Criada para Revista de Domingo do Jornal do Brasil por Miguel Paiva em 1984, Radical Chic representava a mulher moderna e descolada dos anos 1980, com todos os seus problemas, dilemas e motivações.
No princípio, Radical Chic era um nome genérico para histórias de várias mulheres, com aparências diversas. A personagem de cabelos curtos e vermelhos só foi se delineando com o passar das publicações.
A série teve uma longa carreira editorial, saindo em várias publicações, como os jornais O Globo, O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo e nas revistas femininas Claudia e Nova, da editora Abril.
Foi encarnada na TV pela atriz Andréa Beltrão e publicada em livro pelas editoras L&PM, Record, Objetiva e Companhia Editora Nacional.
Por ocasião da estreia de Radical Chic na revista Nova (editora Abril) em fevereiro de 1990, o cartunista concedeu a seguinte entrevista:
Radical na revista Claudia nº 282
NOVA conversa com Miguel Paiva, o pai e amante da Radical Chic.
Por Catarina Arimatéia
A ruiva espevitada que há um mês começou a frequentar a última página de NOVA tem um carioca de 40 anos em sua vida: o artista gráfico, cartunista, ilustrador e músico bissexto Miguel Paiva.
Radical Chic nasceu em 1984, na revista Domingo do Jornal do Brasil. Imediatamente "ganhou" os leitores por sua coragem, franqueza, indisfarçável cinismo, amargo senso de realidade e, claro, muito bom humor. Seu criador jura que não se inspirou em ninguém: "Eu me inspirei numa idade: 30 anos, época extraordinária na vida das pessoas, quando se assumem posições críticas e mudanças radicais".
O currículo de Miguel Paiva mostra que, ele próprio, sempre assumiu posições críticas. E até bem antes dos 30. Com 17 anos, depois de editar a página de humor no jornal do Colégio Aplicação, onde estudava, foi trabalhar no estúdio do já veterano Ziraldo. Logo conseguiu publicar seu primeiro cartum profissional no Jornal dos Sports: um carro do DOPS com latinhas amarradas atrás e o cartaz recém-cassados ... "Uma época dura, mas você nem imagina o quanto era boa se formos comparar com o que veio depois, com o AI5."
Miguel Paiva em O Cruzeiro - 1967
Por essa época, Miguel foi contratado pelo jornal mais combativo daquele tempo: O Pasquim. Ficou quatro anos, de 1969 a 1973, fazendo ilustrações. Foi censurado, preso "para averiguações", fichado e teve o passaporte apreendido. Quando o recuperou, decidiu fazer as malas. Passou seis anos em Milão - seu filho mais velho, hoje com 13 anos, nasceu lá. Voltou em 1983 ... com 30 anos. "Tomei grandes decisões - uma delas, parar de fumar." Descasou-se um ano depois, casou-se novamente e veio para São Paulo, onde mora há seis anos com a mulher Malu e o filho de 6 anos.
Apesar de filha única, Radical Chic tem "irmãos" famosos. Como a família de Happy Days, outra criação de Miguel Paiva, publicada anos atrás na revista Isto É. Outro "irmão" de Radical é o Ed Mort, personagem de Miguel e Luís Femando Veríssimo, que vive suas aventuras no Jornal do Brasil e O Estado de S. Paulo. No ano passado, Radical Chic ganhou um livro (de luxo!) só para ela!
P. Quem é Radical Chic?
R. Uma mulher urbana de 30 anos vivendo despudoradamente todas as crises. Trinta anos é a idade da segunda sabedoria. A primeira vai dos 20 anos aos 30, quando você acha que sabe tudo e vai revolucionar o mundo. Aos 30, queremos fazer uma revisão completa do que pensávamos antes. Quem está casado, se separa. Quem está solteiro, se casa. Quem faz análise, pára. Quem nunca fez, começa. É a fase em que você assume mudanças radicais na vida.
P. A virada aos 30 também acontece com os homens?
R. Mas a mulher vive toda essa "efervescência" interior de uma maneira muito mais rica. Ela sabe conviver melhor com suas angústias e contradições.
