Matéria/entrevista com o desenhista José Menezes produzida em 1978 pela distribuidora ECAB (Editora Carneiro Bastos) e que permaneceu inédita até os dias de hoje. Menezes nasceu em 06 de agosto 1933 e faleceu em 24 de junho de 2022.
QUADRINHOS: PROBLEMA DE ARTISTAS NACIONAIS
O desenhista José Menezes disseca em entrevista a luta do artista
nacional contra o “fantasma” que representa a importação de
personagens do exterior. Sua ideia para a formação de um sindicato,
a exemplo do que é feito na França, parece a solução ideal.
Reportagem de YVONNE AMORIM
O leitor pega na banca uma revista de histórias em quadrinhos e
jamais imagina os processos por quais passou até que a publicação
fosse elaborada e finalmente impressa.
O público conhece os heróis e muito pouco dos heróis autênticos,
aqueles cuja cuca foi fundida para a criação das figuras tão
populares como O Fantasma, Robin Hood, Mandrake ou Jim das Selvas.
Originalmente importados, principalmente dos Estados Unidos, os
personagens em quadrinhos têm uma história curiosa que é aqui
contada por um artista de inegáveis méritos – José Menezes. O
desenhista experiente e de imaginação fértil, capaz de manter a
qualidade do trabalho, sem a qual o leitor se desinteressa pelos
personagens.
O ARTISTA E SUA VIDA
Com 40 anos de idade, José Menezes já fez de tudo diante de um
cavalete. Na Rio Gráfica Editora, ao atrasarem os norte-americanos a
remessa do Fantasma ou Jim das selvas, tinha ele que passar horas e
horas criando e desenhando a sequencia das aventuras dos conhecidos
personagens. Isto porque as revistas têm dias certos para circular e
o capital empregado em publicações do gênero não comportam
atrasos. Mesmo porque são aos milhares os compradores habituados a
tal tipo de leitura e a aquisição de revistas, em dias certos, faz
parte dos hábitos dos fregueses. Eles ficam aborrecidos se lhes
falta aquilo que procuram e o editor corre o risco de ver seus
leitores serem atraídos por outros personagens, de firmas
concorrentes.
Disso tudo o ponto central é o artista, no Brasil muito mal
remunerado.
HISTÓRIAS IMPORTADAS – HISTÓRIAS NACIONAIS
Há muitos anos tentam os autores brasileiros quebrar a resistência
dos editores, lançando personagens genuinamente brasileiros,
sobretudo de nosso folclore. Porém, destronar o mágico ou o Tio
Patinhas, já impregnados no mercado graças à hábil divulgação,
não é tarefa das mais fáceis. José Menezes no entanto obteve
êxito ao criar para a SURSAN, do antigo estado da Guanabara,
quadrinhos sobre um tema profundamente humano: as favelas.
As dificuldades de mercado no entanto, não podem ser atribuídas
somente aos editores, os quais já tentaram vencer o problema. O
leitor – este sim – não aceita em sua grande maioria os
personagens legitimamente brasileiros. Aqui vai um exemplo dado por
José Menezes. Suas declarações são textuais:
“Falarei de Kim e Águia Branca e vou referir-me a histórias
nitidamente brasileiras. Trata-se de distribuição de material
nacional, distribuído para jornais e revistas brasileiras. O
argumento de histórias brasileiras ainda é um problema difícil e
isso nos leva à opção de ter que desenhar coisas semelhantes aos
enlatados tradicionais, exatamente porque o nosso leitor que,
durante anos e anos foi habituado a ler e ver as escolas de heróis
de fora, não aceita de pronto uma ideia oposta ao tradicional.
Seria bom que o leitor aceitasse melhor as nossas lendas e o nosso
folclore, tão ricos e importantes. Há tempos criei para uma editora
uma história quadrinizada sobre a invasão holandesa, onde eu
focalizava a resistência do Forte de Rio Formoso por um grupo de 13
brasileiros, durante cinco horas, frente a 300 ou mais holandeses.
Procurei, em meu argumento, ser o mais autêntico possível,
inclusive estudando trajes, costumes e fatos. Para minha decepção,
consideraram o assunto não comercial...
