nome.

Ziraldo - Você editou histórias em quadrinhos com essa fé toda numa época em que ela era muito combatida por pedagogos e educadores. Eu me lembro que o padre da minha terra me proibiu de ler quadrinhos quando eu era menino. Como é que foi que o senhor en­frentou essa briga?

AlZEN - A primeira campanha contra os quadrinhos veio dos padres. Houve um padre, numa cidade de Minas Gerais, que fazia uma campanha sistemática no jornal dele dedicando toda a primeira página do jornal católico contra as histórias em quadrinhos. Isso foi por volta de 1937 e 39. 

(E eis que entra em cena Vão Gogo, sob o seu disfarce habitual de Millôr Fernandes, o guardião dos maus costumes).

Sérgio Augusto - E mais uma vez o mundo se curva diante do Brasil. Nos EUA as campanhas sistemáticas contra os quadrinhos só começaram 10 anos depois, quando o idiota do prof. Fredric Wertham publicou o livro A Sedução do Inocente, caindo de pau nos comics.

Ziraldo - Aizen, como é que você enfrentou a guerra? Com as Edições Maravilhosas?

AIZEN - Justamente. Meu pensamento foi: se a história em quadrinhos é um material bom precisamos e devemos aproveitar os quadrinhos para o lado bom. Foi então que comecei a fazer histórias brasileiras e, mais tarde, entrei na Série Sagrada, que são as histórias de santos da Igreja, a Bíblia, tudo em quadrinhos. Os romances estrangeiros publicados pelas Edições Maravilhosas nós comprávamos nos EUA. Logo em seguida, comecei a fazer os romances brasileiros do José Lins do Rego, Heberto Sales e os demais. Do José de Alencar eu quadrinizei tudo.(4)


Antonio Euzébio na Série Sagrada.

Millôr - Qual é o volume de material brasileiro que você hoje usa em relação ao estrangeiro?

AIZEN - A base continua sendo 20%, só. 80% é estrangeiro.

Millôr - Por que?

AIZEN - Bem, porque nós fazemos assuntos brasileiros. Não fazemos personagens brasileiros. É bem verdade que nós lançamos agora o Judoca, que já está com 20 ou 30 números, uns três anos já. Judoca é um personagem brasileiro. Foi uma idéia minha que o Pedro Anísio desenvolveu.

Millôr - Você então chegou à conclusão de que o herói de quadrinho brasileiro é mais subdsenvolvido que o país?

AIZEN - Não, não tem nada a ver uma coisa com a outra. Acontece que os personagens estrangeiros, vejam bem: os que vendem hoje são aqueles que começaram a 30, 40 anos passados. Flash Gordon, Tarzã, Mandrake.

ZIRALDO - Eu não concordo, não. Porque, por exemplo, a experiêncla da Mônica, do Mau­rício de Sousa, é um sucesso e minha expe­riência com o Pererê não fracassou por impossibilidade do herói brasileiro pegar, não. Ela fracassou por outras razões. Porque eu não conseguia concorrer em preço com o material estrageiro importado. Por isso é que eu não pude continuar.

Sérgio Augusto - Os jornais pagam uma ninharia que, pro King Features, que arrecada em todos os jornais do mundo, é uma nota.

Fortuna - Eu acho que o problema básico dos quadrinhos aqui não é de pessoas, de dese­nhistas, de personagens. O problema é distribuição. Porque não é econômico fazer uma história em quadrinhos pra uma publicação. O desenhista americano trabalha pra sindicatos. Suas tiras são distribuídas no mundo inteiro. Então ele pode viver exclusivamente do seu trabalho. Aqui não existe sindicato especializado como nos EUA. Mas eu queria perguntar pro Aizen por que ele, trabalhando há tanto tempo no ramo, não faz distribuição de material nacional pro exterior, assim nesses moldes dos sindi­catos?

AIZEN - Para onde você acha que eu deve­ria fazer essa distribuição?

Ziraldo - Para os países da América Latina e as colônias portuguesas da África.

AIZEN - Mas nós vendemos em Angola revistas prontas. O que nós vendemos em Portugal é muito mais do que a quantidade de revistas feitas lá mesmo. Eu acredito que, dentro de cinco anos, os meninos portugueses falarão me­lhor o português mais brasileiro que o de lá, porque eles estão lendo o nosso.

Ziraldo - Você vende quantos mil exem­plares, por mês, para Portugal?

AIZEN - Zorro, que vende mais, está com quatro mil exemplares em Portugal, o que é uma bela tiragem.

Sérgio Augusto - Quantas revistas a EBAL tem hoje?

AIZEN - 30 revistas por mês. Mais do que uma por dia. Nós só trabalhamo 20 dias por mês.