Para o homem, é bem difícil admitir as próprias contradições, pois há um "papel social" a desempenhar e ele não consegue se desvincular do julgamento externo, aquela coisa de "o que os outros vão pensar de mim?" Já as mulheres entram de cabeça e não têm o pudor de se reconhecerem em crise. Não existe a preocupação social de não se mostrarem fracas ou inferiores. Assim, acabam tornando-se muito mais sagazes e críticas em relação a elas mesmas. A Radical é forte porque as mulheres se identificam com ela - mesmo que algumas não tenham sua coragem nem espaço para colocar todas as emoções para fora. Ela se mostra, se expõe exageradamente. Faz, diz e vive exatamente como cada mulher gostaria de ser em algum momento da vida.
P. É seu tipo ideal?
R. A Radical é uma pessoa com quem gosto muito de conviver. É meu caso, minha amante, aquela com quem mantenho uma relação secreta.
P. De onde você tira as situações vividas por ela?
R. Em primeiro lugar, conversando com as pessoas. E vou anotando todas as idéias em um livrinho. Há alguns amigos que me inspiram muito, contando casos e situações. Como Lúcia Sweet, produtora e uma "locomotiva social" do Rio de Janeiro. Arthur Ferrari, que foi um dos sócios da Mr. Wonderful (grife masculina de roupas), é outro. Várias tiras que fiz são histórias dele. É verdade que acabo transformando um pouco ... Ah, nada como a vida não real. Você já imaginou se a gente pudesse viver com um roteirista de lado escrevendo nossa vida, uma bela trilha sonora acompanhando e a possibilidade de escolher os coadjuvantes? Seria uma maravilha. E com um personagem temos essas liberdades. Mas, além de conversas, também observo muito o que acontece a minha volta. Certa vez, estava em uma exposição de design no Rio de Janeiro e vi uma moça se despedindo dos amigos e falando:
"Você vai para casa, não vai? E você também, não é? Todo mundo está indo para casa, não é mesmo? Bom, então, tchau. É bom que vão mesmo porque não quero descobrir amanhã que vocês foram se divertir e eu fui embora ... " Uma coisa tão absurda! Tão radical chic! Peguei literalmente o fato - não mexi em nada - e transformei em uma tirada.
P. Há quem ache a Radical um bocado amarga.
R. Dois amigos já me disseram que ela era infeliz - fiquei um tanto perturbado. Pode ser que seja difícil para ela se realizar sentimentalmente, mas isso é mesmo muito difícil. Não acho que seja infeliz. Afinal, tem um cinismo muito grande para analisar tudo e consegue, mesmo assim, aproveitar a vida. Ela se conscientiza da impossibilidade das coisas depois de realizá-las, não antes. Primeiro, vive. Depois julga a experiência. Infeliz é quem corta a possibilidade - ou a impossibilidade - antes.
P. No trabalho, quando aconteceu sua entrada no chamado "universo feminino"?
R. Logo que voltei da Itália, comecei a trabalhar no Instituto de Ação Cultural, no Rio de Janeiro. Já havia trabalhado com eles em Milão - é um instituto nascido em Genebra e mantido por fundações. Na Itália, eu estava envolvido com educação de adultos. No Rio, fiquei diretamente ligado ao Projeto Mulher, que lidava com a educação de mulheres em várias áreas: saúde, sexualidade, sociedade. Aí, entrei com tudo na descoberta da linguagem feminina. Havia mulheres incríveis colaborando com a gente, uma delas Marina Colasanti. Acabei fazendo parte de um grupo de reflexão feminina - como criava as ilustrações para elas, também participava das conversas, o que era até importante, já que dava um ponto de vista masculino. Para mim, foi um momento de crescimento fantástico.
P. O que é o humor para você?
R. É a atitude de questionar a própria seriedade e as pessoas que se levam a sério. Aqueles que se levam muito a sério são uns chatos - eu os detesto, e a Radical Chic pensa exatamente como eu. A partir do momento que você se leva a sério demais, perde o jogo de cintura e a capacidade de transformar situações. Já tecnicamente, o humor precisa ser sempre surpreendente. Uma pulga atrás da orelha. Uma coceira em um ponto que você mal pode alcançar com a mãomas, quando consegue se coçar, o resultado é um imenso prazer. O humor nem precisa ser brilhante, filosófico ou genial. Imprescindível é revelar coisas em um momento que você não está esperando. Como a Radical Chic vive fazendo.
