terça-feira, 1 de setembro de 2020

Aventuras de Serapião - Diário da Noite - 1926

Em 1926, o Diário da Noite - SP, com direção de Plínio Barreto e redação principal de Pedro Ferraz, lançava aos domingos uma página infantil semanal chamada O Diário das Crianças. Nessa página Monteiro Lobato publicava em capítulos seus livros infantis, como por exemplo, As viagens de Hans Staden.

O Diário das Crianças apresentava também a tira em quadrinhos Aventuras de Serapião, desenhadas por Kurt E. Wiese. Serapião era um caipira que vivia aventuras engraçadas na roça, mas chegou a empreender uma viagem ao Rio de Janeiro, remetendo ao Nhô Quim, personagem do cartunista italiano radicado no Brasil, Ângelo Agostini, um dos pioneiros dos quadrinhos brasileiros e mundiais.

 
Charge de Kurt Wiese para uma matéria do Diário da Noite.

Kurt Wiese era um jovem ilustrador alemão em passagem por nosso país e essa proximidade com Lobato fez com que ambos empreendessem uma série de trabalhos juntos. Wiese foi o primeiro ilustrador do livro As caçadas de Pedrinho, além de ilustrar o Jeca Tatu e O Garimpeiro do Rio das Garças, todos de Lobato, desse modo podemos afirmar que Kurt ajudou a criar graficamente a figura do morador rural do sudeste brasileiro.


 
Acima, Kurt Wiese e Lobato trabalhando juntos.

Wiese, além dos quadrinhos, fazia também ilustrações e charges para o Diário da Noite, além de escrever matérias também ilustradas por ele, contando suas viagens pelo Brasil, como a série Na região dos Botocudos.

 
Matéria de Wiese ilustrada por ele mesmo: Na região dos Botocudos.

 
Charge de Kurt Wiese sobre as revoltas populares em São Paulo na década de 1920. Como podemos ver a polarização política não é exclusividade de nossos tempos...

 

Há muito pouca informação sobre o ilustrador em português. A História da Caricatura no Brasil, de Herman Lima, por exemplo, faz uma única menção a Wiese, em uma legendo de uma caricatura de Voltolino realizada por ele por ocasião da morte do renomado caricaturista. Na internet, os vários sites citam Kurt apenas de passagem como um dos muitos ilustradores da obra de Monteiro Lobato, mas neste site em inglês sobre o personagem Freddy, o porco, concebido artisticamente por Wiese, há esta bela biografia:

Como muitos outros ilustradores célebres que começaram a trabalhar nos Estados Unidos nas décadas de 1920 e 30, Wiese (1887-1974) era um imigrante, tendo nascido em Minden, Alemanha, onde, como ele mesmo disse, cresceu “sob uma notável coleção de pinturas da Escola de Dusseldorf. ” No entanto, ele não foi encorajado a estudar arte; em vez disso, foi enviado a Hamburgo para aprender os meandros do comércio de importação e exportação. “Depois de ser capaz de contar os fios de uma camisa de dez xelins apenas sentindo-a com a mão”, ele lembrou certa vez, “fui enviado para a China”. Chegando em 1909 quando tinha apenas vinte e dois anos, ele passou os cinco anos seguintes viajando, negociando e se tornando familiarizado com o chinês. Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, ele foi feito prisioneiro pelos japoneses em 1914 e entregue aos britânicos. Os cinco anos seguintes foram passados ??como prisioneiro de guerra, um ano em Hong Kong e quatro na Austrália. Foi lá que ele descobriu seu dom para a ilustração. “Profundamente impressionado com a paisagem e o mundo animal da Austrália, comecei a começar a desenhar e escrever.” Retornando à Alemanha em 1919 com um caderno de desenho volumoso, ele trabalhou por quatro anos projetando livros infantis e cenários para uma empresa de cinema. Então, com saudade, disse ele, “de viver sob um sol quente novamente”, ele partiu para o Brasil em 1923 e passou um ano “viajando pela selva, sobrevivendo a uma revolução e encontrando índios”. Após essas aventuras, ele se acomodou e passou os três anos seguintes ilustrando livros didáticos e infantis para uma editora brasileira. Ele também trabalhou para um jornal, desenhando cartuns e produzindo uma página infantil semanal.

Então veio 1927 e “saudade novamente”, lembrou Wiese. “Desta vez, foi o chamado do Norte”, continuou ele,“em uma manhã cinzenta de inverno em um píer coberto de neve em Hoboken, Nova Jersey, fui levado para a ilha Ellis para um copo de leite e um sanduíche e depois vieram longas semanas viajando pelos cânions de Manhattan com uma coleção de desenhos de amostra debaixo do braço. ”
A história sugere que não muitas dessas semanas foram realmente gastas marchando pelos desfiladeiros de Manhattan, uma vez que um trabalho na revista Collier's Weekly logo se materializou, seguido por suas primeiras encomendas de livros. Em 1929, sua carreira estava em plena floração, como demonstrou ao ilustrar a primeira edição americana do imortal Bambi de Felix Salten. Embora ele possa ser mais lembrado por seus desenhos de linhas incrivelmente fluidas e dinâmicas (como nos livros de Freddy, o porco), ele também era um mestre da técnica que usou em Bambi: a litografia. Seu trabalho em litografia colorida é especialmente notável como no caso do belo livro de Newbery Honor de Phil Stong, Honk the Moose (Wiese teve uma colaboração quase tão frutífera com Stong quanto com Brooks, os dois homens trabalharam juntos em quatorze livros).

 
Caricatura de Voltolino por Kurt Wiese, 1926.

Foi a vida de Wiese na China que parece ter deixado a marca mais indelével em sua memória visual e sua manifestação em seu trabalho. “Ele deixou a marca de seu estilo na China por uma geração”, observa Bader. Na verdade, dois dos dezenove livros que ele escreveu e ilustrou - You Can Write Chinese e Fish in the Air - foram, cada um, premiados. Mais lembradas com carinho, talvez, sejam as ilustrações feitas para o clássico de Marjorie Flack, The Story about Ping, a história de um patinho chinês que é o último a chegar à casa flutuante à noite e receber uma "palmada!" por seus problemas. Ping é historicamente importante por ter sido um dos primeiros livros ilustrados americanos a ser escrito por um talento e ilustrado por outro. Anteriormente, os livros ilustrados eram escritos e ilustrados pela mesma pessoa.

 
Ilustrações de Wiese para o livro The Story about Ping de Marjorie Flack.

Se a China viveu na memória de Wiese, o próprio homem viveu, de forma mais prosaica, em Nova Jersey. Recordando seus primeiros dias na América, ele disse uma vez: “Casei-me e comprei uma pequena casa de fazenda na orla da floresta que cobre as margens rochosas do rio Delaware, cerca de vinte e cinco milhas acima de Trenton, Nova Jersey. É uma boa vida. Posso sentar na minha janela e os animais vêm até mim. Eles me fazem entender como eles vivem ”.

As aventuras de Serapião foram retomadas em 1927 pelo cartunista, pintor e gravador Sergio Linn (abaixo).

 
Abaixo, ilustração de Sergio Linn, agosto de 1927.
 
 

Nenhum comentário: