Esta é a segunda e última parte da entrevista realizada com Maurício de Sousa em 2015. Depois de uma breve interrupção, quando Maurício foi dar uma outra entrevista para uma rádio de São Paulo, continuamos o bate-papo sobre tiras. Confiram!
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Luigi Rocco: Onde a gente tava?
Maurício de Sousa: Eu não faço ideia...
Luigi Rocco: A gente tinha falado do Mug... Ah! Do Fogaça...
Maurício de Sousa: O Fogaça foi um treco tão breve e rápido. E o Fogaça eu me lembro que tinha mais gente no estúdio trabalhando nele, não era só meu.
Tira do Fogaça.
LR: O Luscar disse que trabalhou no Fogaça.
Maurício de Sousa: É possível. Luscar fazia Cebolinha também pra mim.
LR: Ele disse que quem fez no princípio foi o Vilmar.
JAL: Vilmar era do Rio de Janeiro, não era?
Maurício: Era do Rio, amigo do Flávio Colin.
LR: O Fogaça você disse que foi uma coisa breve, né? Mas eu vi umas tiras que tinham numeração 600.
Maurício: Não é possível*.
*Foram produzidas mais de 600 tiras do Fogaça, publicadas pelo Diário Popular entre 1966 e 1968.
LR: Não é possível isso? Não durou seiscentas tiras?
Maurício: Uma numeração qualquer aí...
LR: 60 tracinho um, coisa assim... (risos)
Maurício: Seiscentas? Daria dois anos, três anos...
LR: Daria pelo menos uns três anos... Duzentas por ano.
JAL: É possível, não é?
Maurício: Não, foi muito mais breve. Trabalhei um ano... Não tenho certeza.
Worney Almeida de Souza: E os Dez Ajustados? Você disse que era uma família que vivia num cortiço, em São Paulo, tinha vários personagens. Mas era meio policial a história? Porque tinha um enredo de aparecer uns vilões...
Maurício: Tinha umas coisas, mas era tudo meio gozação, brincadeira, não era nada muito sério.
LR: A sequencia que eu li, foram umas doze tiras, sequestravam um cachorrinho, acho que pra pedir resgate...
Maurício: Agora que você falou eu lembrei! Faz tempo...
LR: Bom, foi um período curto. Uma coisa que eu queria perguntar, por exemplo, (mostrando uma capa da Folhinha de S. Paulo). Essa capa aqui, lembra disso? Tá assinada Joel, deve ser o Joel Link. Como é que você trabalhava? Ele trabalhava pra você? Vocês encomendavam o desenho? Como que era isso?
Capa da Folhinha de S. Paulo com desenho de Joel Link.
Maurício: Ele trabalhava pra mim.
LR: No seu estúdio?
Maurício: Ele não era ligado, não sentava no estúdio. Ele frequentava, vinha, trazia o desenho*.
*Vários desenhistas que eram contratados dos estúdios de Maurício faziam desenhos anatomizados, inclusive assinando seus trabalhos, como Carlos Herrero, Apa (Benedito Aparecido da Silva) e Paulo Hamasaki.
LR: Você trabalhava com a Lenita (de Miranda), vocês precisavam de uma ilustração realista, vocês chamavam o Joel e pediam?
Maurício: Isso, quando precisávamos de uma coisinha diferenciada.
LR: Meu avô assinava a Folha de S. Paulo já nos anos 60, então eu cresci, literalmente, lendo a Folhinha, fui alfabetizado assim. E minha tia era normalista e então ela guardava pros trabalhos de escola.
WAZ: E eu colecionava o Super-Horácio. Só o Super-Horácio. Eu gostava do Super- Horácio!
JAL: Não voltou mais o Super-Horácio, hein?
Maurício: Super-Horácio foi uma revolta minha. Cansei de ver o Horácio apanhando.
JAL: Só coitadinho!
Maurício: Aí eu vesti uma capa nele e ele saiu voando por aí!
WAZ: Deixa eu perguntar uma coisa. Os jornais que você mais publicou foram A Folha de S. Paulo, as tirinhas, que é até hoje...
Maurício: O Diários Associados, Diário de São Paulo, Diário da Noite...
WAZ: E a Tribuna de Santos?
Maurício: Republicava.
WAZ: É só republicação? Mas você tratava direto com eles?
Maurício: Direto com eles. Falava com os diretores. Ia lá vendia, ia receber, fazia tudo. Era uma boa relação.
WAZ: Até hoje publicam materia seu?
Maurício: Não sei se hoje, mas até recentemente. O Diário de Mogi publica até hoje material meu, todo dia.
WAZ: Mas aí não vale, é filho da terra!
LR: É, eu tava lendo o Diário de Mogi, eles publicavam até pouco tempo Os Sousa. Achei bacana isso!
