segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Radical Chic - Jornal do Brasil - 1984



Criada para Revista de Domingo do Jornal do Brasil por Miguel Paiva em 1984, Radical Chic representava a mulher moderna e descolada dos anos 1980, com todos os seus problemas, dilemas e motivações. 

No princípio, Radical Chic era um nome genérico para histórias de várias mulheres, com aparências diversas. A personagem de cabelos curtos e vermelhos só foi se delineando com o passar das publicações.

A série teve uma longa carreira editorial, saindo em várias publicações, como os jornais O Globo, O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo e nas revistas femininas ClaudiaNova, da editora Abril.

Foi encarnada na TV pela atriz Andréa Beltrão e publicada em livro pelas editoras L&PM, Record, Objetiva e Companhia Editora Nacional.

Por ocasião da estreia de Radical Chic na revista Nova (editora Abril) em fevereiro de 1990, o cartunista concedeu a seguinte entrevista:

Radical na revista Claudia nº 282

NOVA conversa com Miguel Paiva, o pai e amante da Radical Chic.

Por Catarina Arimatéia

A ruiva espevitada que há um mês começou a frequentar a última página de NOVA tem um carioca de 40 anos em sua vida: o artista gráfico, cartunista, ilustrador e músico bissexto Miguel Paiva. 

Radical Chic nasceu em 1984, na re­vista Domingo do Jornal do Brasil. Imediatamente "ganhou" os leitores por sua coragem, franqueza, indis­farçável cinismo, amargo senso de realidade e, claro, muito bom hu­mor. Seu criador jura que não se ins­pirou em ninguém: "Eu me inspirei numa idade: 30 anos, época extraor­dinária na vida das pessoas, quando se assumem posições críticas e mu­danças radicais". 

O currículo de Miguel Paiva mostra que, ele próprio, sempre assumiu posições críticas. E até bem antes dos 30. Com 17 anos, depois de edi­tar a página de humor no jornal do Colégio Aplicação, onde estudava, foi trabalhar no estúdio do já ve­terano Ziraldo. Logo conseguiu publicar seu primeiro cartum profissional no Jornal dos Sports: um carro do DOPS com latinhas amarradas atrás e o cartaz recém-cas­sados ... "Uma época du­ra, mas você nem imagi­na o quanto era boa se formos comparar com o que veio depois, com o AI5." 

Miguel Paiva em O Cruzeiro - 1967

Por essa época, Miguel foi contratado pelo jor­nal mais combativo da­quele tempo: O Pas­quim. Ficou quatro anos, de 1969 a 1973, fazendo ilustra­ções. Foi censurado, preso "para averiguações", fichado e teve o pas­saporte apreendido. Quando o recu­perou, decidiu fazer as malas. Passou seis anos em Milão - seu filho mais velho, hoje com 13 anos, nasceu lá. Voltou em 1983 ... com 30 anos. "To­mei grandes decisões - uma delas, parar de fumar." Descasou-se um ano depois, casou-se novamente e veio para São Paulo, onde mora há seis anos com a mulher Malu e o fi­lho de 6 anos. 

Apesar de filha única, Radical Chic tem "irmãos" famo­sos. Como a família de Happy Days, outra criação de Miguel Pai­va, publicada anos atrás na revista Isto É. Outro "irmão" de Radical é o Ed Mort, personagem de Miguel e Luís Femando Veríssi­mo, que vive suas aventuras no Jor­nal do Brasil e O Estado de S. Paulo. No ano passado, Radical Chic ga­nhou um livro (de luxo!) só para ela! 

P. Quem é Radical Chic? 

R. Uma mulher urbana de 30 anos vivendo despudoradamente todas as crises. Trinta anos é a idade da se­gunda sabedoria. A primeira vai dos 20 anos aos 30, quando você acha que sabe tudo e vai revolu­cionar o mundo. Aos 30, que­remos fazer uma revisão com­pleta do que pensávamos antes. Quem está casado, se separa. Quem está solteiro, se casa. Quem faz análise, pára. Quem nunca fez, começa. É a fase em que você assu­me mudanças radicais na vida. 