Sérgio Augusto - E a tiragem média de cada uma ou a global?

AIZEN - A global chega a quase dois miIhões de exemplares. As que mais vendem são Tarzã, Zorro, Superman e Batman. Depois vêm as revistas de faroeste. As revistas infantis caíram muito.

Millôr - Tem aí uma coisa muito reacionária: os grandes heróis continuão a ser os heróis velhos. Não há Poder Jovem nas histórias em quadrinhos?

AIZEN - Tem a Turma Titã, mas os heróis mais procurados mesmo continuam sendo os ve­lhos.

Ziraldo - Agora, Aizen, por que que fechou o Suplemento Juvenil, o Mirim e O Lobinho? Por que, como e quando acabaram os suplementos?

AIZEN - Quando o Brasil entrou em guerra eu comecei a ter dificuldades de comprar papel. O papeI só havia aqui pro jornal ofícial que era A Noite, naquela época. O papel vinha do Paraná, de uma fábrica que as Empresas lncorporadas do Patrimônio da União tinham lá. Eu então resolvi, com as dificuldades financeiras que passava na época, embora com máquinas próprias e tudo aquilo, os navios brasileiros torpedeados e eu sem papel - bem, aí eu resolvi me ligar à empresa A Noite, que era então a mais poderosa. E o coronel Costa Neto comprou então a nossa empresa Suplemento Juvenil ou Grande Consórcio. E eu passei só à direção daquilo. Aí não me faltou mais papei. Mas quando terminou a guerra, em 45, pedi demissão da direção do Grande Consórcio, deixei ali um salário que, naquela época, era grande (seis contos de réis), e fui fazer a Editora Brasil América.

Ziraldo - E o Mirim e O Lobinho ficaram com eles lá?

AIZEN - Ficaram e fecharam. A Noite e as revistas. Tudo, né?

Ziraldo - A primeira revista da EBAL foi O Herói, não foi?

AIZEN - Foi. E até hoje ela dura, só que sem aquela capa em marrom de que você tanto fala e sem aquelas histórias da Ginger, do circo etc.

Jaguar - Agora, essas histórias mais modernas como as do Stan Lee, elas são mais sofisticadas, mais trabalhadas, os heróis são neuróticos. Isso não fez mudar o público dos quadrinhos? Isso se refletiu na venda?

AIZEN - Os heróis, mesmo os mais antigos, estão mudando muito. Eles agora estão se adaptando à época, ficaram mais humanos, mais neuróticos, têm até espinhas no rosto.

Sérgio Augusto - E essa onda toda que os intelectuais criaram en torno dos quadrinhos como um troço sério, isso mexeu com a estrutura do seu negócio?

AlZEN - Não há dúvida que o público hoje é mais adulto, especialmente o das revistas de aventuras.

Millôr - Isto é bom ou é mau?

AlZEN - Mau. Preferiria que as crianças continuassem sendo o meu público em potencial porque acho que elas se tornam adultas lendo histórias em quadrinhos. As nossas tiragens, de uns cinco anos pra cá, estagnaram.

Fortuna - A Editora está pensando em algum lance novo pra pegar de volta esse público infantil?

AlZEN - Estou editando livros e revistas para crianças. São a esperança e o futuro daqui. São livros sobre heróis, Branca de Neve, histórias de Malba Tahan, Stella Leonardo e Murilo Araújo. Leitura pra crianças. Espero que isso desperte interesse.

MiIlôr - Quando nós fundamos O PASQUIM, nós chegamos a vender 195 mil exempIares. Ele tinha um imenso público de crianças de 12, 13, 14 anos que liam o jornal. E liam exatamente porque O PASQUIM era um jornal iconoclasta. A partir do momento em que O PASQUIM, de uma certa maneira, diminuiu sua agressividade, esse tipo de público desapareceu. Isso não é uma prova de que as crianças estariam exigindo um tipo novo de histórias em quadrinhos, reexaminada, realmente mais madura, em que não se omitisse nada?

AlZEN - Não sei, não posso dizer.

Jaguar - Você não acha que a desmistificação que a revista Mad fez dos heróis, ridicu­larizando eles todos, não foi também responsável por esse desencanto pelos mocinhos dos quadrinhos?

AlZEN - Claro. Felizmente, o Mad vende pouco no Brasil. Mas as crianças acreditam ain­da nos heróis. Ainda há pouco recebi uma carta de um menino que se diz fã do Homem-Aranha e quer uma fantasia igual à dele. Cartas como essa chegam diariamente à editora.


