Sabadão Sertanejo nº 5 - março de 1992
Guguzinho, uma versão bastante jovem do apresentador Gugu (Augusto Liberato) era publicada na revista semanal Sabadão Sertanejo, da editora Azul. A revista era voltada ao mundo musical mas as aventuras de Guguzinho versavam sobre assuntos do mundo pré-adolescente, com brincadeiras e paqueras. O personagem principal, Guguzinho, tinha a companhia do amigo Cicinho.
Os roteiros eram de Gérson B. Teixeira e a arte de Gustavo Machado e Noriatsu Yoshikawa.
Gugu Liberato já havia tido outras versões de suas aventuras em quadrinhos.
Sobre as várias versões, o próprio autor, Gustavo Machado esclarece:
.........................
Sobre as várias versões, o próprio autor, Gustavo Machado esclarece:
Gugu em quadrinhos,
a 1ª versão
Era 1984, e meu novo
amigo, o cartunista e editor Paulo Paiva, encomendou-me um trabalho
que viria a me perseguir durante os anos seguintes, por vias e
pessoas distintas. Era a criação para quadrinhos de um apresentador
que começava a se destacar na TV, Gugu Liberato. Achei aquilo um
tanto estranho e sem apelo algum para uma revista de HQ. Paiva me
explicou que a cria de Silvio Santos adorava quadrinhos, e seu
programa na TV tinha um grande público infanto-juvenil. Ele dava
bastante liberdade na concepção gráfica e no desenvolvimento de
suas aventuras nos gibis. O único problema é que ninguém estava
acertando na criação do personagem. Paiva acreditava que com a
minha experiência em quadrinhos infantis e trabalhando em animação
eu pudesse oferecer alguma nova alternativa para apresentar ao Gugu.
Alguns estudos já haviam sido desenvolvidos por outros desenhistas,
mas não agradaram o apresentador.
Para me guiar na
criação, recebi apenas uma folha com alguns desenhos que foram
recusados e imagens de referência do apresentador do SBT. Os estudos
rejeitados eram de Luiz Podavin, desenhista veterano dos quadrinhos
da Disney brasileira que trabalhava na Editora Abril. Podavin viria a
ser uma das minhas grandes referências no futuro, mas eu não tinha
o que aproveitar naqueles seus estudos, apenas tomar conhecimento do
que deveria evitar na criação da minha proposta.
Minha versão do Gugu
para quadrinhos foi aprovada, e ato contínuo, Paiva me passou o
roteiro de uma HQ escrita por ele, e que seria a primeira HQ do novo
personagem para a revista Aventuras do Gugu. O prazo era exíguo, e
como trabalhava em animação não dispunha de quase nenhum tempo
livre. Desenhei a maior parte da HQ, deixando as últimas páginas
para outro desenhista terminar, Gilberto Firmino (falecido em abril de 2024).
O Gugu da Sociedade Editorial Sequencia em 1984.
Da TV para os
quadrinhos
Depois de cinco anos
dedicados quase que exclusivamente aos comerciais de desenhos
animados, voltava a viver de quadrinhos naquele início de 1988. Como
freelancer, comecei a desenhar as HQs dos Trapalhões mirins, criação
de César Sandoval, para a Abril Jovem. Eu me empenhava para me
familiarizar com o universo das HQs para poder produzir mais, já que
a demanda da editora por novas HQs era grande, e o que a gente se
comprometesse era absorvido nas edições. Já havia desenhado sete
histórias, num total de 46 páginas nos três primeiros meses de 88,
quando numa visita para entregar e pegar mais argumentos para
desenhar, Waldyr Igayara me chamou em sua sala para um trabalho
diferente.
Igayara era diretor do
setor de quadrinhos da Abril Jovem e um veterano da área editorial.
Havia começado nos quadrinhos ainda na década de 1950, fazendo HQs
infantis e de terror. Entrou para a Editora Abril em 1961, sendo, ao
lado de Jorge Kato, os dois primeiros desenhistas a fazer HQs do Zé
Carioca no país. Igayara fez parte da equipe de um dos projetos mais
inovadores e criativos da editora, “Recreio, a revista brinquedo”.
Isto foi em 1969. Fiz parte dos milhares de leitores mirins que
curtia a cada semana uma nova edição daquela revista tão lúdica e
inovadora, sempre cheia de novidades e jogos criativos para recortar
e montar.
Dentre as novas
tentativas e apostas do setor de quadrinhos da Editora Abril, ainda
buscando cobrir o vazio deixado pelas revistas de Maurício de Sousa,
assim que levou suas criações para a Editora Globo, outro projeto
estava em andamento. Era a criação de uma revista em quadrinhos
com, nada mais nada menos que Gugu Liberato, o apresentador de TV.