O que anima ultimamente é ter encontrado uma editora como a Carneiro
Bastos, que edita, investe e lança produções gráficas nos moldes
americanos tudo o que produzimos.
A Carneiro Bastos nos dá uma participação na base de percentual
fixado em contrato, por cada venda de nossa produção, em relação
às vendas para jornais e revistas do Brasil, com opção para o
exterior. Isso é muito bom porque essa editora, lutando
tremendamente há vários anos, está, aos poucos, vencendo a
resistência das empresas jornalísticas, já tendo aberto brechas no
exterior.
Infelizmente são poucas as empresas compreensivas. Elas não
imaginam a importância não só intelectual da divulgação daquilo
que é nosso. E, também é necessário, que entendam sobre o aspecto
econômico em relação às divisas despendidas com tal
comercialização.
Tenho sido convidado com frequência para participar de debates sobre
o quadrinho nacional e não nego que tem sido grande a minha
decepção.
A SOLUÇÃO DO PROBLEMA
Perguntamos a José Menezes se existe solução para o problema. Eis
o que nos afirmou:
“Acho que seria importante a criação de um sindicato, a exemplo
do que é feito na França. Ali os desenhistas revendem seus
trabalhos para o Socerlit, que os distribui para toda a Europa. Se
alguma história de fora é pretendida por um jornal ou revista
francesa, o comprador é obrigado a adquirir um similar francês. É
uma forma salutar de “dá cá e toma lá”. Ninguém fica
perdendo. Ninguém fica de fora”.
Com sua larga experiência,
Menezes prossegue discorrendo sobre a luta que está desenvolvendo:
“Tenho muita vontade de produzir um livro sobre quadrinhos e a
ideia nasceu quando iniciei minha coleção de originais de tirinhas.
Minha correspondência com desenhistas de outros países e também
com os nacionais. Esse trabalho de cooperação sobre os quais
debatemos estilos, didáticas e problemas, não apenas nos aproxima,
mas acaba por nos dar luz em busca de uma solução.
Moacyr Cirne, meu particular amigo, ao publicar seu livro “A
Explosão Criativa dos Quadrinhos”, teve ás suas ordens todo o meu
arquivo de gibis. De qualquer forma, é um passo à frente. Ainda não
tenho, pelo menos de imediato, solução à vista”.
E AS COMPENSAÇÕES?
José Menezes é um lutador e suas palavras revelam a esperança de
dias melhores. Isto ele revelou quando lhe perguntamos sobre as
compensações da luta desenvolvida:
“Tenho tido momentos de compensação. Não direi que se trata de
compensação material, mas o lado moral e espiritual. Isto a partir
da edição de “Kung-Fu” para a Ebal. Passei a receber cartas;
muitas cartas dos leitores, me incentivando. Isso é um conforto.
Meus colegas, argumentistas e desenhistas me apoiaram inteiramente.
Primaggio, (criador de Sacarrolha), Orestes Oliveira, também
desenhista de “Kung-Fu”; Hélio do Soveral, argumentista e
numerosos outros me apoiaram e incentivaram. Isto já representa
alguma coisa”.
José Menezes em 1975 na revista Kung-Fu da editora Ebal.
E A LUTA PROSSEGUIRÁ
José Menezes reside em Petrópolis. Ali ele imagina e cria suas
histórias, dando continuidade à vida do fantasma ou de qualquer
outro personagem, desde que lhe seja encomendado. Se o escritor
americano está de pileque e não entregou a história. Se o
desenhista de Tio Sam não deu conta do recado, por qualquer motivo,
dos quadrinhos de Jim da Selvas, Menezes vai para o estúdio e um
novo capítulo dentro em breve está nas bancas.
Ele é otimista, embora desapontado pela resistência às histórias
nacionais. Para encerrar a presente entrevista, afirmou:
“Tenho de lutar e acho não estar muito longe uma vitória. Se nos
arregimentarmos e, a exemplo do que fazem os franceses, nos unirmos,
acredito ser possível atingir o objetivo. Porque, de uma coisa podem
estar certos: a luta prosseguirá!”.
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