P. A virada aos 30 também acontece com os homens?

R. Mas a mulher vive toda essa "efervescência" inte­rior de uma maneira muito mais rica. Ela sabe convi­ver melhor com suas an­gústias e contradições. 
Para o homem, é bem di­fícil admitir as próprias contradições, pois há um "papel social" a desem­penhar e ele não conse­gue se desvincular do julgamento externo, aquela coisa de "o que os outros vão pensar de mim?" Já as mulheres entram de ca­beça e não têm o pudor de se reconhecerem em crise. Não existe a preocupação social de não se mostrarem fracas ou inferiores. Assim, acabam tornando-se muito mais sagazes e críticas em relação a elas mesmas. A Radical é forte por­que as mulheres se identificam com ela - mesmo que algumas não te­nham sua coragem nem espaço para colocar todas as emoções para fora. Ela se mostra, se expõe exagerada­mente. Faz, diz e vive exatamente co­mo cada mulher gostaria de ser em al­gum momento da vida.

P. É seu tipo ideal?

R. A Radical é uma pessoa com quem gosto muito de conviver. É meu caso, minha amante, aquela com quem mantenho uma relação secreta.

P. De onde você tira as situações vividas por ela? 

R. Em primeiro lugar, conversando com as pessoas. E vou anotando todas as idéias em um livrinho. Há al­guns amigos que me inspiram muito, contando casos e situações. Como Lúcia Sweet, produtora e uma "loco­motiva social" do Rio de Janeiro. Arthur Ferrari, que foi um dos sócios da Mr. Wonderful (grife masculina de roupas), é outro. Várias tiras que fiz são histórias dele. É verdade que aca­bo transformando um pouco ... Ah, nada como a vida não real. Você já imaginou se a gente pudesse viver com um roteirista de lado escrevendo nossa vida, uma bela trilha sonora acompanhando e a possibilidade de escolher os coadjuvantes? Seria uma maravilha. E com um personagem te­mos essas liberdades. Mas, além de conversas, também observo muito o que acontece a minha volta. Certa vez, estava em uma exposição de de­sign no Rio de Janeiro e vi uma moça se despedindo dos amigos e falando: 
"Você vai para casa, não vai? E você também, não é? Todo mundo está in­do para casa, não é mesmo? Bom, en­tão, tchau. É bom que vão mesmo porque não quero descobrir amanhã que vocês foram se divertir e eu fui embora ... " Uma coisa tão absurda! Tão radical chic! Peguei literalmente o fato - não mexi em nada - e transformei em uma tirada.

P. Há quem ache  a Radical um bocado amarga.

R. Dois amigos já me disseram que ela era infeliz - fiquei um tanto perturbado. Pode ser que seja difícil para ela se realizar sentimentalmente, mas isso é mesmo muito difícil. Não acho que seja infeliz. Afinal, tem um cinismo muito grande para analisar tudo e consegue, mesmo assim, aproveitar a vida. Ela se conscientiza da impossi­bilidade das coisas depois de realizá­-las, não antes. Primeiro, vive. Depois julga a experiência. Infeliz é quem corta a possibilidade - ou a impossi­bilidade - antes.

P. No trabalho, quando aconteceu sua entrada no chamado "universo feminino"?

R. Logo que voltei da Itália, comecei a trabalhar no Instituto de Ação Cul­tural, no Rio de Janeiro. Já havia tra­balhado com eles em Milão - é um instituto nascido em Genebra e man­tido por fundações. Na Itália, eu esta­va envolvido com educação de adul­tos. No Rio, fiquei diretamente liga­do ao Projeto Mulher, que lidava com a educação de mulheres em várias áreas: saúde, sexualidade, socie­dade. Aí, entrei com tudo na desco­berta da linguagem feminina. Havia mulheres incríveis colaborando com a gente, uma delas Marina Colasanti. Acabei fazendo parte de um grupo de reflexão feminina - como criava as ilustrações para elas, também partici­pava das conversas, o que era até im­portante, já que dava um ponto de vista masculino. Para mim, foi um momento de crescimento fantástico.

P. O que é o humor para você?

R. É a atitude de questionar a própria seriedade e as pessoas que se levam a sério. Aqueles que se levam muito a sério são uns chatos - eu os detesto, e a Radical Chic pensa exatamente como eu. A partir do momento que você se leva a sério demais, perde o jogo de cintura e a capacidade de transformar situações. Já tecnicamen­te, o humor precisa ser sempre sur­preendente. Uma pulga atrás da ore­lha. Uma coceira em um ponto que você mal pode alcançar com a mão­mas, quando consegue se coçar, o re­sultado é um imenso prazer. O humor nem precisa ser brilhante, filosófico ou genial. Imprescindível é revelar coisas em um momento que você não está esperando. Como a Radical Chic vive fazendo.