Novamente, o garoto de ouro de Silvio Santos entrava na minha vida
profissional de surpresa e a minha revelia. Igayara explicou que
alguns desenhistas haviam tentado definir a concepção gráfica para
o projeto, mas sem sucesso. Contei que tinha experiência em
desenvolver personagens, graças às necessidades constantes dessa
modalidade nas animações publicitárias, e que havia sido o autor
da primeira versão do apresentador para os quadrinhos. Igayara
perguntou se eu gostaria de tentar, e eu topei.
Alguns dias depois
levei meus estudos do Gugu, baseado num release que recebi do editor
onde era descrito todo o projeto, desde o público alvo até as
descrições dos personagens principais e o teor das histórias.
Igayara gostou muito do meu material, arriscando o palpite de que
seria certa a aprovação do próprio Gugu e os demais responsáveis
pelo projeto. Mesmo ainda aguardando a aprovação final, Igayara
adiantou qual era o valor destinado para o projeto. Fiquei bastante
decepcionado com o preço, contestando que não valia o trabalho e
tempo despendidos até a sua possível finalização. Criou-se uma
saia justa, e Igayara perguntou qual a importância que eu acharia
justa para terminar aquele trabalho. Respondi que valeria pelo menos
o dobro do proposto. Com uma elegância e experiência como poucas
vezes presenciei em situações similares, Waldyr Igayara concordou
com o meu valor estipulado, dizendo bem humorado que a culpa havia
sido deles, da editora, que me convidaram para o trabalho e em
momento algum disseram que já havia um preço definido para a
produção. Ainda assim, o valor acertado nem era grande coisa,
considerando ser uma criação gráfica para um personagem cujos
direitos autorais eu estaria cedendo em sua totalidade, para a
Editora Abril usar e se beneficiar como quisesse.
Estudos de Gustavo Machado para o Gugu da editora Abril.
Felizmente o embaraço
no “Caso Gugu” não repercutiu negativamente. Continuei pegando
argumentos para desenhar, agora não apenas histórias dos
Trapalhões, como encomendas de HQs da mais nova revista da editora,
Gugu em Quadrinhos.
Tinha preferência pelo
Gugu para desenhar, pois além de ser uma criação minha, o fato de
desenhar as primeiras HQs me dava autonomia para conceber e definir
toda a concepção visual de seu universo, como cenários,
composições e personagens secundários.
Assim como nos
Trapalhões em quadrinhos, as HQs do Gugu em pouco ou nada lembravam
os programas de TV dos artistas retratados. Mérito principalmente
dos hábeis e tarimbados argumentistas, que partiam e se valiam de um
mote básico na concepção editorial dos personagens, respeitando
alguns traços fundamentais na personalidade dos apresentadores para
daí, criar vida e universos próprios em suas aventuras nos
quadrinhos. No caso dos Trapalhões a liberdade era plena, pois não
havia vínculo algum por contrato com o trabalho do quarteto na TV ou
no cinema. Os Trapalhões dos quadrinhos eram crianças, e o mundo
que cercava suas aventuras era muito diverso dos quadros e esquetes
do programa de humor da TV Globo e dos filmes anuais para o cinema,
sempre com piadas de duplo sentido, preconceituosas e muitas vezes
erotizadas. Os Trapalhões em quadrinhos que produzíamos eram muito
mais próximos de referências como as criações de Bolinha &
Luluzinha, Charlie Brown e sua turma ou mesmo da Turma da Mônica,
essa última, ela mesma muito inspirada nos dois quadrinhos citados
anteriormente.
As HQs do Gugu eram
aventuras na linha de Tintin, com leves pitadas de romantismo. Nada a
ver com o apresentador e seu universo restrito aos quadros do
programa da TV. As poucas associações com a personalidade real
foram resolvidas com soluções criativas. Se no programa de Gugu
Liberato havia o assédio geral do público feminino, as famosas
macacas de auditório, esse contexto foi apresentado nas HQs focando
em uma única admiradora, Claudete, a fã número um do Gugu,
apaixonada por ele desde que dividiram o mesmo berçário na
maternidade. Suas histórias giravam sempre em torno de algum plano
mirabolante, para Claudete conseguir encontrar seu ídolo e atacá-lo
de beijos e abraços.
Em várias ocasiões,
eu me dispunha a criar um model sheet apenas para o meu uso, sem ter
sido encomendado. Um hábito operacional que me facilitava o trabalho
sempre que necessitava voltar a desenhar algum personagem, mesmo que
secundário, como foi o caso da Claudete. Quando acontecia de outro
colega desenhar alguma história com a presença da personagem, eu
fornecia uma cópia em xerox para o seu uso, caso houvesse interesse.