WAZ: Pelo que eu entendo do seu trabalho, você fez diversas turmas diferentes. Você trabalha com universos diferentes. E, na verdade, você foi testando um público. Seria isso?
Maurício: Foi, público, personagem. E até pra ver se a gente evoluia, no meu estúdio. Na criação. Trabalhava melhor, aperfeiçoava uma linha de personagens, tudo era na experimentação.
WAZ: O teu primeiro estúdio ficava onde? Ficava em Mogi mesmo?
Maurício: Em Mogi. Chamava de Bidulândia Serviços de Imprensa. Bem, eu comecei a desenhar foi no quarto de empregada da casa. Depois aluguei outro quartinho, uma sala comercial, e botei minhas tranqueiradas, gibis e tudo o mais, mesa de desenho e trabalhava lá. Ali peguei meu primeiro auxiliar, que não era desenhista, ele era um viajante, ele trazia o meu material pra São Paulo, pros jornais. Eu desenhava, passava pra ele, ele pegava o trem, trazia, levava...
WAZ: Qual que era o nome dele?
Maurício: Hummm, esqueci...
JAL: O Graciano, (Sergio Graciano) que é um dos primeiros desenhistas que você contratou, ele tá aqui até hoje, 47 anos aqui na Maurício de Sousa...
Maurício: Acho que 48.
JAL: 48 anos!?!
Maurício: O Graciano eu peguei quando tava com meu estúdio aqui em São Paulo, do lado da Folha.
JAL: Já do lado da Folha?
Maurício: Alameda Glete, um prédio de esquina, aluguei um apartamento pra morar e na sala principal do apartamento eu botei o estúdio, com uns 4 ou 5 auxiliares.
WAZ: E você se lembra quem eram nessa primeira equipe ou não?
Maurício: Lembro. O Graciano, que tá aqui. Um outro rapaz que também tá por aí, o Sérgio Cântara, você deve saber onde é que ele tá, tinha o Dudu, que era roteirista, Alberto Djinishian.
Trabalho de Sergio Cântara para a Maurício de Sousa Produções.
LR: É, um nome árabe...
Maurício: Armênio. Era um bom roteirista.
JAL: Eles pegavam fácil, assim, pra fazer? Eram mais tiras, não é?
Maurício: Eram mais tiras.
LR: O Franco (de Rosa) falou dois nomes pra gente: Luiz Sanches e Mário Candia. Eles tiveram alguma ligação com você?
Maurício: Não.
LR: Não que você lembre. O Luiz Sanches trabalhava em A Nação, ele editava quadrinhos lá.
Maurício: Mas eu nunca tive nada com (o jornal) A Nação.
LR: E não lembra dos nomes também. Não trabalharam com você...
WAZ: Deixa eu perguntar o teu processo de criação das tiras. A maioria das tiras eram piadas curtas, mas tinham algumas tiras que eram...
Maurício: Séries.
WAZ: Que eram séries, né? Como é que você desenvolvia o roteiro dessas séries, já que você trabalhava feito louco? Você tinha algum método pra desenvolver isso?
Maurício: É, eu não escrevia a história completa, eu ia criando.
WAZ: Conforme ia desenvolvendo ia criando?
JAL: Mas como você conseguia terminar na boa?
Maurício: Eu terminava e...
JAL: Eu fazia assim também, eu começava a fazer a história, eu não sabia... no geral eu terminava com seis páginas ou um pouquinho mais longa, dez páginas, mas acabava dando certo.
Maurício: É sempre assim!
WAZ: Mas as tuas histórias, você programava pra uma aventura de um mês, dois meses, alguma coisa assim?
Maurício: Não, vinha! O que viesse eu botava. As vezes demorava um mês, dois meses, três meses.
WAZ: Pra completar...
Maurício: É. História do Bidu tinha séries mais longas. Tinha no arquivo da Folha, pro pessoal pesquisar, olhar e tudo o mais. As vezes tinha meses, uma história levava meses. Eu tinha que ter cuidado pra manter a atenção do pessoal. Fazer sempre o último quadrinho um convite pra próxima. E tudo deu certo. Além disso, como eu aprendi a fazer, a ler história em quadrinhos em tiras seriadas no Gibi, eu assimilei a técnica, a prática pra isso, então, eu gostava de fazer histórias seriadas, eu tinha facilidade.
WAZ: Agora eu queria que você me esclarecesse dois mistérios. O primeiro mistério: aquela história de terror que você levou pro (Jayme) Cortez. Você se lembra qual era o roteiro dessa história? Se tinha personagem? O que é que era essa história?
Maurício: Que personagem que nada. Eram quatro páginas só, um começo de história, não era uma história.
WAZ: Mas o que é que era essa história? Você se lembra?