A Ficha de Radical Chic
  • IDADE: 30 anos. 
  • ALTURA: 1,72 m. 
  • PESO: Variável, está sempre come­çando dieta. Na segunda-feira, tem 59 kg. Na sexta, 4 menos. 
  • OLHOS: Castanho-escuros. 
  • CABELOS: Ruivos. 
  • ESTADO CIVIL: Solteira. Gosta muito de dar. .. e receber. 
  • NATURALIDADE: Nasceu prematura em plena Via Dutra, entre Rio e São Paulo. 
  • FILlAÇÃO: Pai gaúcho e mãe mineira. 
  • IRMÃOS: É filha única. 
  • CORES PREFERIDAS: Lilás e azul. 
  • PROFISSÃO: Uma agitadora cultural. Produtora também, mas anda meio desempregada. Costuma fa­zer "bicos chiques" em moda, show business e todos os bochi­chos quentes. 
  • A GRANDE PAIXÃO: Não viveu ainda. 
  • EX-NAMORADOS: Muitos. 
  • ATOR PREFERIDO: Peter Coyotte. 
  • ATRIZ: Kathleen Turner. 
  • ÍDOLO: Não tem. É o tipo de mulher que "no segundo dia", como diz seu criador, "já iria começar a achar algum defeito nele". 
  • PERFUME: De dia, o cheiro da pele. À noite, uma pitada de First, só uma leve insinuação. 
  • HOBBIES: Jogar conversa fora, fre­quentar bares em que os garçons não se metam na vida dela, fazer gi­nástica - mas não aeróbica, prefe­re uma mistura de ioga com alonga­mento, "coisa mais serena, de gen­te civilizada". 
  • HÁBITOS ALIMENTARES: É a favor de um mínimo de vida sadia, mas não faz o gênero naturete. Come arroz integral, só que não dispensa carnes. 
  • BEBIDAS: Enquanto o sol não se põe, um vinho branco ou um martini seco. À noite, Jack Da­niel's. Ah, sim: ela se angustia muito com a noite. Às vezes tem certeza de que alguma coisa mui­to importante está acontecendo ­e que não foi convidada. 
  • MEDOS: Um só - envelhecer. 
  • TRAUMAS: Queria ser muito mais alta e muito mais magra.

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Apresentação do livro Romeus e Julietas, editora Melhoramentos, 1988.

Miguel Paiva Ponce de Leon é carioca da Fonte da Saudade, o que significa ter vindo ao mundo num dos mais privilegiados lugares do planeta. 

Para quem não sabe, a Fonte da Saudade fica à beira da lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, ao pé do morro do Corcovado, do morro Dois Irmãos e da pedra da Gávea, cartão­postal do Brasil, que exporta sua imagem para o mundo. 

Jornal dos Sports - 1967

Sempre ligado ao desenho e à produção editorial, Miguel Paiva vem de uma família de publicitários. Ainda adolescente, começou a trabalhar as suas charges e histórias em quadrinhos. Ingressou no Pasquim em 1969, onde permaneceu até 1974, quan­do a situação político-social do país não estava para peixe miúdo, era império de tubarões, com os quais ele não tinha nada a ver. Assim, fez as malas e acabou na Europa. 

Morou vários anos na Itália, época em que criou vários per­sonagens infantis. Sua maior atuação se deu no Corriere dei Picoli, suplemento infantil do Corriere della Sera, jornal de grande prestígio junto aos italianos. 

Voltando à pátria amada, Miguel Paiva fez de tudo, sempre muito bem-sucedido como profissional. É diretor de arte de al­gumas publicações. 

Apaixonado pela figura da mulher, ele a retrata de forma genial em sátiras de tiras curtas ou longas nas variantes do comportamento social segundo as tendências da época, e é o pai intelectual de algumas figuras marcantes. 

Assim, em 1984, nasceu a Radical Chic, na revista Domingo do Jornal do Brasil, R. J., rainha dos conflitos da emancipação feminina. 

Happy Days é outro momento feliz da sua criação e é publi­cado na revista Isto É. 

Meu diário (Guta) é outra abordagem onde ele escreve, em forma de diário, as agruras de uma adolescente de dezessete anos. 

Brincando e rabiscando, usando e abusando de seu traço rico e irreverente, Miguel Paiva segue castigando os costumes pelo riso.

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