As histórias do Gugu e
dos Trapalhões eram inventivas e divertidas, e nenhum de nós,
desenhistas ou argumentistas sequer assistia ou acompanhava seus
programas na TV. Minto, tive minha fase como espectador do programa
de auditório “Viva a Noite”, comandado pelo Gugu nas noites de
sábado. O quadro em que as equipes adversárias tentavam descobrir
uma palavra através de desenhos feitos nos quadros era impagável.
O Gugu sertanejo
Em 1992, Primaggio
Mantovi, meu chefe no setor de quadrinhos infantis, onde era
contratado desde 1988, me repassou o contato de um trabalho externo
que ele abriu mão por falta de tempo e interesse. O convite veio
através de Ana Camargo, gerente de marketing da Editora Azul, uma
subsidiária da Editora Abril. Quando tomei conhecimento do que se
tratava, topei na hora. Queriam fazer uma nova versão para
quadrinhos de um velho conhecido meu, Gugu Liberato. A Editora Azul
estava para lançar uma revista semanal aproveitando o sucesso do
programa de música sertaneja que fazia sucesso nas noites de sábado
pelo SBT. Seu apresentador era Gugu Liberato, que numa jogada de
marketing para aproveitar o novo filão musical, mudou o nome do seu
tradicional “Viva a Noite” para “Sabadão Sertanejo”.
É bom lembrar que
naquela virada para a década de 1990, a música sertaneja era apenas
um nicho no poderoso mercado fonográfico vigente, sem despertar
ainda tantas críticas e preconceitos. Mesmo eu, que não tinha
afeição por esse gênero musical regional, como um típico carioca
e menino de cidade grande, não me incomodava em ouvir ou falar sobre
o assunto. A música sertaneja até ali era vista apenas como um
subproduto brega, como as músicas de apelo popular dos anos de 1970,
compostas e interpretadas por nomes como: Waldick Soriano, Paulo
Sergio, Odair José, Fernando Mendes, Reginaldo Rossi, Gilliard,
Perla, Sidney Magal, Amado batista, Wando, José Augusto e vários
outros.
Novamente, havia
partido do próprio Gugu o desejo de ter algumas páginas em
quadrinhos no seu semanário. Soube disso quando comecei a tratar
diretamente com Ana Camargo, a editora, sobre as possibilidades
editoriais nessa nova empreitada. Comentei que eu havia criado as
duas versões anteriores do Gugu para os quadrinhos. A primeira
através do amigo Paulo Paiva, e a segunda versão para a própria
editora Abril, um pouco antes de ser efetivado.
Ana Camargo me deu
plena liberdade para desenvolver a linha de criação, tanto nas
histórias quanto nos desenhos. No primeiro momento, convidei Genival
da Silva, experiente argumentista da Abril Jovem, que além de
escrever para vários títulos também desenhava HQs nacionais de
Bolinha e Luluzinha, por exemplo. Diferentemente das versões
anteriores, optamos por fazer o Gugu mais infantil, transformando-o
num pré-adolescente. Em seguida, uma sacada genial, Gerson Teixeira,
que seria o argumentista fixo da série, desenvolveu a personalidade
do Guguzinho baseada no conhecido tino comercial pelo qual o louro do
SBT era tão afamado. Gerson inclusive teve uma reunião com o
próprio Gugu Liberato, para expor suas ideias e receber sugestões.
Na arte, além dos meus desenhos, convidei Napoleão Figueiredo para
repetir a parceria de sucesso de “Didi Volta para o Futuro”, com
ele colorindo magistralmente com ecoline, a aquarela líquida. Outro
amigo do setor de quadrinhos, Noriatsu Yoshikawa, ficou responsável
pela arte final, letras e edição. Contei ainda com Vera Ayres,
outra queridíssima amiga, para o importante trabalho de revisão de
texto - o copidesqui - tão desprezado em tantas produções
nacionais de HQ.
O resultado final de
Guguzinho em quadrinhos ficou muito bom e durou o tempo da revista
nas bancas, saindo semanalmente em histórias curtas de uma, duas ou
três paginas. A revista só seria cancelada por um grande erro de
estratégia editorial,
ao sortear um Fiat zero Km e vários prêmios em dinheiro todos os
meses. O custo alto desse chamariz acabou por inviabilizar a
publicação, que embora vendesse bem estava sempre no vermelho.
...................................................................................................
Começou
como desenhista profissional em 1977, aos 18 anos, como integrante da
equipe da revista em quadrinhos do Sítio
do Pica-Pau Amarelo,
produzida pela Rio
Gráfica e
Editora
(RGE),
atualmente Editora
Globo. De
1979 a 1982, desenhou histórias em quadrinhos de terror para a
Editora
Vecchi, no
Rio de Janeiro, e quadrinhos adultos para Editora
Grafipar, de
Curitiba, onde residiu por três anos. Ainda em 82, trabalhou como
ilustrador e layoutman para as agências de publicidade Exclam
e MPM,
ainda em Curitiba.