Maurício: Lembro um pouco, não me lembro bem. Começava com uma história policial, tinha um mistério, alguém morreu. Tavam procurando o assassino. Mas era uma coisa muito horrorosa. e naquele tempo meu desenho já era meio cômico, desde criança, jovem, quando eu desenhava já tinha o estilo parecido com o atual, mas ali eu tive que forçar a barra e fazer um estilo mais...
WAZ: Mais pro anatômico.
Maurício: É, e eu não sabia, então chupava Alex Raymond, chupava histórias policiais americanas. Igual ao Gedeone fazia, igual todo mundo fazia. Mas depois de quatro páginas nem eu aguentei mais.
WAZ: Mas aí você levou pro Cortez e o que ele falou?
Maurício: Falou: É você que faz aquelas histórinhas pro jornal lá? Com aqueles personagens crianças? Falei: Sou! E ele: Se você faz aquilo, por que você traz essa merda aqui? Me traz aquele material que eu posso estudar alguma coisa.
WAZ: E essa história você levou pra casa ou deixou pro Cortez?
Maurício: Deixei com ele. Eu não tenho.
WAZ: Essa valia criar uma máquina do tempo!
LR: Pois é! A história perdida!
WAZ: E o outro mistério...
Maurício: E não tem só essa história. Tem tiras do Pererê que eu desenhei que também se perderam.
JAL: O Ziraldo... Você entregou pra ele, né?
Maurício: Entreguei pra ele. Ele perdeu.
LR: Mas o Pererê do Ziraldo ou um Pererê qualquer?
JAL: Do Ziraldo! O Ziraldo pediu pra ele desenhar.
WAZ: Mas quando foi isso?
Maurício: Nos anos 60. Eu morava em Bauru, tava trabalhando na Folha, fazendo as tirinhas da Folha. Daí, eu queria fazer gibi. As principais editoras do país estavam no Rio de Janeiro, inclusive a Cruzeiro, com o Pererê. Então eu cismei e falei, bem, eu vou levar o meu material, as tiras e tudo o mais como amostra e vou passar lá pela Rio Gráfica, Ebal, O Cruzeiro, pra oferecer meu material. E fiz isso. Peguei o trem, o trenzinho, lá em Bauru tem um trem, que eu pegava naquele tempo, parei em São Paulo e fui para o Rio de Janeiro, duro pra caramba, peguei uma pensãozinha no zona do cais do porto pra parar um pouquinho e em seguida fui para O Cruzeiro pra procurar o Ziraldo. Fui bem recebido, um lugar bonito, com ar condicionado, que eu detestava por causa daquele frio, mas paciência. E o Ziraldo me recebeu bem, e eu falei pra ele: gostaria de estudar uma possibilidade de publicar alguma coisa aqui também, de repente, uma revista. Ele disse: tá bem difícil, a situação aqui já não tá muito boa, a minha revista tá ameaçada de não ter continuidade, mas nós trabalhamos com os Diários Associados e os Diários têm tiras também, de repente, pra tiras você pode conseguir melhores condições aqui nos Diários Associados e, já que eu estou aqui fazendo revista, você não pode me fazer umas tiras do Pererê, que me faz falta, tiras de jornal. Saberia fazer? Eu disse: Posso tentar. Voltei lá pra minha pensãozinha no cais do porto, que era ruim, e fiz quatro ou cinco tiras grandonas assim, bem no estilo americano, e levei pra ele lá no Cruzeiro.
WAZ: E eram piadas curtas?
Maurício: Piadas curtas. Eu fiz. Já tinha facilidade. Levei pra ele lá no Cruzeiro. Ele falou: deixa aí que eu vou mostrar pro pessoal e ver o que acontece. E não aconteceu nada nunca, nunca mais! Fora tudo isso me perdeu as tiras. Falou que vai procurar, que deve estar lá no meio das coisas dele, não sei onde, que ele faz questão de levantar e vender porque acha que vai conseguir um bom preço (risos).
LR: Vai vender no Mercado Livre! (risos)
WAZ: E outro mistério: Você me falou uma vez que o pessoal da editora Grilo, anterior à editora Grilo, tinha te encomendado em 67, 68, uma revista da Mônica, e que você produziu, entregou e que nunca foi publicada. Essas histórias saíram em outro lugar ou não?
