segunda-feira, 19 de março de 2018

Eureka nº 12 - 1979

Em 1979, no seu nº 12, a revista Eureka publicou o texto abaixo. De autoria do editor, Otacílio d"Assunção Barros (o Ota), é uma matéria muito completa e detalha exemplarmente como era o cenário das tiras de jornal no Brasil naquele período.

AS TIRAS DE JORNAIS NO BRASIL

Texto de Otacílio d'Assunção Barros

Quando os jornais norte-americanos, no final do século passado, descobriram os quadrinhos - e, com eles, um meio de aumentar a sua circulação - a onda se alastrou rapidamente. Alguns jornais chegavam até a roubar de­senhistas de outros, e logo começou a distribuição (syn­dication) da mesma tira simultaneamente para centenas de outros jornais em todo o território norte-americano. 

Pelezinho, de Maurício de Sousa.

A moda logo chegou ao Brasil, e os nossos jornais passa­ram a comprar tiras a um preço relativamente barato e publicá-las com exclusividade dentro da sua área de cir­culação. Muitos artistas nacionais tentaram fazer a mes­ma coisa. Mas, infelizmente, diversos fatores contribuí­ram para que a maioria das experiências fracassasse. Um dos poucos a se sair bem no ramo de tiras de iornais é Maurício de Sousa, que, com sua distribuidora, consegue espalhar seus personagens por centenas de jornais brasileiros. Na verdade, o esquema de Maurício não se limita apenas a tiras para jornais, mas, sim, a um enorme complexo de revistas, desenhos animados e merchandising, no qual as tiras servem apenas para popularizar seus personagens e aumentar as vendas dos produtos derivados de suas criações.

O Pato, de Ciça.

Depois das tiras de Maurício de Sousa, a de maior duração até agora é provavelmente O Pato, de Ciça, que con­ta com mais de 10 anos de publicação contínua na 'Folha de São Paulo' e, eventualmente, em outros jornais (inclu­sive no estrangeíro, onde o Pato é conhecido como Octa­ve, le Canard). Em seguida, temos Zeferino, de Henfil, lançado há alguns anos pelo 'Jornal do Brasil', do Rio, e publicado até hoje, embora tenha sofrido algumas paradas no decorrer desse tempo, devido a problemas de viagens e enfermidades do autor. Sem dúvida, Zeferino é a melhor tira diária brasileira e seu autor conseguiu manter um nível de qualidade surpreendente (exceção feita a uma tentativa de utilizar o personagem em pági­as dominicais, ainda em 1978, que não chegaram aos pés das tiras diárias).

Marly, de Milson.

Marly, de Milson Henriques, é publicada desde 1973 em jornais de Vitória, onde reside o autor, e conseguiu furar o bloqueio, espalhando-se por cerca de mais 15 veículos. Inclusive tornou-se conhecida nacionalmente através da extinta revista Patota. 

As Cobras, de Luís Fernando Veríssimo.

As Cobras, de Luís Fernando Ve­ríssimo, começaram sua carreira em um jornal gaúcho e agora são publicadas pelo 'Jornal do Brasil', que, além de Henfil e Veríssimo; abriu um espaço para o desenhis­ta Caulos, que usou o seu nome para título da série. Esses provavelmente são os autores mais conhecidos, em termos de tiras brasileiras. 

O Galinheiro, de Fábio Mestriner.

Há dezenas de outros que, entretanto, não conseguiram alcançar veículos de maior penetração e são conhecidos geralmente apenas pelos leitores locais dos jornais que os publicam. São, relativa­mente, jornais de pequena circulação, e nunca de âmbi­to nacional. Mas, mesmo assim, muitos profissionais so­brevivem às custas desses veículos, e aos trancos e bar­rancos vão conseguindo expandir o seu campo, seja por conta própria ou através de distribuidores. 

Gilda, de Daniel Azulay.

Na verdade, os grandes jornais não parecem dar muita atenção aos quadrinhos, ou pelos menos aos autores na­cionais. Com exceção do 'Jornal do Brasil', no Rio,que publica as três tiras já citadas contra quatro estran­geiras, e da 'Ultima Hora' do Rio, que, além de sete tiras estrangeiras, publica Gilda, de Daniel Azulay, os outros jornais cariocas parecem ignorar o assunto. Inclusive 'O Globo', que tem uma das maiores páginas de quadrinhos do país (18 tiras), não publica sequer uma nacional, a não ser a página dominical do Sítio do Picapau Amarelo em seu suplemento (ao lado de outras 19 estrangeiras), e mesmo assim devido ao convênio com a Rio Gráfica e Editora, que publica a revista homônima e, além de tudo, pertence também à Rede Globo, que leva ao ar o mesmo programa. 

Esquininha, no Notícias Populares.