A Ficha de Radical Chic
- IDADE: 30 anos.
- ALTURA: 1,72 m.
- PESO: Variável, está sempre começando dieta. Na segunda-feira, tem 59 kg. Na sexta, 4 menos.
- OLHOS: Castanho-escuros.
- CABELOS: Ruivos.
- ESTADO CIVIL: Solteira. Gosta muito de dar. .. e receber.
- NATURALIDADE: Nasceu prematura em plena Via Dutra, entre Rio e São Paulo.
- FILlAÇÃO: Pai gaúcho e mãe mineira.
- IRMÃOS: É filha única.
- CORES PREFERIDAS: Lilás e azul.
- PROFISSÃO: Uma agitadora cultural. Produtora também, mas anda meio desempregada. Costuma fazer "bicos chiques" em moda, show business e todos os bochichos quentes.
- A GRANDE PAIXÃO: Não viveu ainda.
- EX-NAMORADOS: Muitos.
- ATOR PREFERIDO: Peter Coyotte.
- ATRIZ: Kathleen Turner.
- ÍDOLO: Não tem. É o tipo de mulher que "no segundo dia", como diz seu criador, "já iria começar a achar algum defeito nele".
- PERFUME: De dia, o cheiro da pele. À noite, uma pitada de First, só uma leve insinuação.
- HOBBIES: Jogar conversa fora, frequentar bares em que os garçons não se metam na vida dela, fazer ginástica - mas não aeróbica, prefere uma mistura de ioga com alongamento, "coisa mais serena, de gente civilizada".
- HÁBITOS ALIMENTARES: É a favor de um mínimo de vida sadia, mas não faz o gênero naturete. Come arroz integral, só que não dispensa carnes.
- BEBIDAS: Enquanto o sol não se põe, um vinho branco ou um martini seco. À noite, Jack Daniel's. Ah, sim: ela se angustia muito com a noite. Às vezes tem certeza de que alguma coisa muito importante está acontecendo e que não foi convidada.
- MEDOS: Um só - envelhecer.
- TRAUMAS: Queria ser muito mais alta e muito mais magra.
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Apresentação do livro Romeus e Julietas, editora Melhoramentos, 1988.
Miguel Paiva Ponce de Leon é carioca da Fonte da Saudade, o que significa ter vindo ao mundo num dos mais privilegiados lugares do planeta.
Para quem não sabe, a Fonte da Saudade fica à beira da lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, ao pé do morro do Corcovado, do morro Dois Irmãos e da pedra da Gávea, cartãopostal do Brasil, que exporta sua imagem para o mundo.
Jornal dos Sports - 1967
Sempre ligado ao desenho e à produção editorial, Miguel Paiva vem de uma família de publicitários. Ainda adolescente, começou a trabalhar as suas charges e histórias em quadrinhos. Ingressou no Pasquim em 1969, onde permaneceu até 1974, quando a situação político-social do país não estava para peixe miúdo, era império de tubarões, com os quais ele não tinha nada a ver. Assim, fez as malas e acabou na Europa.
Morou vários anos na Itália, época em que criou vários personagens infantis. Sua maior atuação se deu no Corriere dei Picoli, suplemento infantil do Corriere della Sera, jornal de grande prestígio junto aos italianos.
Voltando à pátria amada, Miguel Paiva fez de tudo, sempre muito bem-sucedido como profissional. É diretor de arte de algumas publicações.
Apaixonado pela figura da mulher, ele a retrata de forma genial em sátiras de tiras curtas ou longas nas variantes do comportamento social segundo as tendências da época, e é o pai intelectual de algumas figuras marcantes.
Assim, em 1984, nasceu a Radical Chic, na revista Domingo do Jornal do Brasil, R. J., rainha dos conflitos da emancipação feminina.
Happy Days é outro momento feliz da sua criação e é publicado na revista Isto É.
Meu diário (Guta) é outra abordagem onde ele escreve, em forma de diário, as agruras de uma adolescente de dezessete anos.
Brincando e rabiscando, usando e abusando de seu traço rico e irreverente, Miguel Paiva segue castigando os costumes pelo riso.
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