quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Guta - Capricho - 1987

Na década de 1980 a revista Capricho da editora Abril mudou sua linha editorial. Deixou para trás as fotonovelas e passou a ser uma revista de comportamento, moda e beleza dirigida ao público feminino jovem, adotando inclusive o slogan "a revista da gatinha".


Mirando esse público adolescente, o cartunista Miguel Paiva criou a personagem Guta, uma menina de dezessete anos às voltas com os dilemas das garotas da sua idade. Inicialmente a seção chamava-se Meu Diário, passando posteriormente a assumir o nome de sua personagem principal.
Abaixo uma entrevista concedida pelo artista à revista em Abril em 1987.

LINHA DIRETA COM MIGUEL PAIVA

Ele é um dos mais brilhantes desenhistas de humor deste país. Colabora com inúmeras revistas, entre elas Capricho. Neste bate-papo você finalmente vai conhe­cer o pai da Guta, que assina o seu divertido diário na nossa última página:

Capricho - Há quanto tempo você trabalha com cartum?

Miguel Paiva em O Cruzeiro - 1967

Miguel Paiva - Já faz vinte anos. Co­mecei muito cedo, com 17 anos, por volta de 1966, 67, colaborando no Jor­nal dos Sports do Rio de Janeiro. Foi a primeira vez que ganhei dinheiro por alguma coisa que fiz. Fiquei fascina­do. Logo percebi que não era um cartunista típico, mas um desenhista de humor, e que essa atividade estava as­sociada em mim a outras formas de expressão, como escrever para teatro e letras para música.

C - Você costuma trabalhar em casa?

MP - Sempre trabalhei em casa. Não sei o que é trabalhar fora e receber um hollerith no fim do mês. Tenho uma ligação muito forte com as coisas da casa, dos mó­veis à organização das tarefas e cuida­dos com os filhos. Em casa nunca houve aquele negócio de dizer "meu marido é muito bom, ele me ajuda muito". Minha mulher trabalha fora e nós dividimos tudo. Agora, é claro que o trabalho não pode ser prejudica­do. Em casa todos já se acostumaram a isso.

Jornal dos Sports - 1967

C - Quantos filhos você tem? 

MP - Três, Diego, de 11 anos, Adol­fo, de 9, e Vítor, de 4. Sempre quise­mos ter uma filha mas não pintou. Nossa relação com os meninos é tão forte, tão mágica, que não importa se eles são filhos ou filhas. 

C - Então a Guta é a filha que você não teve. Como é sua relação com ela? 

MP - E complicadíssima. Ela é real­mente a filha que eu gostaria de ter. Claro que não com essa idade, pois não sou tão velho assim. Eu gostaria de mostrar a Guta absolutamente li­bertária, fazendo o que bem entendes­se. Mas seria uma coisa irreal, porque as coisas não acontecem assim.

C - Fale dela ... 

MP - Ela sabe a crise que esta viven­do. Da dificuldade de romper com a estrutura antiga dos relacionamen­tos com os pais, namorado etc. Ao mesmo tempo se vê em ciladas tre­mendas, porque ainda não sabe quais os instrumentos que pode usar para conseguir o que deseja. Mas a Guta tem a capacidade de perceber o mundo em que pisa e eu espero que os jovens desenvolvam cada vez mais essa capacidade. 

C - O que o "pai" de uma adoles­cente espera dos jovens? 

MP - Olha, eu não espero nada. Não concordo com a responsabili­dade que querem jogar sobre as cos­tas deles. A responsabilidade do mundo que está aí é das gerações mais velhas. O jovem precisa se construir, viver essa coisa extrema­mente prazerosa que é a juventude, para mais tarde poder enfrentar os problemas do mundo.

C - Você largou os estudos antes de completar o segundo grau. Como sua família reagiu a isso?

MP - Nunca cultivei o mito do diploma. Abandonei o Clássico pela metade e não me arrependo. A fa­mília até que reagiu bem. Viram que eu estava tão determinado a seguir o caminho que escolhi, que acabaram me dando força. 

C - Não era a "rebeldia da juventu­de" de que falam? 

MP - Não, é claro que não. Existia um esforço meu em direção a um objetivo. E se há esse esforço é ine­vitável que se consiga o que quer. Com o incentivo dos pais fica mais fácil, e os meus perceberam que é bobagem querer programar a vida dos filhos. 

C - Como foi o adolescente Miguel Paiva? 

