Matéria/entrevista inédita realizada pela ECAB (Editora Carneiro Bastos) em 1978 com o desenhista e editor Marcio Sidnei Ehrlich, colaborador da revista O Bicho da editora Codecri.
Marcio Sidnei –
Entrevista - 1978
O problema da
regulamentação das histórias em quadrinhos na imprensa brasileira
é um assunto que preocupa sobretudo o artista nacional cujos
trabalhos sofrem as maiores restrições impostas pelo cartum
estrangeiro, com a conivência dos editores nacionais. Embora tenha
sido regulamentado por decreto-lei assinado em 1963, a matéria
continua sendo até hoje o grande "fantasma" que representa
a importação de personagens do exterior simplesmente porque as
empresas editoras não cumprem a sua obrigatoriedade.
Por Marcio Correia Lima
A Editora Carneiro
Bastos - ECAB, especializada na distribuição de cartuns genuinamente
brasileiros e que luta há mais de três anos para impor o artista
nacional no hostil mercado local, estrangulado pela maciça
importação de nomes estrangeiros, reuniu em mesa redonda dois
grandes desenhistas do quadrinho nacional - José Menezes (entrevista no post anterior) e Marcio
Sidnei Ehrlich - para debater a situação e de quebra ouviu o
jornalista Henrique Caban, chefe da redação de um dos maiores
jornais brasileiros (O GLOBO), em cujas páginas abrigam os mais
famosos nomes do "cartoon" internacional, em detrimento do
produto nacional.
O QUE DIZ A LEI E O QUE
NÃO CUMPREM OS EDITORES
No dia 23 de setembro
de 1963, o então presidente João Goulart assinava o decreto-lei
52.497 que foi submetido ao Ministério da Educação de Paulo de
Tarso, o qual disciplinava (e a partir dessa data nacionalizava) a
publicação de histórias em quadrinhos. Segundo o decreto, as
empresas editoras deveriam publicar, no conjunto de suas edições,
30 por cento de histórias nacionais a contar de 12 de janeiro do ano
seguinte. A percentagem que visava diminuir o afluxo de temas
estrangeiros nas histórias em quadrinhos, seria aumentada para 40
por cento em 1965 e 60 por cento em 1966, sendo que os desenhos
humorísticos e as ilustrações seriam exclusivamente nacionais a
partir do próximo ano.
Mas, apesar dessas
imposições, de lá para cá, parece que a lei não surtiu nenhum
efeito ou não entrou totalmente em vigor, pois o que se vê
publicado em quase todos os veículos nacionais, com raras exceções,
é a maioria esmagadora de desenhos estrangeiros.
Marcio Sidnei Ehrlich editor de histórias em quadrinhos de O GLOBO, além de ser crítico
especializado na matéria e um estudioso da comunicação, fala do
custo de uma tira de quadrinhos americanos.
— Para nós que
recebemos o produto já manufaturado e produzido em série, esse
custo é relativamente barato. Mas para o "syndicate", que
contratou o desenhista, esse mesmo custo sai muito mais caro. Em
alguns casos, de desenhistas famosos, as vezes a tira fica por 10 mil
cruzeiros.
Para a maioria dos
cartunistas brasileiros, as portas dos principais veículos estão
fechadas, as chances são mínimas de verem seus trabalhos publicados
e os incentivos quase não existem.
Sobre esse tema Márcio
Sidnei explica que não são muito boas as perspectivas de abertura
para o artista nacional, e que isso decorre sobretudo, da situação
acima exposta. Isto é, o fator econômico.
Como autor de
quadrinhos que também é, e já tendo publicado inclusive durante
alguns anos a série “Sir Lancelot", na Tribuna da Imprensa, e
atual colaborador junto com o desenhista Adail da série "Aristeu,
o Juiz", Marcio comenta que sempre defendeu a criação de uma
cooperativa que cuidasse dos problemas de produção e distribuição.
Segundo o editor de quadrinhos de O GLOBO, na realidade, tem sido
muito difícil conseguir a união dos desenhistas, cujas principais
causas ele próprio desconhece. Mesmo assim, ainda espero que a ideia
venha a se concretizar. Interrogado sobre o que se tem feito em prol
do desenhista brasileiro, responde:
Marcio Sidnei e seu personagem Sir Lancelot em 1975 na revista O Bicho.
— Sou a favor da
criação de um sindicato nos moldes do existente nos Estados Unidos
como única saída viável para regulamentação da situação do
profissional no Brasil.
Marcio Sidnei Ehrlich
acha que o desenhista brasileiro carece de uma melhor formação
técnica, principalmente no campo das artes visuais e gráficas para
que este possa entrar num mercado cada vez mais competitivo e
exigente. É preciso ser muito profissional.
Quanto a não devida
divulgação do artista e de seus trabalhos, Sidnei Ehrlich é da
opinião de que se deve montar um esquema perfeito de distribuição
de âmbito nacional, que permita o barateamento nos custos para os
jornais interessados na compra das histórias. É praticamente
impossível, afirma Marcio, para os veículos nacionais, pagar a
exclusividade dos desenhistas, enquanto nos Estados Unidos existe a
fórmula do "syndicate", que cuida da produção e distribuição das
histórias para o mercado local e externo.
Entre os profissionais
brasileiros, ele destaca Luiz Fernando Veríssimo, Jaguar, Chico
Caruso, Ziraldo e Jô Oliveira, entre outros. Do lado internacional,
aponta o Recruta Zero, no original, Beetle Bailey e Hagar; e os
desenhistas Feiffer, Moebius e Quino, entre os melhores.
O jornal O GLOBO do Rio
de Janeiro é o único veículo brasileiro que não publica uma só
tira diária de artistas nacionais; por outro lado, em suas páginas
diárias, como no suplemento dominical, são editadas 19 histórias
estrangeiras, para uma nacional representada pelo "Sitio do
Pica-Pau Amarelo".
Para o jornalista
Henrique Caban, chefe da redação de O GLOBO e ferrenho defensor do
"cartoon" importado, o desenhista nacional não existe, ou
melhor, diz que só pode citar um: Mauricio de Sousa.
Com esse ponto de vista
radical, Caban vai mais além e afirma que o artista nacional não
tem mesmo chance. E acrescenta que esta só virá quando todos se
unirem em torno de um órgão de classe, porque a união faz a força.
Embora sustentando a
afirmação negativa de que o mercado vai continuar fechado para o
desenhista brasileiro, Henrique Caban se contradiz e declara que tem
tentado abrir as portas para os profissionais de casa, e que sim
continuará fazendo.
Contra a argumentação
de que o que se vê todos os dias nos jornais brasileiros só são
historietas americanas, meio embaraçado responde que isso e apenas
uma questão de preço.
Enquanto o custo for
mais barato para o jornal, continuaremos dando preferência ao
produto importado, afirma Caban.
(C) ECAB
Outubro/1978
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