Rodolfo Iltzsche em 1939


Sérgio Augusto - O engraçado é que os lei­tores dos gibis americanos escrevem mais pra discutir sobre o trabalho dos desenhistas e pra reclamar da ausência de tal e tal desenhista no número passado, que pra falar dos feitos heroicos dos personagens. Até que ponto, na sua opinião, esse interesse maior dos garotos americanos pela obra em si e seus autores é mais útil que o dos garotos brasileiros que ainda estão naquela de acreditar que o Batman existe mesmo?

AIZEN - Olha, de uns três anos pra cá, os leitores já começaram a reclamar dos desenhos. Muitos já falam até no Stan Lee.

Millôr - Adolfo Aizen, eu gostaria que você soubesse que as histórias em quadrinhos foram muito importantes pra minha formação cultural e profissional. Quando garoto eu copiava Flash Gordon milimetricamente. Enchia cadernos de desenhos copiados. Primeiro: antes dessa onda toda de intelectuais do establishment em favor dos quadrinhos, eu já sabia que aquilo era um negócio importantíssimo. Segundo: apesar de todo esse meu entusiasmo, você, Adolfo, prefe­riu dar o primeiro prêmio do seu concurso ao Femando Dias da Silva e não a mim.

AIZEN - Justamente por você ter sido cria do Suplemento Juvenil, Millôr, seu nome figura no terraço da editora.

Millôr - Tenho a maior satisfação, a maior emoção de saber disso e prometo que, se algum dia me atirar de um terraço, será desse aqui.

NOTAS 

1) O Tico Tico começou em 11 de outubro de 1905, com desenhos de Loureiro, A. Rocha, AIfredo Storni, Paulo Affonso, Miguel Hochman, Max Yantok, Fragusto, Cícero Valladares e ou­tros. Fechou em 1955. 
2) Sindicato americano que controla a distribuição de histórias em quadrinhos para jornais e revistas do mundo. Existem outros mas o King Features é o mais forte de todos. 
3) Alexander Gillespie Raymond, criador de Flash Gordon, X-9 e Jim das Selvas, o mais revolucionário desenhista da Idade de Ouro dos quadrinhos.
4) Quadrinizar: verbo cunhado por Adolfo Aizen e já registrado no Pequeno Vocabulário da Língua Portuguesa.


Mário Pacheco ilustra o livro Esta é Nossa História - Editora Ouro Preto - 1969.

Who's who ou onde é que eles estão?

Em seus 38 anos de história em quadrinhos, Adolfo Aizen descobriu, incentivou, revelou e perdeu dezenas de ilustradores e desenhistas da maior qualidade. Poucos permaneceram ao lado do velho Aizen, como é o caso de Monteiro Filho (autor do primeiro personagem brasileiro das histórias em quadrinhos: Roberto Sorocaba, desde o primeiro número do Suplemento Juvenil e André LeBlanc, que vai e volta e agora, ao que parece, voltou de vez. A maioria tomou o rumo da publicidade. Na palavra do Ziegfeld dos quadrinhos, algumas dicas sobre os velhos artistas da EBAL:

• Celso Barroso: entrou pra publicidade e está trabalhando em Los Angeles. 
• Alciro Dutra: falecido. 
• Rodolfo Iltzsche: alemão, morava em Niterói. Há muito tempo fora de circulação. 
• Mário Jaci: engenheiro. Trabalha pro governo da GB. 
• Milton Caserio: outro que foi pra publicidade. 
• Mário Pacheco: fez as primeiras histórias da série Grandes Figuras do Brasil. Aposentou-se. 
• Luís Fontes: publicidade (Editora Record).
• Hélio Queiroz: Nunca mais foi visto.
• Renato Lima: também sumiu. 
• Humberto Barreiras: começou menino na editora. Fora de circulação. 
• Ivan Rodrigues: um dos mais sérios pesquisadores iconográficos. Fez muitas histórias pra série sobre personagens e fatos do Brasil. 
• Ildeu Moreira: mora em Belo Horizonte. Dedica-se à pintura. 
• Antônio Eusébio: começou com 16 anos, fez várias capas pras Edições Maravilhosas. Também em publicidade. 
• Ramon Llampayas: espanhol, casado com uma cearense. O mais rápido desenhista que já passou pela EBAL. Voltou pra Barcelona.
• Guttemberg: era irmão do antigo motorista de Aizen. Mora nos EUA.

Um comentário:

Dourado disse...

Ao que tudo indica o cara responsável pela ida de Adolfo Aizen foi o conterrâneo aqui de Parnaíba-PI, o Berilo Neves (escritor de ficção científica)

http://www.universohq.com/materias/viagem-que-trouxe-os-quadrinhos-de-herois-ao-brasil/