MP - Eu fui um adolescente com extremas dificuldades de expressão. Fazia análise, era gago. Um drama, porque sua sobrevivência nesta fase depende da sua capacidade de expressão. Acredito até que a minha necessidade de escrever, de dese­nhar, tenha vindo daí. 

C - Há uma enorme quantidade de rádios antigos espalhados por sua casa. E alguma espécie de paixão? 

MP - Sem dúvida. Malu, minha mu­lher, tem uma espécie de loja de an­tiguidades - um modernário - e numa de suas andanças achou esta coleção de rádios. São mais de 150 e a maioria funciona perfeitamente. 

C - De onde vem essa paixão? 

MP - Não sei ao certo, mas antiga­mente o rádio tinha uma força mui­to grande na vida das pessoas. Elas se sentavam em volta dele e o olhavam, imaginando as cenas que estavam sendo descritas. Por isso têm linhas tão bonitas. 

C - E O que você está achando do Brasil em tempos de Constituinte? 

MP - O Brasil, na realidade, são dois: o Brasil partidário, do Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Reci­fe, supostamente real, e um outro país, imenso, que morre de fome. A gente passa a vida inteira tentando se convencer de que esse outro país não existe. Mas a verdade é que nenhuma solução virá enquanto esse Brasil não for levado em conta.

Entrevista a Milton Belintani Filho
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Sobre Miguel Paiva a Enciclopédia dos Quadrinhos de Goida e André Kleinert (L&PM - 2011) esclarece:

PAIVA, Miguel Brasil (1950) 

O carioca Miguel Paiva é mais um dos casos em que o artista primeiro se consagra no exterior para depois ganhar espaço maior aqui. Profissional do cartum desde os dezessete anos (publicou seus primeiros trabalhos no Jornal dos Sports), passou pelo O Pasquim (1969-1973), Última Hora e Sta­lus. 

Como a barra andava pesada naquela época, mudou-se para a Itália, mais particularmente Milão, onde permaneceu até 1983. Foi lá que criou a sua primeira série de quadrinhos, "Madame Mistério", publica da na revista Linus. 

O Casanova de Miguel Paiva.

Também participou da edição coletiva de As memórias de Casanova, ao lado de artistas de renome, como Guido Crepax, Dino Bataglia, Altan e Oski (publicada no Brasil pela coleção "Quadrinhos L&PM"). 

No seu re­tomo, passou a desenhar em tiras diárias, a partir  dos argumentos de Luis Femando Veríssimo, As aventuras de Ed Mort. Essas deram, em coletâneas formato álbum, quatro títulos - Procurando o Silva, Disneyworld Blues, Com a mão no milhão e Conexão nazista (todos igualmente da coleção "Quadrinhos L&PM"). Mantendo intensa atividade gráfica e de cartuns além da criação de quadrinhos, Miguel Paiva criou, para a revista isto É, as páginas semanais de Happy Days (crônica de uma família de classe média, empobrecida, que vai perdendo seus sonhos por causa dos contínuos pacotes e deteriorização do poder aquisitivo).  

Mais tarde, para a revista Domingo, do Jornal do Brasil,  criou Radical Chic, irônica e divertida sátira sobre uma típica mulher urbana de trinta anos (que se auto denomina, "sou um pupurri de emoções"). Radical Chic também ganhou álbum na coleção "Quadrinhos L&PM". Junto com Júlio José Chiavenatto, Miguel Paiva criou para a Editora Brasiliense, na série "Redescobrindo o Brasil", o álbum Olha lá o Brasil! Na Itália, as histórias de Ed Mort foram traduzi das em revistas e já ganharam um álbum. Paiva participou também das revistas Inter Quadrinhos e, principalmente Bundas (1999-2000). Nessa, criou mais dois personagens antológicos, Charlote, a emergente (quase quarenta páginas), e Betão, o futuro da nação (vinte páginas). 

Antes disso, tinha desenhado Gatão de meia idade, cujas tiras ganharam dois álbuns pela Editora Objetiva em 1995/96. Pela mesma editora saiu ainda em 1995, o Almanaque Radical Chic. Ainda dela tivemos o livro chamado Livro de pensamentos da Radical Chic (Penso, logo mudo de ideia!) editado pela Record, em 2001. Mais recentemente pela Cia. Editora Nacional, saíram mais três álbuns da Radical Chic e também três do Gatão de meia idade, inclusive um volume com as primeiras tiras do personagem. 

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