Maurício: Essas histórias eu tirei cópia, daí eu fui reproduzindo, fui refazendo, pra depois usar. Mas, realmente, tava pronta pra sair. Até que, todos os jornalistas que estavam cuidando disso, todos saídos da Folha, sumiram, desapareceram, procuraram por eles e não acharam. Eu queria informações e não tinha. Cadê, cadê, cadê? Não acharam, não acharam, não acharam, desisti, perdi os contatos, não insisti, pensei que nunca mais ia sair a revista, até que em seguida fui procurado pelo pessoal da editora Abril que sugeriu que eu lançasse a revista Turma da Mônica. Perguntaram se eu tinha material eu falei: Eu tenho, acidentalmente eu tenho! Então vamos ver, vamos estudar, e começamos a conversar e nasceu a revista da Mônica pela editora Abril. Agora, como eles sabiam que eu tinha material, que eu tinha tudo pronto? Jamais vou saber, porque o pessoal que sumiu tava preso, a ditadura tinha trancafiado todos eles, então, esse mistério eu não sei.
WAZ: Mas você não chegou a entregar fisicamente pra eles o material. Você só produziu mas não achou mais eles, é isso?
Maurício: Algumas páginas eu entreguei sim!
WAZ: Mas então essas histórias você readaptou e depois foram publicadas na Turma da Mônica?
Maurício: É isso!
WAZ: E a capa?
Maurício: Não, não cheguei a fazer a capa.
WAZ: Ah! Você só fez o miolo!
Maurício: Mas, enquanto isso, tem uma outra história que eu não contei. Estava eu já na Folha, publicando minhas tiras, Piteco, Mônica, Cebolinha, daí fui procurado pela direção da Folha pra fazer um projeto de revista. Era... não me lembro a data... nenhuma referência...
WAZ: Antes do Castelo Branco ou depois? Antes de 64 ou depois?
Maurício: Antes... peraí... quando é que o pessoal foi preso? Foi preso em... 68...
WAZ: 68/69, porque o AI-5 foi em dezembro...
Maurício: É... Então a Folha me convidou pra fazer umas revistas. Eu falei: posso fazer. Então tá bom, pode começar a se preparar pra gente acertar as coisas, pra gente fazer. Eu falei: posso anunciar isso? Botar a boca no mundo? Porque é interessante! Tava esperando uma oportunidade! E eles: Pode, pode fazer sim! Daí ei fiz três capas de revista, desenhei três capas de revista, a da revista Bidu, do Cebolinha e Piteco, se não me engano, e essas capas tiveram chamada na última página da Folhinha, então eu tenho prova física de que as revistas estavam sendo preparadas e iam sair pela Folha e iam rodar nas impressoras do jornal mesmo. E, pelo que eu soube, rodaram, fizeram tiragem grande, experimentaram, montaram as revistas. E, de repente, me avisaram que talvez não fosse sair mais. Que raios? Falam que vai sair. Autorizam a uma botar chamada, depois falam que não vai sair mais... Então, me dá uns números pra eu guardar. Nunca me deram nenhum número do que rodaram. Sentaram em cima e nunca liberaram. E eu era amigo do genro do Frias, dono da Folha, e era ele que tava cuidando disso. E ele era amigão meu. E ele: Não posso Maurício, não posso te dar. Me dá! Não posso. Briguei com ele até ele morrer... O que tá por trás: A editora Abril ameaçou lançar um jornal, isso não comprova o que eu estou falando, mas é a história que eu ouvi, e daí a Folha, fazendo um contraponto, falou: Tá bom, então vamos fazer revistas, pra concorrer com as revistas suas infantis do grupo Disney. E daí me autorizaram, que eu podia fazer, me fizeram botar a capa lá, que é a prova que eles estavam iniciando o processo pra fazer. Em seguida, entraram em acordo, você não lança jornal eu não lanço revista, e eu fiquei...
JAL: Você ficou no meio do tiroteio!
WAZ: Teu trabalho virou balão de ensaio, então! Que absurdo!
JAL: É, essas coisas acontecem! Essas coisas de mercado. Só que o coitado ficou fazendo lá. Todo mundo acha que as coisas são simples, quando vê um cara de sucesso, essa coisa toda não é...
Maurício: Sendo jogado pra lá e pra cá, sendo usado como massa de manobra... Na coleção da Folhinha tem as capas de revista, tem as chamadas lá. De vez em quando eu pego pra ver se é verdade mesmo! (risos)
WAZ: Obrigado.
LR: Maravilha! Muito obrigado.
Em dezembro de 1967 são anunciadas no suplemento Folhinha de S. Paulo, para esse mesmo mês, quatro revistas de Maurício: Horácio, Bidu, Cebolinha e Piteco.
Um comentário:
A continuação da entrevista é tão fascinante quanto a primeira parte!
O Tiras Memory presta um IMPORTANTE SERVIÇO em prol do resgate e da preservação da memória das HQs Nacionais! eu venho recomendando o seu blog a vários amigos meus. O blog já é uma importante referência para aqueles,tanto fãs quanto estudiosos que buscam conhecer sobre artistas e personagens das HQs nacionais obscuros ou que se encontram esquecidos.
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