Mudou-se
para São Paulo e, de 1983 a 1988, trabalhou fazendo desenhos
animados para vários estúdios da capital paulista, como Daniel
Messias Cinema de Animação,
Briquet
Filmes,
Sketch Filmes
e outros. Neste período, em 1987, criou a concepção visual,
storyboard e planejamento para a animação para o média metragem, O
Quarto Rei Mago
(The Story of
the Other Wise Man),
para a Start
Filmes. Em
1988, criou os modelos das figuras da Xuxa
e Gugu
Liberato
para uso em Histórias em Quadrinhos, respectivamente, para as
editoras Globo
e Abril.
De
1988 a 1997, como desenhista contratado da Editora
Abril,
desenhou vários personagens, como: Zé
Carioca, Os
Trapalhões,
Sergio
Mallandro,
Gugu,
Corcunda de
Notre Dame,
Hércules,
Mulan
e Tarzan,
destacando-se a Grafic
Novel Didi Volta Para O Futuro (1992).
Em parceria com Wander Antunes, desenhou as HQs Dora e As Aventuras de Zózimo Barbosa, este último lançado em 2007 no álbum “O Corno Que Sabia Demais”, pela editora Pixel.
Em parceria com Wander Antunes, desenhou as HQs Dora e As Aventuras de Zózimo Barbosa, este último lançado em 2007 no álbum “O Corno Que Sabia Demais”, pela editora Pixel.
Com
o estúdio Cartoon
Pro,
participou da produção de desenhos animados em 3D para editora Luz
e Vida, de
Curitiba.
Como
desenhista, recebeu dois prêmios
Abril de Jornalismo,
dois prêmios
Angelo Agostini
e dois
troféus Dona Beja de Quadrinhos.
Em
2015, no 31º
Troféu Angelo Agostini,
foi homenageado como “Mestre
do Quadrinho Nacional”.
Em
2016, formou-se em Artes
Visuais pela
Universidade
Estadual de Londrina (UEL).
Em
2016, em parceria com Hugo Aguiar, desenhou a HQ
“Isso não é um assassino”,
uma homenagem aos 50 anos de morte do pintor René Magritte.
Em
setembro de 2017, estreia da série Cidade
Proibida,
produzida pela rede Globo, baseada nos quadrinhos de Zózimo
Barbosa, sua
co-criação com Wander Antunes.
Atualmente
trabalha com ilustrações de livros para várias editoras, além de
criar trabalhos para publicidade e HQs autorais, comerciais,
institucionais e corporativas.
Vive
em Londrina, é casado com Cleusa e tem duas filhas, Paula e Natália.
Leia uma entrevista com Gustavo Machado aqui.
............................................................................................................................
Sobre Gérson B. Teixeira a Wikipédia nos diz: "Gérson Luiz B. Teixeira é um roteirista de quadrinhos brasileiro. Trabalhou por muitos anos como roteirista de quadrinhos Disney e Os Trapalhões para Editora Abril e atualmente produz roteiros para a Turma da Mônica da Maurício de Sousa Produções. É pai do também roteirista Luis Gustavo Fiali Teixeira.
Possui cerca de 460 histórias publicadas. Sua primeira história na Disney foi "O Outro Lado do Meio-Dia" na revista Almanaque Disney 85, de junho de 1978, com o Morcego Vermelho.
Em 2012, produziu uma história do Astronauta para o álbum Ouro da Casa, publicado pela Panini Comics".
4 comentários:
É fantástico conhecer o trabalho de todos esses artistas. Eu estava no colégio e todos esses artistas estavam ralando para conseguir produzir tanto material bem feito.
Luigi, muito obrigado pela matéria tão bacana! Tive um imenso prazer de desenhar todas essas fases do Gugu em quadrinhos. Aprendi muito, dividindo a produção com profissionais e amigo super talentosos, nos roteiros, arte final, cor e letras. Trabalhos de equipe sem iguais! Grande abraço,
Gustavo Machado
Na verdade meu nome é Gilberto Firmino e não "Gilberto Felipe" como foi mencionado na matéria. E, apesar dele não saber meu nome, sou muito grato ao Sr. Gustavo Machado por ter abandonado o projeto da primeira revista em quadrinhos de "Aventuras do Gugu". Ganhei uma "grana" bem legal para finalizar o trabalho inacabado dele e isso ainda me abriu muitas portas no meio editorial. Muito obrigado!
Olá, Gilberto Firmino, obrigado pela correção. Você é o Gilberto Firmino do Algazarra? abs
Postar um comentário