Em São Paulo, o grupo das "Folhas" divide mais ou menos em partes iguais os quadrinhos nacionais e es­trangeiros por sua relativamente grande cadeia de jornais, sendo que a maior parte das tiras brasileiras per­tence a Maurício de Sousa, e no sanguinolento 'Notícias Populares', de São Paulo, todas as tiras são nacio­nais, muito embora várias delas sejam de qualidade dis­cutível, quase amadorísticas. Um dos mais importantes matutinos paulistas, 'O Estado de São Paulo', mantém há anos uma pequena seção de quadrinhos, todos estran­geiros e bastante desinteressantes. Já o 'Jornal da Tar­de', pertencente à mesma cadeia, conseguiu uma sele­ção melhor de histórias, mas por outro lado não publica quadrinhos brasileiros. 

Zeferino, de Henfil.

Nos outros Estados, a situação chega a ser pior. Muitos autores só conseguem publicar seus trabalhos pratica­mente de graça, ou recebendo o pagamento com atrasos consideráveis. Caso o autor não more na mesma cidade do jornal que publica sua tira e não esteja vinculado a uma distribuidora que disponha de meios mais eficien­tes de cobrança, é difícil que consiga obter outra recompensa que não a simples publicação de seus trabalhos. Isso ajuda bastante a desestimular autores em potencial de continuarem produzindo. Na verdade, se o pagamen­to do primeiro veículo que publicar a tira não lhe der con­dições de sobrevivência, é praticamente impossível que isso aconteça depois. Uma solução seria a redistribui­ção para outros jornais. Mas é difícil montar uma distribui­ção própria, e se o desenhista se filiar a alguma distribui­dora já existente, obviamente terá de pagar a esta a co­missão por esse serviço, que em alguns casos chega até a 60%. Como as tiras de jornais são vendidas a um preço relativamente baixo (isso porque muitos jornais não te­riam condições de pagar mais), o autor precisaria publi­car a mesma tira em pelo menos dez jornais ao mesmo tempo para conseguir sobreviver. 

Estevão Piro, de Moretti.

De qualquer forma, apesar de todas essas dificuldades - não só da concorrência com os estrangeiros como da maneira de encaixar as tiras nos jornais - muitos profis­sionais que têm os quadrinhos no sangue e sabem que jamais se dariam bem em outro tipo de trabalho conti­nuam a produzir incansavelmente suas tiras, e alguns até aprenderam a sobreviver disso. Quem sabe, muitos de­les conseguirão a glória máxima para os desenhistas de acabar seus dias numa prancheta.

O Veterinário, de Primaggio.

AS DISTRIBUIDORAS

Os syndicates brasileiros - ou seja, as distribuidoras de tiras - ajudam a divulgar a obra de vários autores. Mui­tos empreendimentos semelhantes já falharam, mas umas poucas sobrevivem, muito embora algumas delas não dependam só de quadrinhos. O Editor de algum jorn­ai que queira abrir uma página de quadrinhos e não tenha contato com os artistas locais poderá recorrer a al­gumas das empresas abaixo:

Caulos, no Jornal do Brasil.

MAURÍCIO DE SOUSA PRODUÇÕES 
Distribui exclusivamente as tiras do próprio Mauricio: 
Cebolinha, Bidu, Horácio, Pelezinho, Os Souza, Rapo­são, Boa Bola, Chico Bento, Tina e outras. Maurício de Sousa conseguiu a vitória de colocar seus personagens até no estrangeiro, e cada vez mais está expandindo seus tentáculos por todo o país. 

Bichim, de Nildão.

EDITORA CARNEIRO BASTOS (ECAB) 
Fundada com a finalidade de distribuir trabalhos de pro­fissionais brasileiros, a ECAB já conta em seu arsenal com Marly, de Milson, O Galinheiro, de Fábio Mestriner, Gilda, de Azulay, Bichim, de Nildão, Lúcio Flávio, de José Louzeiro e Orestes de Oliveira, Asdrubal, de Elvira Vigna, Stevão Piro, de Moretti, Sacarrolha e Veterinário, de Primaggio, Kim e Águia Branca, de José Menezes, Cubinho, de Mário Mastrotti e vários outros. Inclusive aceita propostas de novas tiras para distribuir.

Lúcio Flávio, de José Louzeiro e Orestes de Oliveira.

APLA 
Distribui com exclusividade os quadrinhos do King Fea­tures Syndicate, London Express, A.L.I. Press, Creaccio­nes Editoriales, Dargaud Presse etc. A Apla não se recusa a distribuir trabalhos de profissionais brasileiros, mas atualmente está parada nesse setor, após algumas expe­riências que não foram adiante.

Cubinho, de Mário Mastrotti.

DISTRIBUIDORA RECORD 
Distribui os sindicatos americanos Publishers-Hall Syn­dicate, Field Enterprises, Chicago Tribune - N.Y. News Sindicate, Editors Press Service etc. Também não está distribuindo nenhum quadrinho nacional.

UNITED PRESS INTERNATIONAL 
Além de agência de notícias, a UPI funciona também co­mo distribuidora de quadrinhos da United Feature Syndi­cate e da Newspaper Enterprise Association (NEA). 


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